51 - O retorno de Eduard

Arifa olhava pela janela da carruagem. As ruas de Kamanesh estavam movimentadas, mesmo ao final do dia.

Sinto-me desprotegida sem minha armadura e equipamentos. Ao menos, trouxe a silfina comigo. É pequena o suficiente.

O Alfaiate da companhia DeFruss-Lars fez um milagre ao desenhar para ela um vestido de festa que dava mobilidade e aceitava bem o cinturão do qual pedia a bainha de sua espada.

Aff! Não sei se vou me acostumar com a quentura desse medalhão. Meu busto está suado...

O medalhão estava bem acomodado e oculto entre as roupas de baixo e o vestido.

Por que a Joss insistiu para nós escondermos os medalhões dos mestres? Isso não está certo, vai acabar nos trazendo problemas.

Arifa se recordava da conversa que teve, logo após chegar em Kamanesh.

— Não gosto disso, Josselyn — repetiu Arifa cruzando os braços.

— Não estou dizendo que tem que ser para sempre. É que na situação atual, se acontecer algo, nós três já temos uma noção sobre o funcionamento dos medalhões. Se os mostramos, os Mestres Dornall, ou pior Worthil, poderiam pegá-los para analisar e isso poderia durar meses. Eu sinto que algo ruim está para acontecer, é melhor que estejam conosco para o caso de uma eventualidade.

— Se vocês quiserem dar seus medalhões aos necessitados, eu não me importo — disse Kerdon irritado — só sei que o meu, não sai mais do meu pescoço! Eu tenho contas para acertar com Rayera, isso sim!

— E quanto aos outros dois? — Indagou Arifa?

— Eu vou guardá-los por enquanto, talvez a Mestra Ailynn saiba o que fazer com eles.

— E meu pai, deve saber?

— Eu não contaria — emendou Kerdon — não a menos que seja necessário.

— Vocês dois estão malucos, né? — Arifa bufou.

— Prometa-me que não vai falar nada, ao menos até amanhã. Preciso pensar melhor. Pode fazer isso por mim?

Arifa encolheu os ombros e aceitou a derrota.

A filha do duque deixou seus devaneios de lado assim que a carruagem parou na frente do casarão do rico comerciante homenaseano, Yurkan. Mais de uma semana havia se passado desde que retornam e ela conseguiu manter o medalhão em segredo, exceto de seu pai. Para sua surpresa, ele concordou com o pensamento de Josselyn fazendo aquele incômodo segredo se esticar.

Ela abriu a porta e estranhou a presença, na rua, de alguns soldados e quatro Blackwings, como se estivessem de guarda ao lado dos portões externos da mansão. Ela desceu a escada, com certo mau-humor, mas procurou sorrir quando foi recebida pelos criados que a guiaram pelo jardim, depois pela escadaria até a entrada principal.

Como é que, em meio a uma guerra, alguém possa pensar em casamento! Pensar, não! Casar-se, de fato...

É o que faria naquela noite, Keira Tassip, irmã de Kerdon.

Não suporto essas ocasiões sociais. Vestidos, música, conversinha fiada!

Entrou na mansão, muitíssimo bem iluminada por centenas e centenas de velas. Foi direcionada para um amplo salão, outros convidados já haviam chegado. Muitos homenaseanos e suas roupas coloridas e cortes extravagantes fizeram com que o traje cinzento e não convencional de Arifa quase passasse despercebido. Ela viu Kerdon, ao fundo e ao lado dele...

Zane? O que ele está fazendo aqui?

O mago usava um traje de gala com a manga costurada onde devia ficar o braço amputado. Sua presença surpreendeu Arifa, mas uma surpresa maior ainda, fez com que o sangue fugisse de sua face. Deparou-se com um homem alto, de cabelos ruivos e um par de olhos que não podia deixar de reconhecer.

Ed? Mas que diabos!

Ele veio na direção dela, com um sorriso maroto e colocou o dedo indicador sobre os lábios, sugerindo silêncio, ou segredo.

— Ed? É você? — ela sussurrou.

— Eduard Redwall, encantado — ele tomou-a pela mão e beijou-a de modo galante.

— Você está louco? O que está fazendo aqui, e assim! — Arifa voltou a corar constrangida e sem acreditar que o rei estava ali diante dela sob disfarce.

— Eu soube do casamento e — suspirou deixando os ombros despencarem — estava precisando de uns dias fora de Lacoresh.

