35 - Um acordo com os bestiais

Arifa mancava, mas estava satisfeita por estar carregando um bebezinho tão fofo. Era quase como ter um filhote de cão nas mãos, mas os olhos pareciam mais expressivos, as mãozinhas com garras afiadas não chegavam a machucar de verdade, mas tomou alguns arranhões dolorosos. Não fazia muito tempo desde que saíram da clareira amaldiçoada.

— Ali, um deles. — Kerdon disse baixinho.

— E outro — disse Zane.

Logo foram surgindo mais figuras, quatro, doze, vinte, muitos mais. Eram muitos bestiais e boa parte deles, armados.

— É melhor isso dar certo, senão vamos virar churrasco de bestial — disse Kerdon.

— Tenta falar com eles, Jô — sugeriu Zane.

Josselyn sondou as mentes simples das criaturas. Havia um misto de raiva e medo. Poderiam atacar a qualquer instante, isso a fez gelar. Ela procurou pela figura que parecia ser o líder, um bestial grande, de ombros largos e pelo escuro.

"Não queremos brigar. Só devolver seus filhotes" ela transmitiu aquela ideia para a mente dele, com sorte ele compreenderia o sentido.

— Gnark no mular tumun! — o bestial rosnou em resposta. Josselyn se esforçou para compreender o significado indo ao âmago dos pensamentos. Talvez algo como: os bebês eram para o bruxo.

"Pessoal, devagar, coloquem os filhotes no chão e se afastem.

"Nós destruímos as caveiras pretas" ela informou. "Somos inimigos do bruxo mascarado que as comandava".

Uma bestial fêmea se apressou, indo na direção dos bebês, mas parou quando o líder rosnou para ela. Em seguida, ele voltou a falar.

— Gnark molos tocta dugrunum! — ele disse e Josselyn compreendeu: agora seremos castigados pelo bruxo.

"Nós vamos protegê-los do bruxo. Vamos expulsá-lo da floresta". Ela ofereceu.

— Gnark tos no uredá topi! — Josselyn ficou na dúvida. Seria algo como: trazer a cabeça do bruxo? Ou o bruxo arranca nossas cabeças?

"Se quiser se vingar do bruxo, nós podemos lutar juntos"

— Gnark tcho no lurro-lurro, dumu-dumu, torkan kaoi! — Josselyn concentrou-se mais, tentando absorver imagens junto o sentido das palavras. Ela viu esqueletos e zumbis e entendeu melhor. Os servos fedorentos do bruxo não morrem e são muitos.

"Zane, faça um pouco de fogo com seu cajado" Josselyn pediu. O cavaleiro teve um pouco de dificuldade de pegar o cajado preso às costas com uma só mão, mas conseguiu. Bateu-o no chão e sua ponta ficou coberta por chamas.

Então, Josselyn falou em voz alta enquanto irradiou o sentido básico do que dizia para todos os bestiais.

— Nosso bruxo também é poderoso e pode matar os fedorentos.

— Mikra nula, molos dur noturga.

A fêmea bestial então avançou depressa na direção dos bebês e os recolheu. Os filhotes guincharam de alegria ao sentir o cheiro da mãe novamente e se agarraram nela, já sugando as tetas em seu abdome exposto.

— Mikar nus tambotola sut!

Josselyn estava entendendo que o líder ordenara que a mãe da ninhada levasse os filhos de volta para a clareira e ficasse lá com eles.

O líder então, tirou sua espada. Era uma espada de humanos, parecia ainda boa, apesar de suja. Ele apontou para eles e disse.

— Gnark no uredá tumbato nir. — Josselyn interpretou mais claramente. Traga-me a cabeça do bruxo, hoje.

— Mikar tu, Gnark noredetan tus. — Disse para a mãe, o nome dela seria Mikar, para entregar os bebês ao bruxo, no dia seguinte. Ele não disse exatamente, mas Josselyn interpretou que eles tinham que trazer a cabeça hoje, ou os bebês seriam entregues no dia seguinte.

"Faremos isto" informou Josselyn. "Traremos a cabeça do bruxo."

Então, Mikar passou por eles, de cabeça baixa e voltou na direção da clareira. Os quatro a acompanharam enquanto Josselyn explicou aos demais o que conversara com o líder bestial.

— Trazer a cabeça do bruxo? Misericórdia de Taior! Onde você estava com a cabeça? — reclamou Kerdon.

— Olha, foi o melhor que eu consegui. Agradeça que não fomos trucidados por eles.

Estavam chegando na clareira e Mikar sussurrou algo.

— Juka tuk pochan.

Josselyn disse aos demais — Acho que ela está agradecendo pelos bebês.

— Tá... salvamos quatro bestiaizinhos e vamos agora, nós quatro, virar carne de fazer zumbi. — reclamou Kerdon.

— Ao menos eu já estou quase lá — Zane conseguiu rir daquela situação.

Arifa começou a sentir um forte enjoo.

