Capítulo 8
O lugar tem um aspecto bem americanizado em si, com o condomínio cercado de belas mansões, mas igual a formosura da casa do Sr. Martilhe não tem. Pelo menos eles prezam a natureza, isso com certeza me agrada. O motorista me guiou em direção a entrada, sem conceder um tempo para reparar mais do local.
— Evy, chegamos — falou abrindo a porta e, me concedendo a passagem.
Entrei no local, sendo recepcionada de uma maneira nada agradável.
— Agora que você chega Paul? — gritou uma mulher, se aproximando de algum canto da casa. Tendo um cabelo completamente melado de ovo podre, adornada com tinta azul por todo o corpo.
Coloquei a mão no nariz para amenizar o fedor. Meu Deus! Quem judiou da pobre coitada? Ao que parece, ela é loira natural, pelo menos acho, pois fica difícil enxergar com tanta tinta azul em seu cabelo. Olhos da cor do mel assim como os seus cabelos, ela tem o rosto delicado parecido com o de uma boneca, é baixa, com uma estatura abaixo da minha e tem uma estrutura corporal curvilínea. Deixando-a com uma aparência jovem, não deve ter mais de vinte quatro anos.
— Não aguento mais isso, só não peço demissão, porque tenho um filho para criar, mas isso acaba hoje, quer saber de uma coisa? Isso acaba agora — falou pausadamente dando ênfase no final, pegou sua bolsa e bateu a porta ao sair.
Fiquei estática no local, tentando entender. O destino só pode estar de brincadeira com a minha cara! — pensei cogitando a ideia de fugir.
— Senhorita fique à vontade, só não te acompanho, porque tenho que buscar o chefe. Tchau, daqui a algumas horas estou de volta — articulou saindo rapidamente, sem me conceder a opção de escape, ou ao menos me dar a chance de implorar para que ele me levasse junto.
Passei a mão no cabelo, para me acalmar e segui para a sala de visita. Deixei a minha bolsa no sofá e saí para procura os pestinhas, ou melhor, as crianças.
— Crianças venham me conhecer, que tal "conversarmos"? — cantarolei a voz parecendo graciosa, tentando ao menos — Onde estão vocês? — É só o que me faltava, nunca tive paciência com pirralhos.
Andei por vários corredores e nada das "gracinhas".
— Oi. — Ouvi uma voz fininha falar.
Foi quando olhei para cima, não acreditando no que acabou de ocorrer. Nem deu tempo para pensar, pois recebi uma enxurrada de água suja. Passei a mão no rosto para tirar o excesso da água e olhei para cima, vendo três pequenos diabinhos.
— Venham cá seus pestinhas. — Corri atrás deles.
Não acredito que estou correndo atrás de três crianças e ainda por cima fedendo a esgoto. Para meu azar, como se não fosse suficiente, no meio da escada que dá acesso ao segundo andar, meu pé escorrega me fazendo cair escada abaixo rolando. Caí igual a uma pata no chão. Agora sim estou com raiva dessas pestes — pensei olhando para o teto, sentindo dores por todo o corpo.
Eles me pagam, ahhh se me pagam.
Ótimo, agora não consigo mexer nem um músculo sequer do meu corpo. Vou pegar esses pestes, deixa só eu me levantar daqui.
Aí! Que porcaria, acho que bati a cabeça, estou vendo tudo girar ainda com um vestígio de sangue escorrendo da minha testa. — Reclamei cheia de ódio.
Tentei me levantar calmamente do chão, mas não obtive sucesso, claro.
— Crianças? — Deixei a minha dignidade e chamei aquelas pestes.
Não acredito nisso, que dor infernal.
— Acho que ela se machucou de verdade. — Ouvi uma das crianças falar, ao que parece do segundo andar.
— Crianças? — Os chamei novamente, agora é a hora perfeita para fazer um drama.
Comecei a gemer de dor no chão, afinal se era para dar o troco, tinha que ser perfeito. Comecei a exagerar um pouco, mesmo sentido a dor começar a latejar.
— Vamos ligar para o pai. — Escutei uma voz ao ponto do desespero.
— Não, você está maluco, ele vai nos deixar de castigo por um ano. — Outra fala, só que dessa vez em um tom frio e nostálgico.
Crianças sem coração, como podem fazer isso com uma pessoa tão indefesa como eu?
— Garanto a você que será pior se acontecer algo com essa mulher. — Um dos pestinhas disse em um tom preocupado, com a própria pele, creio.
— Esperem, vamos fazer uma votação.
Não acredito que essas pestes vão fazer votação para decidir se salvam ou não a minha vida. Ok, não é para tanto, mas vocês já imaginaram se agora eu estivesse correndo risco de vida? Já estaria morta há muito tempo com essa demora.
— Ai, ai, aiiiiiiiiiiii — Coloquei minhas aulas de teatro do ensino médio em prática.
Se eles querem assim, vamos à encenação.
— Ela vai morrer. — O desesperado entrou em ação.
