34 - Conquistando o inimigo
Uma nova rotina dura estava se estabelecendo na vida de Gálius. Primeiro, acordando bem cedo, acompanhava o pai para uma campina próxima da casa deles onde treinavam. A maior parte do treino com o pai estava relacionado a exercícios físicos para pernas e braços, respiração, concentração e equilíbrio. Usava uma prancha de madeira sobre uma bola tentando ficar equilibrado enquanto o pai empurrava e golpeava. O bom é que aproveitava aquele aprendizado para os jogos de peleja, de modo que o mestre Romlod estava ficando impressionado com o progresso dele.
Apenas depois da segunda semana que o pai trouxe um par de espadas de madeira que ele havia encomendado a um carpinteiro conhecido. Então começaram os primeiros exercícios de empunhadura, posturas e formas de ataque e defesa nos quais ele simplesmente copiava os movimentos executados pelo pai. Desde os primeiros dias, um dos irmãos mais novos, Noran, os acompanhava, primeiro apenas observando de longe, mas depois, também começou a se aproximar e praticar com um pedaço de bambu. O pai o acolheu e o garoto também começou a ser treinado.
Depois do treinamento, era hora de trabalhar no palácio. Durante este período, Gálius se habituou às tarefas palacianas e desenvolveu estratégias para lidar com os aspectos desagradáveis. Frequentava após o almoço o jardim interno na esperança de ter um novo encontro com o Rei-Deus, que simplesmente não aconteceu.
Quem sabe? Se eu me encontrar com ele, poderia perguntar sobre os vonus e também sobre Lerifan.
Agora que estava bem-adaptado e atuando de maneira adequada como servo palaciano, Lomuz passou a levá-lo para algumas reuniões onde discutiam o que fariam para influenciar o rumo das eleições. O dia da votação na assembleia se aproximava e havia um aparente equilíbrio entre os candidatos. Não era ainda possível adivinhar, ou prever um resultado.
Por último, nos dias de folga, se encontrava no esconderijo com Yté e depois também participava de reuniões com Lomuz, Kalbin e outros no gueto das orelhas.
Kalbin disse satisfeito — Então, parece que finalmente chegamos a um acordo. O Oxivonu que promoveremos será Lerifan.
Lomuz disse — Então Gálius, está pronto para agir conforme o que discutimos.
Gálius engoliu seco, seria muito difícil para ele, mas estava determinado a tentar — Vou procurá-lo. Sei que poderei convencê-lo.
— Muito bem, pensador, — disse Maduja — vamos ver se você realmente vai prestar para alguma coisa.
Gálius saiu do gueto e seguiu para a parte nobre a cidade onde ficava a residência de Lerifan. Gálius ficou por perto da casa dele, uma mansão com pátios internos e dois pavimentos. Lerifan sairia de sua casa para ir num encontro com apoiadores e Gálius aguardava o momento oportuno para abordá-lo. Ele vinha acompanhado de dois templários adeptos de menor hierarquia. Vê-lo andando com aquele nariz empinado ainda conseguia enfurecê-lo, mas vinha se disciplinando em várias áreas recentemente. Então, respirou fundo e avançou.
— Meu vonu — Gálius ajoelhou-se diante dele fazendo uma vênia exagerada.
Lerifan e seus ajudantes pensaram estar diante de um silfo, devido o corte de cabelo de Gálius. O templário ergueu seu cetro, que faiscou de leve em suas mãos e os dois jovens se colocaram mais na frente, de modo a proteger seu superior.
— Desculpe-me essa abordagem repentina...
— Você?! — Lerifan o reconheceu.
— Vim humildemente implorar seu perdão, grande vonu! Suas pregações e meu emprego no palácio fizeram-me enxergar que o senhor estava certo o tempo todo.
— Levante-se — Lerifan tinha uma expressão de asco no rosto — não sei do que está falando, rapaz.
— Tenho trabalhado no palácio, meu vonu, infelizmente, junto aos silfos. Agora entendo o senhor! Eles são desprezíveis e indignos de servir ao Rei-Deus. Apenas homens deveriam ter a honra de servir diretamente ao Rei-Deus.
— Muito bem, mas pouco me importa a sua opinião, filho de zenos. Agora deixe-me passar, pois, tenho mais o que fazer.
