Capítulo 26
Tomara que tudo isso não tenha passado de um sonho. Para falar a verdade, não quero me apegar a ninguém no momento, porque entendo a realidade de conviver com uma pessoa que é difícil de lidar. É estranho admitir, mas o medo me persegue como um bumerangue que vai e volta até atingir a sua vítima.
Porém, isso não vem ao caso agora, quero espairecer a mente, me libertar de tudo que me prende nessa vida miserável. Falando assim estou parecendo uma pessoa que precisa ir ao terapeuta, doce engano.
Hum! Hum! Tentei me levantar dessa cama confortável. Posso dizer, essa cama é com certeza mais convidativa do que a cama do quarto de Tiana. Acho que poderia ficar aqui, sem o Ryan é claro.
— Aff! Que dor. — Me espreguicei após perceber que estou toda torta na superfície macia, e ainda por cima com um terrível torcicolo.
Verifico a presença de Ryan na cama, mas pelo visto ele não se encontra no quarto.
— Claro que ele não estaria, o que você achou, Bela? Que seria recebida com um perfeito café da manhã e um imenso buquê de Rosas-brancas na cama? Acorda! Isso aqui não é um conto de fadas. E ainda tem mais, conto de fadas é para mocinhas, e com certeza você não se encaixa nesse padrão. — falei comigo mesma partindo do desanimo para a empolgação.
Saí da superfície acolchoada quase tropeçando, como se estivesse bêbada. Caminhei até o banheiro e admirei no espelho a minha bela imagem, tenho certeza de que qualquer homem se apaixonaria por mim nesse estado.
Abri a torneira e comecei a lavar o rosto, depois abri as gavetas dos armários, para procurar algo para higienizar minha boca. E por incrível que pareça, achei em uma gaveta cinco escovas novas, estranho, mas foi útil para mim.
Escovei os dentes e fui fazer minhas necessidades fisiológicas. Quando estou lavando a mão, ouça a porta ser aberta, enxugo as mãos e saio para conferir quem foi.
Assim que saio do banheiro vejo Helena entrando com uma das minhas malas.
— O que minha mala está fazendo aqui? — Indaguei surpresa, pois, esse objeto estava na pensão.
— O patrão pediu para o motorista buscá-la. — Colocou os meus pertences na cama.
Ahh, tinha me esquecido, ele comentou isso ontem.
— O patrão pediu para a senhora arrumar suas coisas no closet.
— Ok. — Quando ela estava prestes a sair, resolvi perguntar algo que está cutucando minha mente.
— O que os funcionários estão comentando? — Tentei ser sútil.
— Sobre o quê senhora? — indagou aparentando confusão.
— Em relação a mim e Ryan. — Uma brando estresse tomou conta da minha voz, pela lerdeza da garota.
— Ahh! O patrão nos informou que o noivado foi repentino, e não deseja isso se espalhando por aí, afinal de contas, isso pode custar os nossos empregos. — Claro que ele faria isso. Antes que Helena saísse a chamei novamente.
— Pode me ajudar a colocar essas roupas no closet? — Claro que não perguntei isso com segundas intenções, como ela ser a minha empregada particular, vocês sabem.
— Certo, senhora. — Deu um sorriso singelo.
Perfeito, é um ótimo sinal, ela não está assustada. Isso é um grande avanço, vou provar que consigo ficar um dia sem ser grossa com alguém.
Entramos no closet perfeitamente espaçoso, milimetricamente decorado com prateleiras brancas, cabides, com um enorme espelho cobrindo toda a parede de frente para a porta. Nem vou falar que a decoração desse lugar deve ter custado uma fortuna, sendo que para o meu "outro eu", tempos atrás poderia parecer insignificante, mas hoje vale ouro.
Enquanto estamos guardando as poucas roupas, resolvi propor um assunto para conversarmos.
— Onde estão as crianças? — Coloquei um vestido florido na cabine.
— Estão tomando café, a mãe do patrão mandou eles se arrumarem, pois vão sair também — falou dobrando as minhas blusas básicas que custaram 7 dólares na promoção.
— Com quem? — Se eles estão tomando café com a mãe de Ryan, com quem mais eles sairiam? Bela, parabéns, que pergunta idiota.
— Com a senhora e a madame — respondeu como se fosse o óbvio.
Por essa não esperava, mas estou sentindo cheiro de enrascada, entretanto, sou mais esperta.
— Vou precisar que você venha comigo. — Tentei transmitir simpatia, com um sorriso gentil e amistoso, afinal, preciso de uma isca, pobre criança nem imagina o que a aguarda.
— Eu senhora? — A sua confusão foi palpável em seu rosto, dado a isso, a minha diversão apenas começou.
— Sim, e está lembrada do que falei? Sem senhora. — Minha voz soou calma, mas por dentro um vulcão entrou em erupção.
— Des... — Dei uma olhada levantando a sobrancelha esquerda. — Não acho bom uma empregada ir com a patroa para fazer compras. — Que mundo ela vive? Desde quando um funcionário não pode ser amigo do patrão? Não estamos mais na idade média.