— Mais alguém sabe? Pelos deuses!

— Somente seu pai, o Mestre Dornall e...

— Eu! — Tighas chegou pelo outro lado, dando um abraço em Arifa.

— Tighas?! Por onde você andou?

Ele vestia seu velho uniforme de aluno do último ciclo, teria de ser formal o suficiente para a ocasião — Há! Eu podia a mesma pergunta pro'cê.

— Eu te procurei...

— 'Tava em Lacoresh. O Ed me chamou, ou melhor... Recebi uma ordem REALmente irrecusável, há há há. — disse Tighas batendo nas costas de Eduard.

— Quando é que você vai crescer, Tighas? — Arifa rolou os olhos.

— Ficar grande como o Ed aqui, não vai ter jeito... É impressão minha ou cê tá mais alta qui'eu?

— Estou usando salto, mas nem é dos mais altos — ela mostrou a sandália fechada que tinha uma grossa sola inclinada.

— Mas que roupa esquisita, essa sua, parece uma... — Tighas provocou.

— Tighas, não seja deselegante. O traje dela é magnífico. Está muito bem, não ligue para ele.

— Eu nunca ligo pra ele, Ed.

— Há! — Tighas riu — Ela liga sim! Não tem muito tempo, ela me acertou bem nas bola. Não faria uma coisa dessa se num ligasse.

— Tighas, vai ali me pegar uma bebida. Isso é REALmente uma ordem. — Ed riu.

Tighas foi atendê-lo, rindo daquilo.

— Você não veio só devido ao casamento, né Ed?

— Na verdade, não. Andei usando o dragão, você sabe. — Ed mostrou um volume abaixo da manga cumprida de seu traje. — E andei vendo coisas. Tem uma coisa que eu vi acontecer...

— O que foi?

— Espero que eu esteja errado, mas de qualquer forma, fique atenta. Pode ser que essa noite tenha emoções além das esperadas pelo casamento da irmã do professor Tassip.

— Você não pensa que alguém vai te reconhecer?

— Penso que só você seria capaz disso.

Josselyn se aproximou dos dois. Arifa esperava que ela estivesse usando um vestido, ou ao menos, uma roupa mais confortável. Mas estava vestindo seu traje completo de cavaleiro Blackwing, com direito ao elmo e tudo mais.

— Lady Desbrin, senhor. — ela cumprimentou-os com polidez. Arifa não segurou o sorriso ao vê-la. Mas Josselyn manteve a expressão neutra e seguiu adiante.

— Você a conhece?

— Ah sim! Ela foi minha tutora em algumas viagens que fiz em tempos recentes.

— Tutora?

— É, as missões do último ciclo. Lembra?

Eduard concordou com um aceno. — Aquele lá é o noivo? — Ed indicou um homem de cabelos grisalhos, todo vestido de branco e dourado que chegou ao salão.

— É sim, o Senhor Yurkan.

— Ele é elegante.

Arifa não respondeu nada. Na verdade, achava-o estranho, de alguma maneira. Então ela sentiu um calafrio quando a voz de Iovük soou sussurrada ao lado de sua orelha. "Eu senti algo."

— Como assim, sentiu algo? — Arifa retrucou.

— Sentir algo? — Eduard tocou seu braço e franziu o cenho.

— Desculpa Ed, eu tava pensando alto, só isso.

"Não consigo enxergar com clareza e não consigo ver de onde vem, mas tem uma energia aqui. Algo demoníaco."

Arifa pegou Ed pela mão e inclinou-se para falar perto de seu ouvido — Ed, fica esperto. Pode haver um demônio por perto.

— Eu vou usar o dragão.

— Certo, faça isso.

Eduard fechou os olhos e deixou chegarem até ele todos os fluxos de jii. Aquilo não era fácil. Muito barulhento. Precisava filtrar pensamentos de muita gente. E nada, nada realmente sombrio veio que sugerisse a presença de um demônio ali perto deles. Porém, expandindo a percepção, conseguiu perceber algo. Algo perturbador. Era como um grande olho que observava a cidade do alto. O olho sussurrou algo dentro da mente de Edwain: "você não deveria estar aí... cheque mate!"

Eduard perdeu um pouco a força nas pernas e apoiou-se em Arifa para não cair. Olhou-a nos olhos. Arifa pode ver uma sombra de pavor no olhar de Eduard

"Você tinha razão! Tem algo vindo para cá!"

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