²⁴| ᵒˡⁱᵛᵃ

1.
“Verde oliva é o que representa a natureza com mais eficácia. Em tons escuros transmitem harmonia, riqueza e abundância.
2.
Com efeito, óleo vem do nome latino oleum, que significava «azeite», e oliva é adaptação de oliva, que em latim designava a árvore (oliveira) e o fruto chamado correntemente azeitona, ou oliva, que isoladamente ocorre menos (sobretudo em Portugal).”

FALLON

Aprendi a tricotar com a minha avó. Eu sei, parece algo inusitado para mim, mas vovó ama fazer roupas de lã para mim e para minha irmã, então aprendemos com ela ao decorrer dos anos... até papai colocá-la aqui.

Foi há dois anos, depois que o vovô morreu. Vovó ficou conosco por alguns meses, mas depois meus pais a convenceram a vir para cá. Portia e eu a visitamos algumas vezes, mas eu parei de acompanhar a minha irmã há um ano. Não sei exatamente o por quê, acho que só não queria que a vovó visse o que eu me tornei.

Caminho ao lado de Atlas enquanto ele carrega a caixa com cachecóis. Acho que ninguém nunca ficou tão bem em uma camisa xadrez e jeans, como ele fica. Assim como eu nunca pensei que vestido desse jeito, ele fosse fazer o meu tipo.

Tento parecer mais espirituosa quando entramos no asilo, as paredes brancas nos recebendo, lembrando muito um hospício. Sinto um arrepio ao passar pelas esculturas de gesso da entrada, então seguimos para a recepção.

Raquel, a recepcionista, sorri para Atlas, mas seu rosto é tomado pela surpresa quando ela me vê.

— Fallon Marshall, quanto tempo — diz, sorrindo. Eu sempre gostei dela pois foi gentil comigo desde o primeiro momento.

— É... Eu estive ocupada — minto, ignorando o olhar de Atlas. — Eu... Eu posso ver a minha avó?

— Claro. Ela está bem ali, na verdade. — Raquel aponta para a outra extremidade do salão e eu vejo vovó sentada perto de uma das grandes janelas, tricotando.

— Eu vou entregar isso — a voz de Atlas me chama atenção. Ele aponta para os cachecóis. — Te vejo daqui a pouco, ok?

Faço que sim e ele me dá um beijo rápido. Olho de relance para Raquel, que olha para nós com interesse.

Corando, eu deixo os dois para trás.

Enquanto me aproximo da minha avó, começo a lembrar de quanto tempo eu costumava passar aqui, tricotando e fofocando com ela. Papai nunca veio visitá-la e ela não tem outros filhos, então Portia e eu éramos sua única companhia além das pessoas daqui do asilo. Eu que sei que minha irmã ainda a visita, mas me sinto culpada porque basicamente abandonei vovó.

Estou puxando as mangas do meu cardigã quando paro ao lado dela.

— Espero que não seja mais um par de meias — digo, sorrindo hesitante. Vovó ergue os olhos, os óculos na ponta do nariz. Ela encara por alguns segundos sem dizer nada. — Por favor, não tenha um ataque cardíaco.

Aquele olhos verdes ficam semicerrados.

— Espertinha. Você não vai se livrar de mim tao facilmente — Vovó diz, então sorri, ficando de pé. Eu tento ajudá-la, mas ela me dá um tapa na mão. — Eu posso muito bem levantar sozinha.

— Desculpe — murmuro, contendo o sorriso.

De pé, vovó tem a minha altura. Seus cabelos não são todos brancos, fios marrom se destacando. Ela sorri, suavizando sua expressão, mostrando um pouco da mulher jovem e linda que ela foi um dia.

— Fallon.

— Vovó.

Eu a abraço, sentindo uma enorme vontade de chorar. Porque eu fiquei sem vê-la por tanto tempo? Eu amo Portia, de verdade, mas com a vovó, eu sempre poderei ser sua garotinha, algo que nunca fui para os meus pais.

— Veja só como você está linda. — Cora Marshall me afasta para segura meu rosto entre as mãos e eu sorrio. — Está um pouco pálida, mas linda.

— Eu não estou pálida. — Reviro os olhos. — A senhora que está velha e não enxerga direito.

— Há! — Ela aperta minha bochecha daquele jeito que sacode toda a sua cabeça. — Pelo menos continua com a língua afiada.

— Há coisas que não podemos abrir mão — digo simplesmente, mas o olhar que vovó me dá é sério.

— E do que você abriu mão?

Esse é o problema da vovó. Ela tem essa mania de querer ler nas entrelinhas.

— Biscoitos amanteigados — falo, o que não é mentira, aliás. — Eu perdi a sua receita, então tive que deixar de comer.

Eu não espero que ela acredite, mas em afasto antes que ela veja demais com esse olhos de gavião.

Sento-me na poltrona de frente para a dela e a observo se sentar.

— O que está tricotando? É algo para mim?