— Vamos votar. Quero ajudá-la. — Uma voz mansa e suave soou, pacificando os demais.
— Eu também.
— Eu não. — Entoou em um tom frio.
Não acredito que esse bastardo falou isso, ele só pode estar de brincadeira com a minha cara.
Fechei os olhos assim que senti eles se aproximaram, e comecei a soltar sons de dor.
— Ela parece mal. Rápido, pegue o telefone e ligue para o papai.
Ouvi a agitação de alguém correndo, e resolvi piorar o drama.
— Pai, não sabemos como isso aconteceu, mas uma mulher caiu da escada — ele esperou o momento e voltou a falar —, aqui em casa — pronunciou diminuindo o tom de voz.
Fiquei feliz, parece que as crianças têm medo do senhor Martilhe. Bem feito, tomara que eles recebam uma punição bem severa.
— Me dê esse telefone — falou um dos irmãos — Pai a mulher está morrendo, o que a gente faz? — transparece preocupação.
Me segurei para não rir. Meus Deus, acho que assustei as crianças. Controlei a minha risada e esperei para ver no que iria dar.
— Pai, pai. O senhor ainda está aí?
— O que aconteceu? — perguntou a outra criança.
— Parece que desligou. Você acha que ele vai ficar bravo?
— Acho que não, embora ela tenha quebrado algum osso, pelo menos não ficou careca igual a outra babá — respondeu sem dar importância.
Quase tive um treco, tenho que sair daqui. Vou ser esfolada viva, socorro!
Após esse diálogo, tive a esperança em não ser esquecida, porque saíram da sala conversando como se uma pessoa não estivesse esparramada no chão, dá para acreditar?
Após uns vinte minutos, não aguentei mais fingir, pois a dor está se tornando real, poxa, bati a cabeça de verdade. Preciso me acalmar para tentar ao menos amenizar a dor. — Bela, chega de palhaçada, agora a coisa ficou séria.
— Senhor Martilhe creio que não é uma situação grave, as crianças devem ter ficado assustadas. — Ouvi ao que parece a voz do motorista.
Após alguns segundos senti uma mão quente e suave tocar o meu rosto. Como sinal o meu coração começou a disparar, avisando de quem é aquela mão.
— Bela. — O ouvir dizer em um sussurro — Chame uma ambulância, Paul — falou transparecendo seriedade e preocupação na voz.
Escutei os passos de Paul se afastando rapidamente, como se estivesse entrando em uma espécie de embriaguez do sono, pela dor.
— Não se preocupe, você vai ficar bem — disse bem perto do meu ouvido, me embriagando com o seu perfume.
Ah não! Esse homem vai me deixar louca. Bela, calma o fogo, se concentre na dor.
— Eles estão a caminho senhor — esbanjou Paul.
— Ótimo, agora chame os meninos e dê uma olhada na Tiana.
Agradeci mentalmente quando ele se afastou de mim, agora assisto de camarote a briga dele com os meninos, pena que não vou poder ver, somente ouvir. Mas quem é Tiana?
Após uns dois minutos mais ou menos, ouvi a conversa que estive esperando.
— Então, o que vocês têm a falar sobre isso? — perguntou com uma voz grave assustadoramente irritada, me transmitindo medo, imagina as pestes das crianças.
Ouve-se um silêncio no ar. Agora os fedelhos perderam a voz.
— Fiz uma pergunta — falou transparecendo estar com mais raiva.
— Foi um acidente, estávamos brincando quando de repente ela caiu — respondeu um dos meninos.
— Foi o mesmo acidente em que a outra babá quase morreu afogada na piscina?
— Pai, aquilo foi sem querer, estávamos brincando de salto na água quando... — Foi interrompido.
— Não me lembro disso, o que sei é que vocês empurraram a mulher na piscina mesmo sem ela saber nadar.
— Não sabíamos disso — respondeu o outro garoto.
— Não brinque comigo. — Agora ele se estressou.
— Senhor, a ambulância chegou — falou Paul, tendo sua voz misturada com um som de bebê.
— Vão dormir, amanhã continuamos a nossa conversa e não pensem que saíram impune.
Após isso, só ouvi barulhos de passos e um choro de criança se distanciando. Algum tempo depois senti que estou sendo examinada e imobilizada, após algum tempo fui colocada em uma maca, ao menos é isso que penso.
Assistir essa discussão não adiantou em nada para amenizar a minha dor, por quê? — Porque você se feriu sua abestada — o meu subconsciente entrou em ação.
— Quem irá acompanhá-la? — perguntou ao que parece o paramédico.
— Eu mesmo — respondeu o senhor Martilhe.
Não sei como estou conseguindo ficar tanto tempo com os olhos fechados e sem me mexer, a dor está angustiante, ou é porque sou fresca de mais?
— Como ela está?
— Não parece haver nada grave, mas vamos descobrir quando chegarmos no hospital e checar se não houve nenhuma lesão interna.
Após algum tempo chegamos à emergência. Agora estou em uma das salas do centro médico.
