52 - Por um triz
Gálius enxugou as lágrimas e exalou o ar dos pulmões para expurgar os maus sentimentos.
Ai, ai! Foi um dia difícil! E já não há nada que eu possa fazer.
Levantou-se e procurou a saída do gueto. Não percebeu a passagem do tempo e agora, já era praticamente noite. O fim do crepúsculo ainda coloria o horizonte com tons lilases. Não sabia ainda, mas o seu dia ainda reservava uma coisa boa e uma ruim.
Olhando para o píer mais próximo, viu uma figura arrastando os pés. A silhueta e o modo de andar...
É o Gorum?
Gálius desceu o caminho rumo ao píer, mas isso levava um tempo. Enquanto isso, a figura seguiu até o final, olhou para baixo e se inclinou na direção da água. Gálius quis acreditar estar apenas se inclinando e então gritou.
— Gorum! Gorum!
Mas seu grito chegou tarde demais. Ele o viu virando até se projetar para dentro da água. Gálius correu, desesperado até o fim do píer e saltou. Ainda havia um resto de luz, e ali, não era muito fundo. Então, conseguiu enxergar uma grande mancha escura no fundo. Nadou até lá até alcançar o irmão. Ele havia perdido os sentidos. Tentou puxá-lo, mas estava muito pesado, então percebeu haver algo preso à sua roupa. Os pulmões queriam explodir pela falta de ar, mas ele não podia deixá-lo ali por mais tempo. Encontrou pedras em seus bolsos e, com esforço, conseguiu tirar o blusão que logo afundou. Finalmente, conseguiu puxá-lo de volta à superfície.
O ar invadiu os pulmões de Gálius que já estavam queimando e ele nadou arrastando Gorum, inerte, até a plataforma que ficava abaixo do píer, onde se amarravam pequenos barcos quando a maré estava baixa. Havia muitas cracas de marisco ali e Gálius se cortou todo ao colocar o irmão para cima. O sangue descia e as feridas ardiam muito, mas Gálius ignorou aquilo ainda com esperanças de salvar o irmão. Quando criança, viu um silfo mais velho fazer isso com um de seus amigos que quase morreu afogado.
Então, pressionou o peito do irmão, várias vezes e soprou dentro de sua boca.
Ele soprava e chorava ao mesmo tempo. — Gorum! Por que você fez isso?
Quando já estava perdendo as esperanças, o irmão reagiu, vomitando água. Gorum estava ralado, sangrando e tossia muito.
— Gorum, seu imbecil! O que pensa estar fazendo! — Gálius ficou todo vermelho, quase cravando as unhas nos braços dele.
— Gal? Você também tá morto?
— Não! Eu tô vivo, seu idiota! E você também...
— Não! Era para tudo ter terminado... Mas que merda Gal! Por que você fez isso?
— Quem me deve explicações aqui é você. Para mim, papai, mamãe, nossos irmãos. Como você pensa que a Dorinha e todos os outros iam ficar quando achassem seu corpo sendo comido por caranguejos amanhã, seu idiota!
Gorum se sentou, colocou a mão na cabeça e começou a chorar.
— Você não entende... Ela me abandonou. Disse que não queria me ver, nunca mais!
— O quê? Você tentou se matar por causa daquela prostituta?
— Não fala assim, Gálius!
— Tá bom... Por causa de uma dançarina? Tanto faz! Porra Gorum! Quanta gente já não ficou de coração partido e depois ficou tudo certo... Você podia fazer como as pessoas normais fazem, ter enchido a cara, chorado, mas se jogar no mar? Se matar? Tá maluco!?
— Ela era tudo que eu tinha...
— Corta essa! Caramba! Pelo Rei-Deus! Não acredito em você.
— Merda, Gálius! Que merda! — Gorum gritou para ele, chorando — Por que você tinha que se meter na minha vida!
— Merda digo eu! Não pensou nada em sua família? Em como todos ficariam?
— A Beluna... Eu não posso viver sem ela.
— Deixa de ser criança, Gorum. É claro que você pode viver sem uma garota.
— Mas eu amo ela... Você não entende.
— Entendo sim. Eu tenho alguém.
— Você, tem alguém? — Gorum conseguir rir daquilo.
— Ninguém pode saber, porque minha garota é uma silfa.
— Tá maluco, Gálius! Isso vai dar merda...
— Quer discutir comigo quem é mais maluco? Você acabou de tentar se matar!
Gorum encolheu os ombros e começou a rir.
Gálius ficou de pé e estendeu a mão ensanguentada para o irmão — Vamos levanta.
Gorum aceitou, em silêncio. Então, viu que o irmão estava com roupa toda rasgada e embebida em sangue.
— Desculpe, eu não queria que você se machucasse por minha causa.
— Isso não foi nada. Vamos.
Gálius foi puxando o irmão escada acima.
— Você não vai contar isso pra mamãe, né?
— Não? O que você quer que eu diga?
— Não conta, por favor. Já é merda demais pra um dia só.
— Tudo bem, mas com uma condição.
— Qual?
Gálius olhou para o irmão, com lágrimas escorrendo do rosto e disse com a voz embargada — Não faça isso, nunca mais!
Gorum se emocionou e envolveu o irmão mais novo num forte abraço. Ficaram ali, alguns instantes, chorando.
Depois, voltaram a andar pelo pier, para voltar à terra firme.
— O que você vai falar com eles? — indagou Gorum, preocupado.
— Que você estava bêbado, caiu do pier e quase se afogou. E que se não fosse por mim, estaria morto.
— É perto o suficiente da verdade.
— Certo, então vamos com isso. Não estou nada ansioso para ganhar curativos para tantos cortes. Vai arder como o diabo.
— Eu preferia mil vezes isso do que a dor de perder a Beluna — disse choroso.
— Ah, fala sério, Gorum! Deixa de ser melodramático. Essa mulher te enfeitiçou, isso sim! Você ainda vai rir disso.
— Duvido... — ele disse desanimado.
— Que apostar?
Gorum ficou na dúvida.
— Será mesmo que ficar sem Beluna é o fim do mundo?
Gálius não respondeu, não precisava.
Fim do mundo... O problema todo é este! O incêndio inevitável. Será que terei condições de proteger a Yté? E minha famíla? O que irá acontecer?
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