Capítulo 34

— Qual é o seu propósito na vida Hana? — perguntei após ver o seu olhar sonhador mergulhado nas estrelas.

— Bom, se for algo relacionado ao trabalho, meu maior sonho é ser fotógrafa. É fascinante quando você consegue captar as expressões de uma pessoa com um simples flash, é algo realmente memorável, me faz refletir, entende? Mas nesse momento meu maior sonho é ser uma mãe digna para o meu filho. — Acariciou sua barriga de três meses, algo que gerou escândalo na família, porém estranhamente trouxe a Hana contentamento.

— O seu maior sonho deveria ser, ter uma carreira de sucesso, isso sim te dará um futuro, não engravidar no início da faculdade como se não existisse preservativo. — Clara soltou a frase em desgosto, comprovando quão chateada está pelo ocorrido, ainda mais por ser a última a saber.

Nos encontramos em meio ao jardim da minha casa, deitadas no confortável gramado observando as estrelas, que hoje se encontram adoravelmente belas e brilhosas. Mesmo com os supostos desafios que estamos enfrentando, continuamos juntas. Às vezes parece mágico, acabei de ser pedida em casamento e estamos comemorando com a natureza e elas parecem estar felizes com a gente.

— Não seja rancorosa querida irmã — Hana tentou abraçar Clara passando por cima de mim, já que me encontro entre elas, mas Clara é mais precisa e se afasta rapidamente —, um dia esse defeito em não conseguir perdoar irá destruir a sua vida, espero que você aprenda a lição antes de ser tarde demais.

Clara calou-se, apenas voltou a encarar as estrelas como se estivesse refletindo, enquanto sua irmã mantém um tom sereno no rosto, como sempre.

— Hana você é a melhor de nós três, todos sabem disso, até nossa família já observou — soei sinceramente, constatando a verdade entre nós.

— Isso não existe, todos têm algo de bom dentro de si, basta descobrir como colocar para fora, mesmo que muitos nunca consigam na sua pouca existência aqui na terra. Por isso, espero sinceramente que vocês não sejam pessoas ignorantes a esse ponto de se desfazer dos seus próprios sentimentos, em relação ao autoconhecimento — falou pausadamente.

Nosencontramos em pensamentos, alheias de tudo a nossa volta, mesmo assim comesperança de que pudéssemos mostrar uma para a outra o nosso melhor, comoverdadeiras melhores amigas fazem.


Não sei como, mas parece que tem alguma espécie de atração da natureza que sempre faz eu e Clara termos os mais inesperados encontros. Como se não fosse o suficiente termos essa desavença, algo que não consigo entender. Sempre estivemos tão bem, até ela roubar a minha empresa, ou melhor, acho que fui eu quem não percebeu o quão distante estávamos.

Contudo, agora não seria eu, senão inventasse uma fuga rápida. Com a minha visão de águia avistei um bar no canto da sala, bem movimentado, ou seja, o lugar perfeito para a camuflagem.

Pronto, no momento estou sentada bebendo uma limonada, porque não faço uso de álcool. Estou completamente relaxada, e o melhor de tudo, antes de toda essa confusão acontecer, uma senhora me pediu Tiana, então, estou livre, leve e solta.

— De onde você é? Do paraíso? — Uma voz masculina soou me despertando de certos sonhos adormecidos.

Olhei para cima encarando o retardado que ousou me cantar. É Bela... têm pessoas que não sabem correr do perigo. Depois falam, por que você é grossa? Não vejo necessidade. Está aí a sua resposta, é para esses tipos de pessoas.

— Sim, sou um fantasma. Morri há 15 anos, que nem a sua cantada. — Não dei trela para esse ser e olhei em outra direção.

— As suas cortadas são as melhores. — Ouvi alguém dar uma risada sarcástica.

Ah! O que foi agora? Uma pessoa não pode pedir paz nessa terra?

Me virei para encarar a bendita pessoa que me incomodou, preparada com uma bomba de ignorância, mas todo o meu armamento foi para o espaço, junto com a minha lucidez.

— Oi! Amiga. — Ironizou.

Pude perceber que a mudança não faz parte do seu aspecto, mesmo nesses meses de pura miséria na minha vida, Clara ainda possui um sorriso convincente e venenoso, com cada mecha do seu cabelo loiro caindo como cascata pelo seu ombro, demonstrando toda a sua elegância em todos os aspectos devo admitir. Recordo-me que mesmo com raiva Clara nunca perdeu a compostura ou demonstrou seus verdadeiros sentimentos. Diferente de Hana, que era explosiva e espontânea, em contraponto, a irmã sempre foi calma e ardilosa, como gêmeas podem ser tão diferentes a esse ponto? Até mesmo na questão das amizades, Clara sempre foi mais contida nesse aspecto, com poucos amigos, já Hana fazia questão de em todo lugar que chegasse construir amizades, algo muito comum para ela.

