57 - Outra dimensão
Kerdon sentiu imenso alívio quando percebeu estarem no meio de uma cidade deserta e que tinham escapado dos demônios. Olhou para os lados e viu que os três viajantes que trouxe estavam caídos no chão. Atravessar para outra dimensão era algo que provocava efeitos distintos em cada pessoa.
Josselyn ficou ainda mais enjoada e seguiu vomitando apenas bile, já que não tinha mais nada para colocar para fora. Arifa desmaiou, sem energias e parecia dormir tranquilamente. Edwain havia mudado, seu disfarce como Eduard não se sustentou ali. Estava deitado em posição fetal segurando firme seu bracelete em forma de dragão.
— Já passou, Joss? — Kerdon ajoelhou-se colocando a mão sobre os ombros da amiga.
Com esforço ela conseguiu olhar para ele e se alarmou ao ver o local onde estavam.
— Nós morremos? Isso aqui é o abismo?
— Não. Estamos numa dimensão adjacente ao nosso mundo. Essas construções equivalem de algum modo à nossa Kamanesh. Eu estive aqui antes...
— Quem é ela? — Josselyn apontou para uma senhora muito alta e esbelta que estava atrás de Kerdon.
— Meu nome é Rayera — respondeu com uma voz rouca e um sotaque estranho.
Josselyn percebeu haver um sutil cordão luminoso ligando-a ao medalhão de Kerdon e então compreendeu. Rayera tinha a forma de uma mulher madura, quase idosa, mas era estranha. Havia algo de errado com suas proporções. Olhos grandes demais, lábios finos, ombros estreitos demais, dedos finos e longos. Aquelas proporções também não batiam com a dos elfos, ou qualquer outro humanóide, exceto, Iovük. Sim, eles pertenciam ao mesmo povo, Josselyn constatou.
Arifa tossiu e levou as mãos à garganta. O enjoo de Josselyn já estava melhor, então ela se aproximou dela e tocou seu rosto.
— Acorde, querida... Já está tudo bem.
Arifa abriu os olhos, que brilhavam com uma luminosidade esverdeada ali. Olhou para o rosto de Josselyn acima do seu e para o céu de aspecto estranho, cinzento mas sem nuvens aparentes.
— Onde estamos?
— Aqui é o plano netéreo. Uma dimensão física que espelha a sua realidade. — respondeu Rayera.
Josselyn ajudou Arifa a se sentar. — Porque os olhos dela estão assim?
— Isso é normal. Este lugar possui leis diferentes.
Arifa sentiu um vazio dentro de si e desabou em choro. Logo, foi procurar abrigo nos braços de Josselyn.
Edwain escutou o choro e recobrou os sentidos. Conseguiu ficar sentado, mas ainda se sentindo zonzo e confuso.
Kerdon andou de um lado a outro, ansioso e disse — Pessoal, o tempo aqui é meio maluco. Melhor voltarmos logo, senão, pode ser que nem encontremos mais ninguém vivo em Kamanesh quando o fizermos. — Segurou o medalhão e pediu — Rayera, me ajude a ativá-lo. Precisamos voltar.
— Acalme-se Kerdon, entrar aqui é mais fácil do que sair. Ainda mais, quatro pessoas.
— Como assim, mestra Rayera?
— Se está com tanta pressa, melhor irmos andando.
— Para onde? — indagou Kerdon.
— Se eu soubesse, eu diria. Será preciso encontrar um ponto de passagem, mas eles mudam de lugar com o tempo.
Edwain deu alguns passos olhando em volta. Era um lugar familiar, mas, ao mesmo tempo, estranho. Então, correu até uma esquina e olhou para baixo e apontou.
— Olha só! É o rio, mas do outro lado, Clyderesh sumiu.
Os demais foram até onde ele estava, Arifa já contivera o choro e andava de mãos dadas com Josselyn.
— De onde vem essa luz? Onde está o sol? E as luas? — quis saber Josselyn olhando ao redor.
— Não queira saber... — retrucou Kerdon.
— Por que Clyderesh sumiu? — indagou Arifa, falando pela primeira vez e estranhando a própria voz.
— Não sumiu — explicou Rayera — É que ainda não se formou. Leva tempo para o plano netéreo refletir as tranformações do nosso plano.
