26 - Tudo vai mudar
Ainda havia divergência entre os silfos sobre quem eles iriam apoiar: Maltar ou Beguino.
Enquanto os silfos não concordam entre si, o tempo vai passando. Se ficarem apenas discutindo, Lerifan poderá acabar ganhando.
Gálius foi até a casa de Kalbin depois de um segundo encontro secreto com Yté. Ela disse-lhe que conseguira evitar maiores problemas inventando uma desculpa para não tê-lo levado até o palácio aquele dia, mas que estava sendo pressionada para fazê-lo imediatamente.
Ela contou que Kalbin não fazia parte dos palacianos, mas que era um importante elo entre eles e a comunidade do gueto.
Os silfos do gueto e os palacianos não concordam sempre em todos os assuntos. Enquanto não estivessem alinhados quanto a quem apoiar, não conseguirão mobilizar-se para agir de modo eficiente. Esse é um terreno pantanoso, não consigo vislumbrar bem as questões políticas existentes entre os silfos... Será que posso confiar em alguém além de Yté?
— Nae, Muninediir — Kalbin sinalizou para que Gálius entrasse. Estava sentado sozinho em sua sala de formato circular.
— Nae, Kalbin.
— Então você vai ao palácio hoje.
— Sim, mas estou apreensivo.
— Sente-se — sorriu e indicou um dos bancos com um gesto.
Gálius sentou-se e ficou cabisbaixo apertando uma mão contra a outra.
— O que há, Muni? Pode falar.
— Sabe Kalbin, tudo isso que está acontecendo... O que aconteceu com Yoltesh... E também, o que pode acontecer se Lerifan vencer...
— Uma coisa de cada vez, Muni. Fique tranquilo, nós temos um bom plano, em geral, mas ainda faltam acertar alguns detalhes.
— Não estou tão preocupado com isso, já percebi que você, Lomuz e outros silfos do palácio são muito perspicazes... O problema é que... — Gálius decidiu arriscar-se, jogando uma isca. — Meu pai, sabe, ninguém sabe sobre isso, mas ele é um vidente.
— Quê? — Kalbin mudou sua postura, não esperava por aquilo.
— Um ótimo vidente, por tudo que sei. Ele me contou uma coisa que me fez ficar... Digo, estou... Sabe, com muito medo.
— Medo? Medo de que, Muni?
— O meu pai viu a cidade em chamas, Kalbin. Não um incêndio pequeno, mas um incêndio enorme, tomando praticamente toda a cidade.
Kalbin ficou pálido e Gálius soube que ele devia saber a respeito das pinturas do Rei-Deus.
— Mas, Muni, essa história agora de que seu pai é vidente? Só pode ser brincadeira, né?
— É sério. É um segredo de família. Foi por causa disso que meus pais vieram para Tleos, em primeiro lugar. Você sabe a história a respeito da chegada deles?
— Não sei detalhes... Um navio estrangeiro que se perdeu e acabou parando aqui, foi isso que ouvi dizer.
— Não é verdade. Meu pai viu a cidade e planejou vir para cá, tornar-se um residente. Sabia que na época que ele chegou já estávamos sob a estação do véu? Que seria impossível para um navegador encontrar o caminho através das brumas e chegar aqui?
Kalbin ficou escutando aquilo espantado. Era uma história absurda, mas se fosse mesmo verdade...
— Se isso for verdade, quer dizer que o Rei-Deus sabia que eles viriam e permitiu que se aproximassem.
— Todos pensam que o Rei-Deus sabe de tudo. Mas não penso assim. Se soubesse de tudo mesmo, teria permitido Lerifan assassinar Yoltesh daquela maneira? Agir assim não iria contra tudo o que ele representa?
Kalbin coçou a cabeça incomodado. Ficou de pé e caminhou de um lado para outro, pensando.
— Digamos que acredite no que está me dizendo. Que seu pai é um vidente e que viu um desastre em nosso caminho. O que mais tem a me dizer?
— Ele me disse que isso vai acontecer logo. E que esse acontecimento é inevitável.
Kalbin ficou quieto. Aquilo certamente ajudaria a explicar o comportamento estranho do Rei-Deus e todas aquelas pinturas que vinha fazendo há anos.
— Pela Grande Mãe... Se isso for mesmo verdade, temos que fazer algo a respeito.
— Não ouviu o que eu disse, Kalbin? I-ne-vi-tá-vel.
— Certo, posso aceitar isso, mas se é mesmo esse o destino da cidade, talvez seja a hora de convencer nosso povo a partir daqui.
— Ah! Lerifan certamente ia adorar isso.
— Sim, tem razão, talvez, a questão não seja apoiar Maltar ou Beguino. Talvez, quem devamos apoiar é Lerifan.
— Quê? Você está maluco? Aquele...
— Pense, Muni, ele nos odeia, quer nos ver longe daqui. A cidade está caminhando para a ruína. Então, podemos aproveitar a loucura de Lerifan como um incentivo adicional para que meu povo abandone Tleos, de uma vez por todas.
— Não, não, não... Você não pensou isso direito, Kalbin, o Lerifan é...
— Isso mesmo! Um filho duma puta! E o que precisamos...
— Olha, talvez eu esteja errado, quero dizer, quanto ao meu pai. Sei lá... eu acredito nele, e se ele estiver errado?
— Ele não está errado, Muni.
— Você pirou, Kalbin? Há três minutos você achou minha história absurda, agora está totalmente convencido?
— Muni, escute: O Rei-Deus previu o mesmo desastre. Sim. Agora entendi tudo. Ele viu a queda de Tleos. A queda inevitável de Tleos e...
Gálius deixou escapar — E fez as pinturas...
Kalbin olhou-o torto — Como sabe sobre as pinturas?
Gálius improvisou com confiança — Meu pai disse que viu isso. Que viu o Rei-Deus fazendo várias pinturas da cidade incendiada.
Kalbin aceitou aquilo. Não chegou a imaginar que Yté pudesse ter revelado um segredo tão importante.
— Quer dizer que ele realmente pintou algo assim?
Kalbin olhou para ele, muito sério e concordou com um aceno de cabeça.
— Isso é um segredo, Muni. Mas já que você já sabe, não vejo problema em confirmar isso. — Kalbin seguiu rapidamente para outro cômodo e voltou com uma pena e uma tira de papel. Rabiscou alguns símbolos no papel, dobrou-o e entregou- a Gálius.
— Você já estava indo ao palácio... Faça-me o favor de entregar isso a Lomuz.
Gálius tomou o papel e ficou cabisbaixo por alguns momentos refletindo.
Droga, agora Kalbin acredita que precisa apoiar Lerifan! Pelo menos minha estratégia deu certo. Confirmou que Kalbin sabia sobre as pinturas e protegeu Yté de ser implicada por lhe revelar o segredo. Com sorte, mudará as ações perigosas em que os silfos planejavam me envolver. Yté ficará aliviada, eu espero. Me livrei de um problema... Mas agora, há novas ações em movimento cujo resultado é imprevisível. Maldição! Ter de colaborar para Lerifan vencer... Isso é detestável!
Kalbin segurou-o firme com uma das mãos sobre o ombro. — Muni, eu estava certo sobre você! Sempre soube ser um amigo de nosso povo, e mais, que iria nos ajudar a superar a crise... Mas nunca imaginei que desta forma.
— Bem, não sei o que dizer.
— Não diga nada, rapaz. — disse Kalbin excitado — Apenas vá de uma vez e entregue o bilhete para Lomuz. Eu sabia: tudo estava para mudar. Tudo vai mudar.
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