— Fale. — Ordenei logo de uma vez.

— Só quero conversar, sabe... relembrar os velhos tempos. — Sentou-se ao meu lado.

— Quem vive de passado é museu, desembucha Clara, chega de brincadeira. — Me contive prevendo a minha suposta explosão.

Sei que ela está aqui com um propósito e estou com medo de saber qual é. Ser vingativa é um aspecto que ela guarda com louvor, por que ela não conseguiu me perdoar?

— As pessoas observam que você é um tanto... — Começou a enrolação.

— Tempestuosa? — Ousei completar sua frase.

Tenho a ciência que ela quer o meu ingresso no jogo que ela está bolando. Todavia, apenas uma pessoa sairá feliz desse ringue, tenho isso em mente desde criança.

— Sujeitinha sem significado é o termo a ser utilizado. — Apreciou sua bebida.

Recordei-me desta palavra, uma vez meu pai falou isso para mim, na época éramos jovens e melhores amigas, ela me consolou até adormecemos, mas nesse exato momento tenho certeza de que sua intenção não foi o consolo.

Tentei fazer o mínimo de careta possível, na insistência em guardar minha raiva.

— Isso não é da sua conta. — Bebi um gole do suco, tentando dissipar essa nuvem escura que assombra os meus pensamentos.

— Até admiro o seu esforço de mudança, mas fingir ter sentimentos por alguém é demais. — Soltou como se fosse o esperado.

Qual é o sentido dessa frase?

— O quê? — perguntei sem entender o rumo da conversa.

— Imagino a dificuldade em fazer a rainha do gelo se apaixonar por você, ainda mais quando você faz uma aposta com o irmão da sorteada por puro capricho. Às vezes me pergunto... Como um indivíduo consegue ser tão otário? — Deu uma risada histérica atraindo a atenção de algumas pessoas que estão ao nosso redor.

— Não entendo. — Murmurei para mim mesma.

Encarei o chão em pensamentos confusos, não compreendendo essa situação.

— Me pergunto quando você vai se dar conta? Tudo é um plano do seu querido irmãozinho. Besta, ele te fez de idiota bem debaixo do seu nariz. Na verdade, até entendo, deve ser difícil alguém gostar de uma pessoa com a sua personalidade, por isso o apego a qualquer ilusão de amor transmitido. — Deu um sorriso de escárnio. — Você é mesmo bobinha, Miguel fez um trato comigo para te colocar no olho da rua e fez uma aposta com Ryan para ele fazer você se apaixonar por ele. Agora, quer saber o motivo? — Ficou próxima a mim.

A encarei com todo o meu orgulho, esperando a sua resposta.

— Bobinha, infelizmente não posso dizer, você terá que perguntar ao seu amado irmão. — Seu sorriso esbanjou felicidade.

Não sou trouxa como ela pensa, já tenho a ciência.
Ryan? Miguel?

— É men... — Tentei completar a frase em negação.

— Não ouse dizer! Não sou igual a você que vive de migalhas. — Deu um passo para trás, tentando segurar a raiva.

— Não vejo sentido nisso, por quê? — indaguei confusa e irritada.

Sinceramente, estou completamente perdida. Agora me sinto como um peixinho fora d'água.

— Não era para Hana te levar na clínica de aborto clandestino naquela noite, você não sabe como me senti! Não entendo o motivo do seu ataque de fúria ao descobrir que o procedimento da retirada do feto não foi feito, minha irmã impediu que você matasse um inocente, e a senhorita? — Riu sarcasticamente. — Saiu desgovernada com o carro, na intenção de matar a criança, sem se preocupar com a minha irmã que também estava no carro, e ainda por cima, com uma bebezinha para criar em casa. Você impediu a minha sobrinha de ter uma mãe. Porém, essa história acabou, já consegui a minha vingança, agora você é uma migalha da mulher que existiu. Então, te pergunto, o que ganhou com essa loucura? Perdeu o noivo, a melhor amiga, um filho, destruiu duas famílias, e tem mais, como consequência nem filhos você pode gerar. Portanto, me diga, valeu a pena virar sua vida de ponta cabeça por um homem que nunca te amou? — Saiu me deixando com os olhos manchados em lágrimas, pela primeira vez em anos.