— Não se preocupe, ela ficará bem. Apenas trataremos a sua lesão na testa, já que é o único ferimento aparente e vamos proceder com alguns exames nela.
Epa! Não pensei que chegaria a tanto, tenho que abrir os olhos, mas de qualquer jeito em pouco tempo estarei dormindo, já que estou sentindo a minha cabeça pesar. Com esse pensamento comecei a ficar com sono e fui perdendo os sentidos.
Reconheci o cheiro de hospital e abri os olhos lentamente, parece que estou a dias sem dormir, o meu corpo está tão pesado.
Com os olhos ainda encarando o teto branco, permaneci assim por alguns minutos, até ouvir a porta sendo aberta. Olhei em direção a ela.
— Ainda bem que acordou — falou o senhor Martilhe se aproximando lentamente de mim.
— Como está? — Colocou a mão em meu ombro, me encarando mais de perto com os seus belíssimos olhos verdes.
— Estou bem — respondi curtamente, afinal, não sei se ele descobriu sobre o ocorrido.
— Suas amigas já vieram aqui. Daqui a pouco elas retornam para te levar — pronunciou cada palavra calmamente, analisando cada detalhe do meu rosto.
— Sério? — Não esperei que elas viessem, afinal, não temos nem uma semana de conhecidas. — Quanto tempo se passou, parece que perdi a noção do tempo?
— É normal, você estava inconsciente, só passou um dia, não se preocupe. A senhorita está ótima, até parece que não sofreu nem um tipo de acidente. — Esbanjou um sorriso brilhante no final da frase.
Só não me apaixonei, pois, o medo dele saber tudo e estar jogando indiretas, foi maior do que a minha atração por ele. — Claro né filha, afinal de contas, você quer passar uns anos no mínimo olhando para esses olhos verdes, se possível for até acordar com eles todos os dias.
O que está acontecendo comigo para ter esses pensamentos malucos sempre? Sai de mim que esse corpo não te pertence.
— Vou chamar a enfermeira, você deve estar com fome. — Caminhou em direção a saída, me deixando extasiada olhando para a sua pessoa se distanciando.
Não demorou muito e a enfermeira chegou, porém não recebi mais ele, que pena. Por volta de umas 19h às meninas chegaram.
— Aaaaahhhh!!! É bom que esteja bem. — Gritou Ângela, quase me esmagando com o seu abraço.
— Se você não me soltar, não poderei sair mais daqui — exprimi tentando sair desse sufoco.
— Calma Ângela, não assuste a menina — pronunciou Lúcia como a voz da sabedoria.
— Tudo bem — disse me soltando — Vamos para casa, pois temos muito o que conversar.
Fala sério, conheço essas criaturas a pouco tempo e elas acham que fazem parte da minha vida.
Quando chegamos na pensão (não vou chamar isso de casa), vou imediatamente para o quarto. Contemplando antes da hora o bendito sossego.
Mas como sou açúcar e atraio formigas, que no caso são Ângela e Lúcia, o meu descanso durou pouco.
— Então como isso aconteceu? — perguntaram sentando-se na minha cama.
— Apenas tropecei na escada e caí. — Não vou contar que fui pega na peça de três crianças, seria um mico.
— Sério? Que azar — Lúcia comentou.
— Você devia se acostumar com isso, nunca vi uma pessoa para ser tão azarada — disse Ângela em um tom brincalhão.
Revirei os olhos, não gostando da graça.
— Né, fazer o quê? — Fiz uma pergunta retórica.
— Me conta, o que deu no chefe para estar naquela preocupação toda com você? Parece até que vocês têm alguma coisa. — Seus olhos tomaram uma expressão sugestiva, mais do que esperado para a pergunta.
— Nada a ver Ângela. Deve ser coisa da sua cabeça. — Neguei exasperadamente com a mão.
— Acho que não. — Afirmou parecendo convicta.
— Disse certo, você acha, isso não quer dizer nada. — Me irritei.
— Não precisa ser grossa Bela. — Lúcia que até o presente momento estava calada, tentou defender a amiga.
Acho que não é uma boa ideia ser grossa, afinal de contas, preciso delas.
— Desculpe, estou cansada, falei sem pensar. Mas estou falando sério, não existe nada entre a gente.
— Acreditamos, só queríamos dizer que pode confinar em nós.
Se fosse em outros tempos até poderia dizer: que fofo, mas agora a única coisa que desejo é manter distância da palavra confiança, pois de certa forma, ela é a primeira a te trair.
— Eu sei Lúcia, obrigada — comentei por fim, pois preciso de descanso e não quero brigar com elas.
Afinal de contas, depois do que aconteceu comigo não consigo confiar em mais ninguém.
— Abraço em grupo! — confabulou Ângela e elas vieram me abraçar.
Após isso as meninas saíram do quarto e fui dormir. Afinal, hoje foi um longo dia.
Olá gente, espero que gostem, votem e comentem. Beijos...
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