Há uma mesinha entre nós, com uma bandeja com um bule, duas xícaras de chá e biscoitos. Sempre tem duas xícaras, como se ela sempre ficasse esperando que alguém viesse fazer companhia. Isso me entristece e faz com que eu me sinta ainda mais culpada, mas não deixo que note isso ao servir chá para mim mesma.

— Você não está merecendo — vovó diz, se referindo ao tricô. — Não veio me visitar no último ano.

— Eu sinto muito — sou verdadeira ao dizer isso.

— Bem, o que andou fazendo? Qual a nova dos jovens de hoje em dia?

Bebo um pouco do chá e penso no que poderia contar a ela. Todas as coisas que andei fazendo não são dignas de dizer em voz alta a ela.

A não ser pelo Atlas.

Olho para o outro lado do salão ao pensar nele, mas Atlas não está à vista.

— Estou morando com Portia — digo, ao invés de citar o meu... namorado. Talvez eu fale sobre ele mais tarde.

Vovó para com a lã, olhando para mim através dos óculos.

— Por quê? O que aconteceu com seus pais?

Pensando melhor, talvez não tenha sido uma decisão muito sábia da minha parte contar a ela. Conhecendo vovó, deveria saber que ela faria esses questionamos.

— Papai e mamãe estão bem. Eles mandaram lembranças, na verdade. — Pego um biscoito, pondo na boca.

— Eu não sou boba, garota. Sei que seus pais não lembram da minha existência. A não ser, é claro, quando têm que pagar por isso aqui. — Ela indica o asilo.

— Não é bem assim... — começo a mentir, mas o olhar cortante dela me faz voltar atrás. — Certo. Bom, de qualquer forma, eles estão bem.

— Eu não quero saber dos seus pais, Fallon. Quero saber da minha neta.

— Portia está ótima também — digo apenas para provocá-la, rindo com a possibilidade de ela atirar o rolo de lã na minha cabeça.

— Garotinha petulante.

— Temos algo em comum — murmuro, bebendo mais chá.

— O que disse?

— Nada!

Vovó suspira, provavelmente se convencendo que está velha e seus ouvidos a estão enganando, ou ela só está me deixando sair livre dessa.

— Como eu estava dizendo, quero saber como você está. Está usando mais preto desde a última vez que veio aqui.

— Reflete quem eu sou.

Vovó parece pensar por um momento e eu aproveito isso para pegar mais um biscoito. Droga, tinham que ser tão bons?

— A cor preta reflete muitas coisas — vovó está dizendo —, dentre elas, solidão, medo e morte. Essas coisas são o que você é?

O biscoito fica entalado na minha garganta. Em poucos segundos, estou tossindo mais do que alguém com problemas reais de saúde, como por exemplo um velhinho jogando xadrez há alguns metros.

Bebo o chá o mais rápido possível, quase queimando a minha língua e a minha garganta.

Vovó assisti tudo sem se preocupar se vou morrer entalada. E quando consigo me acalmar, ela pergunta simplesmente:

— Então...?

— Então o quê?

— Você disse que a cor preta reflete quem você é. Então quem você é, Fallon? Uma garota solitária? Alguém com medo, do que você teria medo? E morte... Você estaria em luto eterno por alguém?

Sim, por mim mesma.

— Todos nós somos almas solitárias, certo? — Dou de ombros. — Sou solitária da mesma forma que só cabe um corpo em um caixão. — Reflito sobre sua segunda pergunta enquanto olho para a xícara de chá. — Medo... Isso se encaixa com a última pergunta, na verdade. Algumas pessoas têm medo da morte, mas eu não. É algo óbvio. Ninguém é imortal, consequentemente todos iremos morrer um dia. Ter medo disso não é algo lógico.

Vovó me olha por tempo demais para me deixar desconfortável. Eu não deveria ter contado essas coisas a ela. Acho que a única pessoa a quem eu comentei algo parecido foi com Atlas e mesmo assim, não me expus tanto como fiz agora.

Como não quero ter seus olhos verdes em cima de mim para o resto da vida, resolvo mudar de assunto.

— Papai... ele sempre foi assim? — Sei que esse também não é um assunto muito melhor se não quero revelar mais sobre mim, mas eu preciso saber. — Agressivo?

Vovó suspira, se aconchegando mais na poltrona como se esse assunto a deixasse cansada.

— Sim. Eu culpo seu avô por isso, na verdade — ela diz. — Milton sempre foi muito rígido com ele, batia quando saía da linha. Não era o certo a se fazer, mas Milton sempre o castigava quando eu não estava presente. — Vovó suspira mais uma vez, balançando a cabeça. — Ele não era uma pessoa ruim, entende... Mas tinha isso nele, essa...

— Raiva incontrolável — murmuro sem perceber. Vovó olha para mim.

— Isso. Acho que Mark herdou isso, dentre tantas coisas. Quando começamos a perceber esse... comportamento agressivo, colocamos ele na terapia. Até mesmo Milton fez, para incentivá-lo. No final, apenas um dos dois mostrou alguma melhora, e não foi o seu pai. Mas já era tarde demais para Milton. Mark já guardava rancor dele, ouso dizer que o odiava até. Me magoava ver os dois nessa situação, mas eu também já não podia fazer nada e acho que seu pai se ressentiu de mim por isso.

