Nota número 1
A luz brilha sobre minha inexistência. Não uma luz intensa como a do astro rei. Contudo, semelhante.
“Quem sou eu?”
Uma pergunta tola, esta que acaba sendo feita por pessoas sem memória ou por outras com casos específicos. Tola, pois, como todas as outras: não há resposta.
Não consigo relembrar a complexidade de minha existência. Alguma vez eu já existi em outro lugar? Não consigo relembrar nada deste plano. Apenas suponho que, aqui, gostem de mim, porque não querem que eu vá embora, isto confirmando-se pela ausência de saídas.
Apenas uma coisa é certa, e quem dera fosse a certeza de minha existência.
A minha única verdade absoluta é o meu isolamento...posso considerar isto o meu alicerce?
A luz presente aqui rodeia cada canto sala. Isto de certa forma é estranho. Onde está a maldita fonte de luz?!
Um quarto formado de luz. Sem forma. Assim como meu corpo. Uma figura peculiar e transparente. Eu arrisco até dizer branco. Mas nada detalhado.
Sou como um rascunho. Meus contornos e medidas não tem exatidão. Logo, mesmo que eu hipoteticamente seja enorme, esta cadeia é ainda maior.
Em simetria, minha cela também compartilha da mesma falta de forma. Apenas os sentidos, que inesperadamente ainda possuo, me dizem que eu estou encadeado.
Bendito seja o senhor tato.
Sendo ele que me guiou até a existência desta pequena agenda. Onde agora eu estou escrevendo esta estranha nota.
Para quem estou escrevendo? Bem... Eu não me considero um escritor neste caso, logo não tenho um público alvo. Posso até supor que eu escrevo para tentar elevar minha sanidade, mesmo estando incerto de sua permanência.
Ficar isolado é estranho.
O caderno, diferente de mim, possui forma. Sua intensa capa vermelha me deu uma sensação anormal. No seu interior, branco, contudo, um branco nada transparente. Era normalmente branco.
Eu, por minutos, quem sabe horas, tateei cada centímetro da sala. Pois, meu sensor de masmorras apitava dizendo que havia algo oculto no meio de toda aquela transparência. O que se mostrou verídico, pois, em certo toque, meu polegar acabou por afundar uma região circular. O que chutei ser um botão.
Logo após este evento, um enorme, escuro, e visível, retângulo apareceu em uma das paredes, juntamente com uma espécie de pedestal cinzento abaixo dele, neste se localizando todos os números de 0 a 9 e um botão adicional escrito “ok”.
Por mais que não me lembrasse nada de minha existência, eu ainda sentia fragmentos de realidade, logo, algumas coisas ainda permaneciam armazenadas, entre elas o sistema numérico.
Talvez os fragmentos na minha cabeça estivessem do meu lado.
Acima do retângulo, este que eu apelidei de retângulo sexy, havia escrito alguma coisa. Felizmente o alfabeto era outra coisa que continuava perfeitamente intacto em minha memória, contudo, aquela palavra em específico não estava em meu vocabulário:
TIBLLEC
No fundo de minha alma, tive um desejo involuntário de inverter a palavra, entretanto, como no pedestal apenas havia números, acabei relutando. Era como se algo me impedisse de fazer aquela ação.... isto de fato foi estranho.
Talvez qualquer ser nesta altura tentaria analisar a palavra dada de todas as formas possíveis até encontrar alguma resposta inesperada. Contudo eu sou uma existência comum. Logo, fiz aquilo que, possivelmente, toda criatura comum faria: caminhei até o pedestal e pressionei os números 1 2 3 4 5, em seguida o botão ok.
Eu internamente já sabia que nada aconteceria, mas, inesperadamente uma luz vermelha cobriu a sala. Desaparecendo em seguida.
A cor já me indicava o óbvio, contudo este foi confirmado com o reset do retângulo sexy.