Não acredito, isso era para ser apenas uma lembrança, não é algo que alguém precise jogar na minha cara. Ela sabe que me arrependo, se pudesse trazia Hana de volta, porém não posso, isso é impossível. Mas... mas não era para Clara saber sobre esse assunto, os únicos que sabiam eram Hana e Miguel, pois graças a ele soube a localização de uma clínica de aborto discreta, tudo sairia como o planejado, como não consegui que o irmão de Hana e Clara ficasse comigo, a minha única escapatória de uma futura lembrança dele era abortar o feto, claro, como fui tola, é lógico que Hana não queria ver a morte do sobrinho, afinal Sebastian ainda era seu irmão mais velho, mesmo depois dele ter me traído com a mocinha perfeita. Sei que ela foi até a clínica para me impedir, mas na época estava tão machucada que resolvi fazer essa loucura como forma de escape, grande besteira, graças a essa tolice perdi duas melhores amigas, Hana que morreu quando tentei matar pela segunda vez o meu filho, alcançando assim o sucesso, e Clara quando descobriu o meu feito, provavelmente por Miguel. Bela é isso que acontece quando a pessoa toma decisões erradas, termina tendo consequências desastrosas pelo resto da vida. — Pensei tristemente.

— Bela pare!!! Qual o motivo para você estar agindo assim? — Hana falou enquanto estou dirigindo o carro desgovernado.

— Preciso acabar com tudo isso — falei beirando a loucura.

Estávamos a poucos minutos da clínica de aborto, era para ser algo seguro e rápido. Finalmente teria um pouco de paz com aquele feto fora da minha vida, mas Hana não permitiu isso, ela não me concedeu o direito de escolha. Que amiga ela pensa que é para tentar se intrometer na minha vida? Sou mais do que mostro, tentei construir uma família com Sebastian, mas ele não me aceitou, ao invés disso preferiu a outra, então também tenho o direito de querer ou não o filho dele, certo? Afinal serei a mãe, terei a maior parcela na vida desse feto, por isso se ele não serviu como elo para nos unir também não terá nenhuma serventia em minha vida. Sinto muito feto, mas não quero a sua presença, o seu pai não nos ama, então também não posso te amar, não consigo... não sei como, sinto muito.

Tudo parecia tão simples em nossas vidas, mas ele não quis assim, ele não nos permitiu amar novamente. Éramos um casal tão completo, mas a outra chegou e destruiu algo que era lindo maravilhoso. Definitivamente detesto mocinhas, na verdade, sempre soube que os livros de romances não são para mulheres serias e decididas que não são cem por cento perfeitas, mas para mulheres belas e meigas, que não reconhecem a beleza que tem, mesmo ela sendo a dona da... Oh céus! A que ponto cheguei ao me lamentar por alguém tão insignificante como Dália.

Não preciso criar uma criança que não amo, por isso a melhor alternativa é arrancá-la a forca da minha vida, e nem Hana será capaz de me deter. Com esse pensamento perdi de uma vez o controlo de volante do carro, contemplando o desespero no olhar de Hana e a agonia das suas ações.

— Pare Bela... você não precisa fazer..... — falou desesperadamente ao tentar controlar o volante do carro com eminente desespero, porém o som de sua voz foi apagada pelo som de aviso do caminhão que desviamos, apesar disso caímos em algo que não soube identificar, aprofundando ainda mais o bramido em agonia.

Trazendo emaranhados sons ao nosso redor, com gritos de uma mulher desesperada e um estrondo de algo se espatifando enquanto podia-se ouvir ao fundo o suspiro de alguém que há muito tempo clamava por paz.

Conquanto, não tivemos tempo para proferir mais nenhuma palavra, pois um caminhão vinha em nossa direção já que seguíamos na contramão, Hana tomou a direção do volante e desviou o carro, mas infelizmente na estrada havia um barranco para um despenhadeiro, logo o carro foi morro abaixo, arrancando a vida do meu filho que ainda era um feto e de Hana que tentava salvar nossas vidas.

Depois alguns minutos da fala de Clara, reparei os olhares curiosos ao verem o meu estado, saí correndo, não tendo tempo em ver a pessoa que está me gritando.

Tranquei a porta e me joguei na cama.

Burra, burra, burra... Por quê? Sempre fiz tudo certinho, só por causa de uma loucura de minutos, tudo vira uma avalanche na minha cabeça.