— Mas não sou sua patroa, você é mais que isso. — Tudo bem, não sei por qual motivo disse isso, mas ela precisa se sentir à vontade comigo. Além disso, vou esfregar na cara de Ryan que não tenho barreiras, também, não é como se eu fosse chefe dela na realidade.
Ela abaixou a cabeça e assentiu. Quando terminamos, saímos do quarto, antes que ela fosse para o outro lado da casa, a mandei se trocar para sairmos.
Quando estou perto da cozinha escuto a voz da mãe de Ryan.
— Bela? Se arrume para sairmos. — Veio ao meu encontro.
— Mas já estou arrumada. — Olhei para a minha roupa, poxa!
Esqueci de pôr um vestido, estou com a blusa de Ryan. Por que Helena não me avisou? Acho que a assustei tanto que ela esqueceu de reparar em mim. Não posso ter apavorado a garota por tentar ser uma boa pessoa, ou posso? Porcaria, não vou me estressar. Deixei a velha aguardando e segui para me trocar. Péssima ideia pegar alguma blusa de Ryan para servir como pijama, porque esqueci o meu.
Vesti o mesmo vestido florido que usei outras tantas vezes, e calcei um calçado simples. Fiz um rabo de cavalo no cabelo e estou pronta.
— Agora está arrumada! — Exclamou enquanto estou descendo a escada.
— Vamos — comentei e saímos com Helena logo atrás de mim.
— Onde está Tiana? — Chamei sua atenção.
— Está com uma das empregadas — declarou ficando do meu lado.
Durante todo trajeto Helena ficou ao meu lado como um coelhinho assustado, novidade, agora transmito confiança?
Por incrível que pareça o automóvel chegou ao Macy's Butique, sem nenhuma briga e agressões verbais. Nem me lembro a última vez que estive aqui, mas tenho certeza que renovei o meu guarda-roupa todo nesse lugar, por outro lado, constatei, a localização do prédio pode ser perfeita já que fica entre a nona e a décima Avenida, onde contém todo os tipos de lojas: roupas, calçados, cosméticos, joias, etc... Os preços também não são muito acessíveis, porém, agora que fui reparar, como vou pagar esses produtos caros? Só espero não precisar vender um rim para quitar as minhas eminentes dívidas, já que não penso em nenhuma hipótese em aceitar o dinheiro de Ryan.
— Conheço um lugar que vende roupas do meu estilo, vou com Helena até lá, a senhora pode ver os objetos da casa com as crianças. — Tentei dobrar a velha, afinal de contas, ninguém merece gastar 200 dólares com uma peça de roupa, tendo em vista que esse é o preço do meu aluguel.
— Não se preocupe, tenho certeza de que você encontrará as roupas que lhe agrada aqui. E pode me chamar de Serena, senhora pareço uma velha — disse e seguiu em direção ao grande prédio, onde irei a falência pela segunda vez.
Só quero destacar, será que foi somente eu que percebi a ironia no seu nome?
— Vamos pestes. — Já estou nervosa, por isso nem percebi que chamei as crianças do meu apelido carinhoso.
— Esse dia vai ser interessante — expressou Tomas dando um de filhote de gazela.
Caminhei lentamente com o maior desgosto para a maca de tortura. Como se não fosse suficiente, todos ficaram iguais aos patetas seguindo a Dona Serena que mais parece um flash atrás de objetos que tenham enorme valor, dei graças a Deus que esses móveis serão comprados com o dinheiro do senhor Martillhe.
Após três horas correndo igual uma desesperada, perguntei aos meninos se tem uma solução para esse problema.
— Como deter essa maluca? — perguntei as bênçãos que estão deitados na cama box da loja de artigos para dormitórios.
— Impossível. — Quando já estava prestes a desistir, Tomas veio com uma afirmação. — Podemos fazer um trato. — Deu um sorriso torto.
— Outro? Um já não é suficiente? — Coloquei a mão na cintura.
— Você não tem direito nenhum de reclamar quando não está cumprindo o trato com perfeição.
— Como não estou comprido? — perguntei ofendida, já que não existe uma pessoa nessa face da terra que saiba cumprir um acordo tão bem quanto eu.
— Não tente me enganar, então, para o seu conhecimento a casa tem câmeras, e como sou um gênio muito aplicado, não é muito difícil saber sobre os acontecimentos da sua própria casa. — Nunca fiquei tão assustada com um sorriso em toda a minha vida.
— Você não... — Não posso acreditar.
— Entendo que seja difícil superar o passado, mas viver a mercê dele já é demais, e ainda por cima, cair na lábia do meu pai é pior ainda. Se não se importar posso dar a lista das mulheres que tiveram o coração partido pelo Don Juan e a minha mãe é a primeira da fila, mesmo que ela tenha merecido, tenho que afirmar. — Não sei o que é pior, as suas palavras ou o seu sorriso presunçoso.
— Tenho certeza de que empatia não é um traço da sua personalidade. — Saí da loja deixando todos para trás.
Preciso tomar um ar, ninguém merece estar sufocado em algo que não consegue sair. Qual foi o estrago que essa família fez em mim? Até umas semanas atrás as palavras de Tomas jamais me abalariam, mas agora. Sinceramente essa não sou eu, quero voltar a ser quem eu era, ser sensível não é uma característica muito agradável.