Infelizmente não seria fácil. Logo eu tive que me forçar a sair da minha zona de conforto e começar a pensar.
A resposta certamente tem alguma ligação com a palavra misteriosa. Sendo ela formada por letras...
Por segundos eu pensei...e pensei...e...pensei mais um pouco. Até o momento que estava cansado de pensar, logo, comecei a escrever:
Acabei por ocupar uma folha inteira com o alfabeto.
Eu olhava para aqueles símbolos fofos, mas ele permaneciam letras (não números). Nisto eu fitei cada um deles e involuntariamente iniciei uma contagem:
-Uma maldita letra, duas malditas letras, trê....
Foi neste momento que acabei caindo na real. Os números existem! Eles apenas estão ocultos! Logo eu adicionei cada um deles a minha folha.
Eu estava tão ansioso que alguns números acabaram ficando um pouco desfigurados... Isto certamente não é uma desculpa para justificar minha caligrafia ruim.
Agora, talvez, aquela palavra estranha finalmente tenha utilidade. Pensando nisto eu a peguei “TIBLLEC” E substituí cada uma das letras por seus respectivos números.
Sim! Finalmente uma possível senha parecia ter brotado daquela dica nada fértil: 2092121253.
Eu novamente me aproximei do pedestal. Digitei cada um dos números(checando se não havia nenhum errado a cada botão pressionado).
Logo estava lá, no retângulo sexy, toda a senha. Meus olhos trocaram algumas vezes entre caderno e retângulo. Todos os números batiam.
Com isto eu finalmente pressionei o botão “ok”. Neste segundo um brilho verde caloroso envolveu a sala. Não sei se foi minha mente ou ele o culpado, contudo eu me enchi de um sentimento de euforia.
Não tive nem um segundo para comemorar. Subitamente o chão a meu redor começou a fazer alguns barulhos metálicos. Isto juntamente com um estranho tremor estavam me dando um pouco de agonia. Após isto, ouvi um peculiar som de algo se partindo, se despedaçando. Em seguida silêncio.
A priori eu não vi nada de diferente na sala, pois permanecia a mesma transparência de sempre. Contudo, percebi que o pedestal parecia ter se afastado alguns centímetros de mim, juntamente com o senhor RS (retângulo sexy).
Eu, cautelosamente, caminhei até eles (tateando tudo a frente). Minhas suspeitas pareciam estar certas. A sala realmente havia se expandido.
Tanto o retângulo sexy quanto o pedestal pareciam estar iguais. Nada novo -Eu inocentemente pensei. Entretanto, algo vermelho parecia estar se ocultando atrás do pedestal. Eu caminhei devagar até suas costas. E lá estava uma coisa bem inesperada: um pequeno e vermelhíssimo carrinho de brinquedo. Um pequeno sorriso transparente surgiu em meu rosto quando eu o agarrei do chão. Ele estava novinho. Quase encaixava na palma da minha mão de tão minúsculo. Fiquei alguns minutos vidrado naquele vermelho insano. Estava tão concentrado que parecia que o vermelho estava fluindo pela minha mão...quando eu saí do transe eu percebi que realmente estava vazando. Um líquido vermelho e quente....eu gritei bem alto e atirei o carrinho contra a parede, este se despedaçando. Eu olhei novamente para a mão onde ele estava...o vermelho sumiu. Eu respirava bufante. Aquilo foi estranho...muito estranho. Minha mente estava em choque. O meu corpo, possivelmente tentando ajudar, começou a relaxar, fazendo com que eu tivesse vontade de me deitar, o que realmente fiz. Eu fiquei alguns minutos a fitar o teto, o transparente teto. Um abismo transparente. Neste momento eu me lembrei de uma frase que dizia que quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você. E isto aconteceu. Magicamente um enorme olho se formou naquela invisibilidade. Ele abria e fechava estranhamente. Aquilo foi o ápice. O meu coração de rascunho não aguentou. Eu desmaiei.
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