Sei, sou culpada, não vou me fazer de vítima, mas... Por que é mais fácil fugir do que lutar pelo que realmente te interessa? Fiz isso com Sebastian, negligenciei o meu noivado, afinal, faltavam alguns dias para o casamento, então, nada poderia dar errado, certo? Grande mentira, não quando a nova secretária entra no seu caminho. Mais bonita, ingênua, recatada, meiga, resumindo, uma santa.

Limpei grosseiramente o meu rosto, pelas lágrimas que insistiam em cair, mesmo depois de uma hora.

Me levantei e encarei o meu amado espelho.

— Sou agressiva, sou irritada. Você não precisa agradar os outros. Esqueça o passado, e siga em frente. — Olhei para mim mesma em aflição. — Lembre-se, Hana não queria isso para você, por sua culpa ela morreu tentando te ajudar. Ela queria que você fosse feliz... por favor Bela, tente honrar a memória dela. — Me encolhi em um murmúrio de angústia.

Não posso mudar algo entranhado na minha personalidade, posso melhorar, mas mudar jamais. Essa sou eu. Me arrependo do que fiz, entretanto, ficou no passado, minha amada amiga iria querer me ver viver.

Tentei sorrir, mesmo as lágrimas lutando para descer.

— Bela. — Pelo visto ele conseguiu a chave reserva depois de uma hora tentando entrar no quarto.

Essa voz, Ryan? Péssima hora.

— Acabou. — Continuei a encarar o espelho.

— O que está falando? — Se fez de desentendido.

— Não sou burra, acabou! Para falar a verdade, não terminou, não posso findar algo que nunca existiu. — Passei a mão na cabeça.

Sei que existiu um romance, mas agora estou na intenção de machucá-lo, a dor me consome e é culpa dele.

— Ei! Te amo. — Me envolveu em um abraço, tendo seu peito comigo apoiado logo a frente, ou seja, ele me envolveu como uma concha abraça a pérola.

— Você não sabe o que é amor. — Tirei os seus braços de volta de mim.

— Não faça isso conosco — pediu com um semblante triste.

— Percebi que não posso rasgar uma página da minha vida... ao invés disso, posso jogar o livro todo na fogueira. Falei para você que tinha um passado, e algo que não suporto é traição, ainda mais uma planejada como foi. Sinceramente, não sei quem é pior você ou meu irmão, pois depois do roubo da empresa esperava de Clara tudo, mas do Miguel... e você, deixei você entrar na minha vida, gostei dos teus filhos, algo muito difícil na minha vida já que não suporto crianças, por que entrou se iria fazer isso? Por quê? — Dei um sorriso fraco, escondendo qualquer sinal de fraqueza que pudesse existir, como o choro, algo que soube fazer a minha vida inteira.

— Perdão...

— Não se desculpe... fale para o meu irmão, a lição foi aprendida, ele é um ótimo professor... Os dois são, obrigada. — Saí do quarto deixando um Ryan pasmo, pálido e a ponto de chorar.

Andei até o jardim e me sentei na grama, observando as belas rosas-brancas a minha frente, minhas preferidas.

— Vai embora? — Olhei para o lado, vendo os quatro com a atenção focada em mim.

Bati no gramado ao meu lado, para eles se aproximarem.

— Você disse que nunca iria nos deixar — pronunciou Tomas com a voz embargada.

Sorri, me comovendo com seu jeito.

As três crianças estão lindas, mas com semblantes tristes que me dão pena, com certeza eles não merecem o pai que tem.

— Posso te contar um segredo? — Ele assentiu com a cabeça. — Pense naquilo que você sempre quis... agora, visualize na mente... e sinta no coração. — Apontei o dedo para o seu peito, lembrando algo que tinha visto em algum filme.

— Não entendi. — Anthony balançou a cabeça em negação.

— Família, ela sempre vai estar com a gente, mesmo quando não a enxergamos. — Tomas respondeu ao irmão.

— Vocês são inteligentes, continuem assim. Em breve nos veremos. — Demos um abraço coletivo.

— Tome. — Me entregou um envelope. — A madame Gaiolo ouviu a discussão, ela falou que o motorista está a esperando na porta.

— Cuidem bem da sua irmã. E não deixem ela me esquecer. — Os abracei novamente.

Saí de perto deles, antes que caísse alguma lágrima indesejada, mesmo assim, ainda deu tempo de ouvir a seguinte frase. "Ela mudou de verdade".

Entrei no carro preto e mandei o motorista me levar ao aeroporto.

Espero que tenham gostado desse capítulo, e como estão presumindo já estamos perto do final da história. E não esqueçam de votar e comentar, quero saber a opinião de vocês.

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