Capítulo VII
Uma mão pequena e gordinha tocou seu rosto, uma música doce exalada pela boca de uma criança adentrou suas orelhas, um doce sabor de amor percorreu por seu corpo machucado. Lentamente abriu seus olhos, ao seu redor, uma natureza morta, árvores secas, grama amarelada, céu tempestuoso, pequenos trovões. Virou seu rosto para o lado, lá estava ela, a pequena Lisa, sua irmã mais nova, estava a acariciando em meio aquela tempestade.
A pequenina era a forma de um anjo na terra, pequena, com olhos verdes marcantes, lábios carnudos, cabelo tão negro quanto uma noite sem lua e sem estrelas, pele dourada, bochechas rosadas e ao sorrir mostrou seu diastema, provavelmente, em sua aparência, aquele era seu único defeito, defeito o qual a deixava ainda mais linda. A menina usava um vestido vermelho, seu cabelo cacheado estava preso pra trás com um belo laço branco, que contrastava forte em meio ao tom escuro dos fios. Estava ajoelhada, acariciando o corpo inerte de sua irmã mais velha.
Dalila respirou fundo, sorriu ao vê-la, havia se esquecido por completo de toda a feiura que a cercava. Levantou vagarosamente sua mão em direção a menina, acariciou seu rosto angelical. Neste exato momento seu coração apertou e sua respiração ofegou. A pele de Lisa estava quente, tão quente que a trouxe uma enorme nostalgia, tão quente que lhe deu medo, um medo irracional tomou conta de seu corpo. Suas veias transmitiam a enorme adrenalina, para o restante do corpo.
A expressão facial da menina não mudou, nem mesmo após ela ter aberto seus olhos, mesmo após o carinho, tudo isso, fez Dalila temer o quadro em que se encontravam. Parecia mais cena de filme, sabia que não poderia ser real. Um sonho, isso, aquilo era mais um sonho, lembrou-se de alguns fatos que indicavam aquilo. Lisa estava morta. Algumas lágrimas escorreram por seu rosto, gemeu em meio as mesmas, sentiu toda culpa do mundo deitar sobre seu corpo.
— Eu sinto muito — a jovenzinha manteve o sorriso, a mesma expressão de antes, a mesma falsa alegria. — Lisa, eu te amo...
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Lentamente abriu seu olhos, sentindo seu corpo pesado, pode ver que não estava mais nos lugares anteriores. Sua cabeça estava bagunçada, seu corpo machucado e sua alma, bem, ela provavelmente nem existia mais. Sentiu que estava confortável, o que era aquilo?
Virou seu rosto vagarosamente, pela intensa dor que sentiu. Estava em um porão, ou um armazém, sabia que tinha trapos velhos espalhados por lá, haviam vários armários de madeira rústica, que pareciam ter sido feitos a mão. Ela estava em um sofá de couro preto e estava coberta por um edredom branco, que continha algumas manchas de sangue.
— Que bom que acordou, diabinha — Mr. Bunny estava com terno e gravata, além de ter passado gel em seu cabelo.
— Onde estou? — sua voz saiu forte, o que não acontecia há algum tempo.
— Ah, vejo que acordou cheia de dúvidas. Gostou do local? — abriu seus braços.
— Onde estou? — manteve-se firme em sua indagação.
— Está no purgatório — ele abriu um leve sorriso. Mr. Bunny era de uma beleza clichê, olhos azuis, pele branca, cabelo castanho escuro, lábios carnudos, mesmo sendo um clássico, sua beleza era mortalmente assustadora.
— Você adora metáforas, não é? — gemeu.
Não a respondeu. Apenas continuou o que estava fazendo antes dela acordar, organizando pastas amarelas que estava dentro daqueles armários. O cheiro era de mofo, misturado com o aroma masculino de Bunny. Continuou olhando para ele, sem entender o que fazia ali.
— Estão brincando comigo? — sua voz era um pouco rouca.
Ele a ignorou, deixando a mesma irritada, tudo que queria fazer era se levantar dali e o surrar, entretanto, sabia que isso era impossível por dois fortes motivos. Número um, ela estava muito dolorida. Número dois, o galã assustador era incrivelmente mais forte que ela. Seus olhos se desviaram, olhou para o teto, era como os demais, cheio de infiltrações e com detalhes que expunham a antiga construção.