Gálius adiantou-se, atirando-se aos pés de Lerifan — Por favor, meu vonu, eu imploro! Quero ajudá-lo em sua campanha para que possa se tornar Oxivonu.
— Ora, tire as mãos de mim! — Lerifan puxou seu pé para trás. — posso facilmente farejar um ardil ridículo como o seu!
— Não, eu faço qualquer coisa! O preciso fazer para provar meu desprezo pelos silfos?
Lerifan inclinou-se, puxou-o sem delicadeza pelo cabelo e sussurrou em sua orelha — Ora, mate um silfo para mim como prova de que é digno e conversaremos.
— Assim o farei, meu vonu! — Gálius prostrou-se diante dele.
Lerifan se afastou e Gálius correu de volta para o gueto para contar as novidades para Kalbin.
***
No dia seguinte, Gálius chegou atrasado na ala de banhos.
— Mais uma vez atrasado, pensador? Suponho que terei de esfregá-lo desta vez para que aprenda uma lição.
— Você não vai tocar em mim! Eu sei lutar agora!
Maduja deu uma gargalhada.
— Eu vou esmagar você seu fedelho e depois, esfregar sua pele impertinente até esfolá-lo!
Maduja, que era largo e forte, avançou contra Gálius. O rapaz avançou também, jogando as pernas contra as canelas do silfo. A manobra não funcionou como Gálius queria, apenas tirou um pouco do equilíbrio do oponente, sem derrubá-lo. Maduja segurou-o e rasgou uma parte de sua camisa com uma mão enquanto a outra desceu acertando um soco em cheio no rosto do rapaz.
Gálius ficou tonto e se viu sendo arrastado no chão liso até o lado da piscina quente.
— Você vai ver! Vou esfregá-lo com minha escova mais dura!
Gálius recobrou os sentidos e seguindo uma manobra ensinada por Romlod, torceu o pulso de Maduja em seu ponto fraço fazendo o grandalhão arquejar devido à dor. Então, colocou o pé na axila do silfo e puxou-o usando o peso de todo o corpo. O resultado foi um giro no ar. O grandalhão se esborrachou no piso de pedra.
Maduja ficou muito grogue e foi a vez de Gálius arrastá-lo por uns dois passos até a beira da piscina. Bastante sangue escorria de um ferimento no lado da cabeça. Ele tirou um embrulhinho do bolso deixou um óleo escuro deslizar para dentro da boca de Maduja. Em seguida, virou o corpo dele para dentro da piscina. A água da piscina assumiu um tom rosado. Gálius entrou e agarrou-o por trás, fechando o pescoço do oponente com uma chave de braço. Maduja se debatia buscando respirar, mas Gálius empurrava a cabeça do grandalhão para dentro da água. Finalmente, o silfo parou de reagir e ficou boiando de bruços na água.
Preciso dar um jeito de não ser apanhado!
Embolou as roupas molhadas no fundo do seu compartimento, vestiu os trajes de servo, cobriu com maquiagem o inchaço no rosto provocado pelo soco do silfo e se apressou a ir assumir sua rotina de trabalho. Naquele horário, a ala de banho dos servos costumava ficar vazia.
Pode demorar um pouco até encontrarem o corpo. Com sorte vão pensar que ele escorregou, bateu a cabeça e depois acabou se afogando na piscina.
No horário de almoço, recebeu a notícia de que Maduja fora encontrado morto. Seu corpo estaria sendo levado para o gueto das orelhas.
— Como ele morreu? — indagou Gálius ao silfo que veio dar a notícia.
— Escorregou perto da piscina e bateu a cabeça. Parece que tentou lavar o ferimento na água e acabou se afogando.
Gálius levantou-se — Com licença, perdi o apetite.
Gálius foi saindo do refeitório e encontrou-se com Lomuz.
— Como foi? — ele perguntou baixinho.
— Tudo certo.
— Tem certeza que ele engoliu?
Gálius fez que sim.
— Ótimo, já fez o essencial do trabalho por hoje. Vou conversar com Djoren agora para que todos sejam dispensados. Vá de uma vez.
Gálius trocou de roupa novamente e saiu do palácio. Dali, foi direto à casa de Lerifan, esperar por seu retorno.