Edwain comentou — Mas a cidadela foi construída mesmo antes de eu nascer...
— Tem um bosque — indicou Josselyn — bem onde a academia costumava ficar.
— Aquilo é um bosque? — Kerdon não conseguiu ver da mesma maneira.
Edwain deu com os ombros e desceu na direção do rio — Tudo aqui é estranho.
Os demais o seguiram, afinal, ele era o rei. Talvez instintivamente soubesse para onde estava indo.
Josselyn disse — Rayera o que é... Rayera? — a mulher havia desaparecido. — Para onde ela foi?
Kerdon respondeu — Ela faz isso. Não se preocupe, pode ser que ela não volte a falar conosco por dias.
— E agora? Como vamos saber se achamos a tal passagem?
— Fica tranquila, Joss, eu acredito que sei como são essas coisas. Passei por uma antes, tá lembrada?
Josselyn encolheu os ombros e cochichou — Ele parece saber mesmo onde está indo.
O rei Edwain seguia a passos largos já se distanciando um pouco deles. Finalmente chegaram no rio e viram que a ponte estava lá, porém ela parecia feita de vidro.
— Espera, Ed! — Arifa pegou em seu ombro — Será que é seguro atravessar?
Edwain balançou o ombro com vigor para tirar a mão de Arifa dali e ignorando-a, pisou sobre a ponte. Seu pé afundou um pouco no material um pouco transparente, como se estivesse pisando em lodo. A cada passo, os pés afundavam mais um pouco, de modo que caminhar ali passou a requerer algum esforço.
— Ed? O que deu em você? — Indagou Arifa sem coragem de pisar naquela ponte pegajosa.
Edwain não respondeu, apenas seguia atravessando a ponte.
— Acho melhor nós irmos atrás dele — sugeriu Kerdon. — Deu dois passos para cima da ponte, sentindo os pés grudarem e parou por um instante para chamar as duas — Vamos!
Nisso, percebeu que os pés iam afundando mais e mais, como se fosse a lama espessa de um mangue. Quando tentou tirar os pés, não conseguiu, estava preso.
— Ah, droga! Estou atolado!
Quanto mais fazia força, mais afundava. Josselyn foi procurar um galho ou algo longo para dar para ele segurar.
Arifa disse — Professor! Rápido, tira as botas.
Kerdon achou a sugestão irresistível e desafivelou as botas na altura das canelas. Com alguma dificuldade, tirou um pé, que já foi afundando lentamente na gosma e depois o outro.
— Funcionou! — exultou e correu de volta para a terra firme. Suas botas seguiram afundando na ponte lodosa, lentamente.
— Ed! Ed! — gritou Arifa. Mas ele não respondeu. Já descia do outro lado da ponte.
— Vamos atrás dele, Kerdon — disse Josselyn — Não vamos querer perder o nosso rei, certo?
— Rei? Como assim, rei? Aquele cara lá é o Rei Edwain?
— É — confirmou Arifa.
— Pelos deuses! E eu que supus que viajar entre dimensões já era demais.
— Você não reparou na cara dele, professor?
— Ai, para de me chamar de professor, menina. Eu vi que a cara dele mudou, mas tudo aqui é esquisito, então não dei importância... — Kerdon franziu o cenho — Tem certeza mesmo que ele é o Rei?
— Tenho! — as duas responderam juntas.
Josselyn começou a atravessar a ponte a passos rápidos, quase correndo. — Venham, se andarmos rápido vamos conseguir.
Kerdon a seguiu, sentindo a lama fria entrar no meio dos dedos, a cada passo. — Isso é nojento!
Arifa hesitou, mas a perspectiva de ficar sozinha naquele lugar estranho lhe deu a coragem necessária.
— Pronto! — disse Josselyn aos demais quando terminaram de atravessar a ponte. — Mas cadê ele?
— Ed! Ed! — Arifa gritou.
— Quieta milady! Não vai querer atrair os bichos estranhos que moram nesse lugar.
— Bichos?
— É... Espero que consigamos sair daqui antes de encontrar mais problemas. Vamos, eu acredito que ele entrou no bosque.
Parecia um bom palpite, afinal, tinham visão livre do restante do que seria Clyderesh e com a exceção de algumas poucas casas feitas do mesmo material da ponte, não viam Edwain em parte alguma.
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