Tentou se levantar, mas seu corpo parecia estar grudado naquele sofá de couro. Após o homem olhar algumas pastas e organizar poucos itens, ele se direcionou a ela. Seus olhos se paralisaram nela, a fazendo engolir seco. Imaginou que seria torturada novamente, sendo assim, seu coração acelerou e sua cabeça que antes doía, passou a latejar, arrancando lacrimejos dela.
— Dói? — Bunny tocou sua testa. Sentiu um estranho arrepio por seu corpo. Assentiu com a cabeça. — Imaginei que sim, respire fundo, pobre alma corrompida.
As falas do sujeito eram estranhas, o suficiente para deixar a mulher interessada em saber mais sobre aquele.
— Quem é você? — ela pode senti-lo massageando suas linhas temporais. Ele não a respondeu, mas sentiu aos poucos sua dor se esvaindo, seu coração palpitou e já não tinha mais medo dele. Mr. Bunny sorriu para ela, a deixando novamente perplexa. O homem a havia retirado da rua e a dopado, para então a dar como um presente para um sujeito aterrorizante. — fui sequestrada e torturada fisicamente e psicologicamente, e você é o culpado, não tente fazer com que eu vire sua amiga, seu bruxo!!!
— Não estou tentando — a olhou com desprezo. — jamais iria tentar ser amigo de um ser tão repugnante e desprezível quanto você, Dalila.
Sentiu sua pele queimar, seu coração novamente acelerou e sua garganta tinha milhões de palavrões que gostaria de enterrar no homem, Dalila estava fervendo de ódio, quem ele pensava ser?
Levantou sua mão para tentar acerta-lo, no impulso. Mr. Bunny segurou precisamente, apertando. Dalila gemeu, ódio e dor.
— Por que ainda resiste?
— Quem são vocês? — uma lágrima fina escorregou dentre seu rosto até cair pelo canto. — por que eu? Quem eram aquelas pessoas mortas? O que vocês fazem?
— Gosta de histórias? — seu olhar era de deboche. Ela não respondeu. — certa vez, uma jovem curiosa teve sua língua cortada e exibida para seus amigos, sabe o por quê? É que ela perguntava demais.
Assustou-se com aquela fala horrenda do homem. Ele soltou o pulso da moça. A mesmo o segurou, sentindo arder. Seu corpo estava estranhamente menos dolorido após aquele fato. O olhou com total desconfiança, seu coração não mais possuía o medo de antes, o que a deixou confusa.
Mr. Bunny se levantou, ele virou-se e continuou mexendo nas papeladas que estavam dentro dos armários. Dalila viu ali a chance perfeita para tentar fugir. Vagarosamente olhou o local ao redor, viu uma pequena janela fechada e uma porta, que também estava fechada. Calculou as possibilidades de chances de fuga. Um pouco longe dela, havia um martelo, ao lado dele, alguns pregos e uma gaveta, provavelmente precisava de conserto. Seu corpo estava travado, mas sua mente dizia constantemente para que ela o fizesse.
O sujeito nem estava prestando atenção na jovem, ele resmungava algumas palavras emaranhadas. Dalila vagarosamente e silenciosamente se sentou no sofá, que fez poucos sons, o típico do couro. Mas nem isso tirou a atenção de Bunny da papelada, ele parecia ansioso para terminar seu trabalho.
Retirou cuidadosamente a coberta que possuía em seu corpo magro, levantou nas pontas dos pés. Ele ainda se mantinha de costas, parecia estar aborrecido. Chegou ao martelo, uma arma calculada, de ferro leve e de fácil manejo. Caminhou em passos lentos até Bunny.
— Qual é a sensação de ser tão frágil e previsível? — ele atirou aquelas palavras sobre Dalila. Ela sentiu suas pernas travarem, seu coração palpitou e de repente sentiu um choque percorrer todo seu corpo. Estava paralisada de medo, ele virou-se rapidamente e sorriu para ela, que estava a alguns poucos metros de distância dele.
Ela tentou continuar andando, mas não conseguiu, "mas que droga está acontecendo?", Dalila se forçou a não desistir, não queria, não podia, ele não a venceria, eles não. Seu corpo se moveu com rapidez, uma dor intensa o tocou , pareceu sentir o peso do mundo em suas costas, todavia, nem toda aquela dor a faria desistir de viver livre daqueles que a machucaram tanto.
— Por que está tentando? — sorriu.