Olho para o oceano de pessoas a minha volta, muitas delas passeando olhando os objetos do shopping, outros trabalhando e alguns sendo completos vagabundos olhando a vida das pessoas. Cada loja tem seu espaço milimetricamente planejado, com decorações características do inverno, a estação ao qual estamos e que a pouco se findará.
Tento a todo custo não ter uma lembrança do meu passado, pois nessas horas aquilo que era para estar morto e enterrado, sempre torna a aparecer.
— Você está bem? — Olhei para baixo me deparando com o rosto meigo de Anthony.
Dos três ele é o mais sensível, e por incrível que pareça é ótimo em apartar brigas e oferecer conselhos, tenho certeza de que ele será um grande psicólogo.
— Só estou um pouco cansada. — Me encostei na parede.
— Não perguntei em relação ao seu físico. — Me encarou com os seus belos olhos azul mar.
Quando Ryan estava fazendo essas crianças o que ele tomou? Só pode ser muito hormônio do crescimento.
— Acho que isso não é assunto de criança. — Me inclinei para ficar de sua altura.
— Não vejo por esse ponto, até mesmo quando as pessoas são muito solitárias elas tendem a ter o seu emocional abalado. — Tenho certeza de que minha boca fez um imenso Ô.
— Ahm. — Que mico, chega perdi as palavras.
— Tem assuntos que não podemos espalhar aos quatros ventos, mas há sentimentos que precisamos dividir com os outros, tenho certeza de que você tem amigas ótimas para isso. — Saiu me deixando embasbacada.
Nunca imaginei que uma criança me deixaria sem palavras, esse mundo é mesmo inacreditável.
Enquanto estou perdida em meus pensamentos, ouço uma voz familiar me cumprimentar sarcasticamente.
— Bela! Quanto tempo, ainda está viajando? — Fiquei pasma encarando Clara com seu sorriso seco.
Nem deu tempo de respondê-la com a mesma moeda, pois ouço uma voz meiga e, ao mesmo tempo baixa fazer uma pergunta a ela.
— Tia quem é a moça? — perguntou uma garotinha que está de mãos dadas com Clara.
— Isso mesmo, Bela, quem é você? — Direcionou a pergunta a mim.
Olhei para a menina de pele branca, olhos castanhos escuros e cabelos da mesma cor, ou seja, ela é a cópia perfeita de Hana. Os mesmos traços delicados do rosto, com lábios pequenos e rosados. Tenho certeza de que Hana ficaria orgulhosa pela filha que teve, mesmo que apenas tenha passado um ano com ela por minha culpa.
— Por quê? — Olhei para Clara pedindo respostas.
Parece que não foi o suficiente me fazer perder tudo? Quando essa vingança idiota vai acabar? Só espero que ela se arrependa, antes que se torne o que sou hoje.
A víbora apenas deu o seu costumeiro sorriso presunçoso, e direcionou para a criança a seguinte afirmação:
— Foi por causa dela que te criei. — Saiu levando uma menina confusa e me deixando completamente estupefata no lugar.
Como ela teve coragem? Não é possível que Clara tenha perdido completamente a decência do que falar para uma criança.
Isso não vai me abalar, sou mais forte que tudo isso. — Falei comigo mesma, como se estivesse rezando um mantra. Agora tenho certeza, não preciso de mais nenhuma surpresa para hoje.
— Apenas tenho uma palavra para você, tristeza. — Escutei a voz de Anthony soar. Droga, ele ainda está aqui? Pensei que tivesse partido, ótimo, agora ele sabe mais do que devia.
— Você é apenas uma criança, não sabe o que está dizendo. — Tentei afirmar, não demonstrando que as suas palavras mexeram comigo, enquanto ele se aproximava, já que estávamos em uma distância considerável.
— Não é legal quando as lágrimas lutam para descer, mesmo assim você custa em admitir que não é totalmente forte — comentou encarando-me —, não me recordo muito da mamãe, mas o papai deixou em nossos quartos vídeos dela, segundo ele é para jamais esquecermos os seus olhos angelicais, para temos a certeza que ela sempre nos amou. — Senti que ele quer chorar.
— Você lembra o que aconteceu depois? — Interessei-me pela sua história.
— Impossível, na época era muito pequeno, mas se quiser pode perguntar a Tomas depois, ele deve ter mais detalhes. — Deu uma pausa. — Gostaria de ter crescido com uma mãe. — Transpareceu um semblante triste.
— Você ainda pode ter uma mãe. — Me abaixei o abraçando.
— Será, ou ela está muito assustada para ter vários pestinhas? — Nessa hora o abracei com mais intensidade, fazendo-o retribuir, estranhando a minha ação.
Sinceramente, agora não me reconheço, mas espero realmente, que esse surto de emoção passe. Suspirei o tendo ainda mais perto de mim, como se a distância mínima que estávamos não fosse suficiente. Querida Bela, o que esses "anjinhos" estão fazendo com você?
Gente espero que tenham gostado desta maratona de capítulos, até.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top