Será mesmo que esse plano vai dar certo? Preciso me controlar... Agir do modo certo. Usar a entonação correta.
Para sua sorte, não foi uma espera longa. Gálius se ajoelhou diante do templário e disse:
— O silfo desprezível chamado Maduja foi eliminado, meu Vonu.
De fato, Lerifan havia visto uma comoção na região portuária, mais cedo e chegou a seus ouvidos a história de que um silfo havia morrido.
— Eles falam em acidente, rapaz.
— Eu fiz que parecesse um acidente, pois não seria útil ao senhor estando na cadeia, mas não saí ileso. — Gálius mostrou o rosto inchado e a mancha roxa no lugar onde havia sido atingido.
— Muito bem, rapaz, parece mesmo que mudou de ideia... Posso perguntar o que o fez mudar sua opinião sobre os silfos?
— Eles me maltrataram, meu Vonu. Me humilharam. Me atiraram nas valas sujas de dejetos no palácio, feriram minha pele esfregando-a em banhos desnecessários... — Gálius conseguiu dizer aquilo com grande sinceridade, pois em parte, havia mesmo passado por tais experiências. — São pervertidos e cruéis, meu vonu. Foi só então que entendi porque o senhor fez um favor à cidade, livrando-a daquele silfozinho que eu pensava ser meu amigo.
— Sim, sim, meu jovem! Você finalmente compreendeu. E isso me dá ainda mais forças e determinação para fazer o que precisa ser feito!
— Seu eu puder ajudá-lo, excelente vonu!
— Venha, vamos discutir o assunto um pouco mais em meu jardim. — Lerifan abriu o portão de sua casa e o convidou a sentar-se uns bancos que ficavam sob a sobra de uma árvore frondosa. Lerifan também sentou-se de maneira muito ereta e ficou manuseando o cetro de uma mão para a outra enquanto parecia pensar em algo.
— Bem, meses atrás, você frequentava muito a assembleia, não é mesmo? Tem amigos e conhecidos entre os lestistas, não é mesmo?
— Sim, meu vonu, alguns conhecidos.
— Quem sabe não conversa com eles, hã? Estou otimista quanto a votação, mas ainda vi poucos sinais de apoio deles.
— Farei o possível, meu vonu! Mas se me permite observar, é nos sulistas que deve concentrar suas forças. É o apoio deles que faz pender a balança para oeste, ou leste.
— Naturalmente...
— Porém, meu Vonu, tenho plena fé que o senhor será o escolhido! Sei disso por que é o caminho que o Rei-Deus escolheu. Sabe, meu vonu, tive a grande honra de ter uma pequena conversa pessoal com o Rei-Deus, durante meu serviço.
— Isso me surpreende, rapaz.
— Ele disse-me que estava satisfeito com meu trabalho. Se alguém como eu pode servi-lo de modo satisfatório, porque outros homens não o fazem? Foi então que comecei a pensar que os silfos criaram um sistema para impedir que humanos servissem o Rei-Deus.
— Sim, já pensei nisto, mas nunca conseguir provar.
— Penso que é assim que conseguiram convencê-lo a não expulsá-los. Convencê-los de que são úteis. Que é bom tê-los por perto.
— Quando coloca seu pensamento a favor de boas causas, torna-se útil às necessidades de nossa cidade. Estou certo que se eu vencer, poderia arranjar-lhe uma cadeira na assembleia, o que me diz?
— Esse sempre foi meu sonho, meu vonu. Ficaria eternamente em débito para com o senhor.
— Vamos ver, vamos ver — Lerifan sorriu. — Eu sinto uma mudança de ventos. A morte desse silfozinho nojento hoje foi um claro sinal. Muito bem, rapaz. Isto merece mesmo uma recompensa. — e então, Lerifan levantou-se e deixou algumas moedas no banco, ao lado de Gálius.
— Obrigado, meu vonu! — Gálius ajoelhou-se.
— Agora vá... rapaz.
Gálius saiu da casa de Lerifan e seguiu descendo a rua pensando.
Consegui! Ele acreditou em mim! Mas esse dinheiro nojento dele? Não posso ficar com isto! Sim! Já sei o que fazer com isto...
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