Esta viagem está ficando perigosa demais! Eu posso nunca mais ver meu pai, minhas tias e até aquele idiota do Tighas! Isso tudo parece suicídio! Eu não queria estar aqui!

Josselyn sentiu a angústia da moça e colocou a mão em seu ombro — Calma Arifa, vamos dar um jeito de enfrentar essa situação.

Foi quando escutaram sons vindo da floresta, seriam mais esqueletos? Então, três bestiais apareceram. Um deles, vestia meio peitoral de armadura, e outro tinha um braço de armadura amarrado no corpo por tiras de couro. Carregavam armas, uma espada velha, um machado enferrujado e um porrete com fincas de metal.

— Norlad truppa dur. Shibar nistra durumbo. — um deles disse com uma voz esganiçada.

— Chegou alguma ajuda — disse Josselyn animada — Parece que o líder nos enviou alguns proscritos.

Os três usavam uma coleira e Josselyn explicou serem bestiais de outra tribo que foram escravizados. Talvez, se sobrevivessem à luta, poderia ser aceitos como membro da tribo.

— O bicho só disse uma frase. Como você concluiu isso tudo? — duvidou Kerdon.

— Um pouco de intuição — Josselyn encolheu os ombros.

Com algum custo, Josselyn conseguiu se comunicar com eles e aprendeu seus nomes. Tub-tir, ou pelo-curto, Nogrut, ou dentuço e Hurb-tunek, o come-bosta.

Pelo-curto era o mais falante entre eles e além do pelo marrom bem ralo, lhe faltava uma orelha, sua arma era o machado. Dentuço realmente tinha uma mandíbula estranha para um bestial, os dentes pontiagudos e os caninos duplos da arcada inferior ficam sempre para fora da boca os pequenos da frente por cima do focinho, ele tinha o braço de armadura e o porrete. Já come-bosta, tinha um pelo marrom malhado cheio de pintas nos braços e ombros. Era o mais forte e tinha o meio peitoral de armadura e uma espada de aparência pesada.

Os bestiais fediam e faziam barulhos estranhos. Mas quando estavam marchando pela trilha até o esconderijo de Hendrish, mostraram-se bastante silenciosos. Ainda faltava um pouco de tempo para anoitecer. O sol da tarde já não batia nas copas altas das árvores, já oculto pelas montanhas distantes. Uma penumbra forte recaiu sobre a floresta, mas ainda teriam cerca de uma hora antes que a escuridão chegasse com tudo.

Então, a trilha amaldiçoada ficou mais evidente e larga, tornando-se um caminho aberto, sem uma graminha sequer nascendo. Os quatro puderam sentir uma energia negativa que ficava mais forte à medida que avançavam.

— Estamos chegando perto — disse Josselyn.

O solo foi ficando úmido gradualmente e logo, caminhavam sobre uma camada fina de lodo e lama. Uma espécie de charco fedorento havia se formado ali. Kerdon apontou no chão os rastros. Dava para ver as pegadas dos esqueletos. Também, as marcas deixadas pelas patas do cavalo de Hendrish.

Finalmente, chegaram a uma clareira enorme, muito maior do que onde haviam enfrentado os esqueletos negros.

Havia uma grande extensão de solo encharcado de lama e quase uma centena de tocos largos de árvores que haviam sido derrubadas. Mais ao fundo, havia uma construção de madeira com acabamento tosco. Mas não era grande e não explicava para onde teria ido toda aquela madeira que fora desmatada no local.

A construção lembrava uma casa e a chaminé cuspindo fumaça branca sustentava um pouco da aparência.

— Talvez possamos contornar a clareira — sugeriu Zane — simplesmente sair andando aí no meio vai nos deixar expostos.

— Ele deve estar esperando quatro de nós — começou Arifa — Talvez, se um de nós for adiante com os três bestiais seguindo atrás, possamos enganá-lo enquanto os demais assaltam a casa pelo flanco ou retaguarda.

— Ótima ideia! — entusiasmou-se Zane.

— Eu vou — anunciou Josselyn — afinal, só eu consigo me comunicar de algum modo com eles.

— Certo, Arfia — disse Kerdon — vamos por este lado. Zane, se chegarmos perto o bastante, pensa que conseguiria incendiar a casa?

— É possível — ele considerou.

Josselyn chegou perto de Arifa e falou ao seu ouvido — Estou preocupada com você, querida. Se algo der muito errado, quero que fuja, esqueça-se de nós e fuja.

— Não vou abandonar vocês!

— Eu só não quero que morra por nossa causa. Além disso, Kamanesh precisa saber sobre esse lugar. Não penso que Hendrish fez tudo isso sozinho. Deve haver mais necromantes...

— Tá, mas... Isso não vai acontecer. Vamos prevalecer. — ela abraçou Josselyn chorando baixinho e apertando o pescoço dela com vigor.

— Deixa comigo, Jô — disse Kerdon — vou cuidar bem de sua pupila.

— Não sou sua pupila também, professor? — Arifa indagou limpando o ranho que queria descer no nariz.

— É sim, vamos!

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