Ela não correspondeu. Suas mãos estavam fixadas no cabo de metal, correu para cima dele. Um pingo de gota tocou o chão e Mr. Bunny se desviou do golpe que ela tentará lhe desferir. Gargalhou insanamente. A jovem caiu de joelhos no chão, um choque intenso correu em suas veias. "Não posso desistir, eu preciso vingar a Jéssica, preciso vingar a mim..."
Se levantou rapidamente, voltou a possuir dores intensas por todo seu tecido e músculos. Uma gotícula de suor escorreu dentre sua testa, limpou. Ele estava parado em sua frente, pode então ver com clareza seu olhar psicodélico, ele era um monstro, que trabalhava com Bálder, seduzindo pessoas para que o malvado usasse de seus corpos para tortura e desgaste.
— Você acha que vai conseguir me derrubar com um martelo? — começou a ir na direção da latina. A cada passo que ele dava para frente, ela ia retrocedendo. Jennifer apareceu em sua memória com um pequeno relapso.
— Por que faz isso? — gritou. — minha vida nunca foi fácil, eu não mereço isso!
— Não?! — ele arqueou sua sobrancelha.
Lisa... o estômago de Dalila embrulhou e ela pode sentir a bílis vir em sua boca. Se dobrou.
— Desista, Lila... — ele falou com a voz mais doce do mundo. — por favor, não vamos te machucar, jogue esse martelo fora. Bálder é um artista e você é sua obra-prima.
— O que? — estava se sentindo zonza, sua visão começou a embaralhar. — o que está acontecendo comigo?
— Nós não somos seus inimigos, queremos fazer de você uma escultura, apenas isso — ele estava chegando mais perto de Dalila. — Por favor, me deixe te ajudar.
Ele estava totalmente diferente, mudou tão abruptamente que fez a menina ficar ainda mais confusa. Finalmente ele tocou os pulsos de Dalila, que ficou totalmente vulnerável. Mr. Bunny envolveu seus braços ao redor da mulher, que foi perdendo suas forças, não entendeu o motivo.
— Xiu, durma minha diabinha.
Começou a ter relapsos de memória. Jennifer pedia por socorro em um bairro escuro e vazio, pessoas mortas e sem seu devido enterro, estavam sob possessão do Bálder. Lágrimas grossas escorreram por seu rosto, quis vomitar, quis lutar, quis correr e se libertar.
— Não!!! — sua mão, a qual possuía o martelo, girou com rapidez e acertou diretamente, precisamente e de forma pesada na nuca do homem.
Ele soltou suas mãos de Dalila, caiu como um boneco ao chão, mas não desmaiou. Ele ficou com sua visão embaçada e não conseguiu reagir.
— Desgraçada... — pode falar com ódio extremo.
Dalila tinha poucos segundos para conseguir sair dali. Em passos apressados ela se distanciou do homem. Ainda estava fraca, passou a se apoiar em alguns móveis. Ele quis se recompor, mas não suportou o golpe certeiro. Podia ouvir em alto e bom som o compasso de seu coração, estava trêmula, só conseguiu enxergar a janela que estava a sua frente. Apenas uma martelada e a janela se estilhaçou. Ela conseguiria passar, mas teria que suportar alguns cortes da janela.
— Essa dor não chega perto da que foi ver minha melhor amiga partir... — Suas mãos foram para o quadrado da janela, pressionou seu peso para cima, seus pulsos ficaram marcados com suas veias azuladas. Com muita dificuldade, mas com força de vontade, Dalila conseguiu chegar ao topo da janela, observou que aquela era a saída de seu inferno, uma mata intensa do lado de fora. Precisaria pular cerca de dois metros para chegar ao chão, não tinha tempo para pensar, conseguiu ouvir por detrás o som da porta abrindo.
— Bunny... Dalila!!! — Gritou. Era Bálder. A loira respirou fundo e se jogou. Sentiu o peso de seu corpo ir contra alguns cacos de vidro.
— Au... — gemeu. Apoiou suas mãos ao chão e conseguiu retomar sua força. Estava de pé em questão de segundos. Correu. Suas pernas se movimentaram de uma forma incrível. O que o medo não faz?
Não olhou para trás, mas sabia que estava sendo perseguida. Dalila estava correndo em busca de sua liberdade, no meio de uma floresta. Olhou para trás com rapidez, lá estava o enorme casarão que a assombrava, logo atrás não viu ninguém. Seu coração acelerou...
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