Isso explica muita coisa, eu acho. O fato de papai ter tido uma infância difícil, justifica o modo como ele me trata? Eu poderia perdoá-lo, sabendo do que ele sofreu?

— Apesar — vovó continua após me observar —, que eu não ache que o passado justifique o presente. Milton mudou porque ele queria. Ele acreditou que a terapia poderia funcionar, levou anos para isso. Mas seu pai... ele só ia porque mandávamos. E quando ficou grande o suficiente para escolher continuar ou não, ele não continuou. Acredito que se ele tivesse, talvez fosse melhor hoje.

Continuo em silêncio, pensando sobre isso. Eu nunca tinha visto papai como alguém oprimido antes. Será que ele se sentia como eu me sinto? Se sim, se ele conhece a dor que me causa — e não só a física — porque ele continua fazendo isso?

Porque ele me odeia?

— Por que a pergunta, Fallon?

Ergo os olhos para vovó e tento o máximo não revelar o que estou sentindo, a confusão, a raiva... Eu experimentei emoções demais hoje. Me sinto até meio tonta.

— Curiosidade. Estamos estudando o comportamento humano e tal. Eu só fiquei curiosa. — Dou de ombros.

Não sei se vovó engole a mentira, não encaro seus olhos verdes por tempo o suficiente para descobrir.

Olhando para fora da janela, meu coração se acalma quando vejo o garoto loiro no jardim.

Atlas está conversando com uma velinha, parecendo realmente não se importar em fazer isso, com um sorriso no rosto e seus olhos azuis mais vívidos a luz do sol.

Quando ele olha para frente — para mim — eu aceno, sorrindo. Atlas acena de volta, seu sorriso se alargando.

— Interessante. — Ouço vovó murmurar. Olho para ela.

— O quê?

— Aquele não é o filho do prefeito? Ele vem aqui com bastante frequência, sabe. Um garoto muito gentil.

— É mesmo? — murmuro, bebendo mais chá, mas minha xícara está vazia.

— Sim, é mesmo. — Vovó me observa colocar mais chá na xícara. — Ele é o seu namorado?

— Por que acha isso?

— Porque ele olhou para você como seu avô olhava pra mim. E você sorriu como eu sorria pra ele também.

Engulo em seco. Apesar de tudo o que ela contou sobre vovô e papai, nunca vi pessoas mais apaixonadas do que meus avós.

Volto meus olhos para Atlas mais uma vez, pensando se caso ele tivesse conhecido meus avós, concordaria com a vovó.

— Eu gosto dele — admito, mesmo a palavra "gostar" parecer pouco para o que eu pareço sentir.

— Ele também parece gostar muito de você.

— Acho que sim. — Dou de ombros. — A gente se entende, sabe?

Vovó ri.

— Eu sei, querida. Eu sei.

←↑↓→


Vovó e Atlas de deram bem. Ela já a achava gentil, então depois de cinco minutos conversando com ele, já estava fazendo piadinhas sobre "se fosse na minha época".

Comecei a listar os melhores momentos da minha vida. Em primeiro lugar está a festa de aniversário surpresa que Portia fez, então, depois aquela tarde com Atlas e em terceiro, essa tarde.

O sol está se pondo quando Atlas me deixa em casa.

Minha irmã ainda não chegou do trabalho, então eu pergunto se ele não quer entrar.

— Acho que Portia não ficaria feliz com isso — Atlas diz, encostado em seu carro enquanto abraça minha cintura.

— Ela não precisaria saber. Você pode ir embora antes de ela chegar — Proponho.

— Por mais que eu goste de viver perigosamente — Atlas beija o canto da minha boca —, prefiro não arriscar a ira da sua irmã, ainda mais agora que vocês conversaram e ela disse que vai pegar leve.

Reviro os olhos.

— Você ainda continua certinho — choramingo. — Acho que não corrompi você o suficiente.

Sua risada me alegra, além de fazer meu coração idiota bater mais rápido.

— Eu deveria ir... — ele diz, mas não parece querer muito fazer isso.

— Eu discordo. — Abraço ele com mais força, minha bochecha pressionada contra seu peito.

Atlas apoia o queixo em minha cabeça e ficamos assim por um tempo, até ele falar:

— Eu gosto desse seu lado, sabe?

— Que lado?

— Esse seu lado cafona.

Afasto-me dele, pressionando meu dedo em seu peito.

— Eu não sou cafona!

— Apenas um pouco.

Nenhum pouco.

Atlas apenas sorri, como se me irritar fosse algo que ele gosta de fazer, antes de colar sua boca na minha e eu esqueço todo o resto.

•••
Ai, gente tava esperando pra escrever esse capítulo há um tempão 🤧

A vó da Fallon é muito pitica 😭

Sei que foi um capítulo inteiro de interação entre as duas, mas eu achei muito importante, então espero que tenham gostado♥️

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2bjs, môres♥

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