Capítulo 18
Coloquei a pasta no meu rosto para não ser identificada, afinal de contas, será humilhante se ela me enxergar. Entretanto, acho isso impossível, graças ao meu azar com certeza ela irá me avistar.
Andei a passos longos, caso o seu radar resolva me interceptar. Enquanto estou me dirigindo ao saguão de entrada, trombo em algum idiota que me faz cambalear para trás consequentemente deixando meu rosto perceptível a todos. Poxa! Me apressei e olhei para o lado, encontrando os perfeitos olhos azuis de Clara cravados como estacas na minha direção. Arregalei os olhos e com uma tamanha agilidade me dirigi à recepção, sem ao menos mirar mais uma vez para a madame falsidade.
— Com licença, meu nome é Bela Solano. Estou aqui para entregar um currículo, com quem posso deixar?
Tentei ser a mais educada possível, porém a abençoada da recepcionista soberba nem olhou para o meu rosto, apenas estendeu a mão e pegou o currículo sem dar a mínima satisfação. Gente mal-educada, não sei o motivo, mas estou pressentindo que o destino desse currículo será a lixeira.
— Mal-educada, estou falando com você, para a sua informação. — Tentei chamar a atenção da mulher com pescoço de girafa.
— A senhora não está vendo que estou ocupada — expressou em descrença.
— Em primeiro lugar, senhora aqui é a sua mãe e em segundo, é melhor esse currículo chegar à direção, do contrário, não sei se terá esse emprego para alimentar a sua arrogância. — Demonstrei um semblante de um psicopata. Ela quer brincar com fogo, é fogo que terá.
Na hora a aparência da mulher mudou drasticamente para uma expressão de horror. Estava com saudade de atuar como se não tivesse sentimentos, é divertido brincar com as emoções dos outros.
— Não sabia que o seu passatempo era importunar recepcionistas insignificantes?
Essa voz, não! Respirei fundo e me acalmei, ela não pode me descontrolar.
— Não sabia que isso era da sua conta? — Me virei para Clara, que está como uma cravada letal em minha direção.
— Tem certeza que deseja começar esse joguinho de criança? Pensei que tinha aprendido com o tempo. — Demonstrei meu semblante nêutron para esta, após a sua observação.
— Aprendido o quê? A como roubar a sua melhor amiga? — Levantei a sobrancelha com uma pitada de ironia.
— Não seja ingênua, apenas paguei com a mesma moeda. — Colocou um fio do seu cabelo castanho atrás da orelha, esbanjando um sorriso cínico.
— Não fiz nada para merecer o seu ódio.
— Não sabia que tinha perdido a memória — disse em um tom de falsa pena.
— Você está doida, a ganância certamente mexeu com seu cérebro. — Revirei os olhos e olhei para a recepcionista que está parada ouvindo a nossa conversa. — Perdeu alguma coisa aqui? — Me irritei.
A moça se assustou com meu súbito aumento de voz, a deixando desnorteada. Após um tempo examinando as minhas palavras, voltou ao seu trabalho com o rosto completamente vermelho. Me segurei para não rir, e saí sem dar a mínima atenção a cadela ao meu lado.
— Espere, temos assuntos a tratar — falou me perseguindo até a entrada do prédio.
— Não tenho nada para conversa com você. —Virei e me dirigir a estação do metrô, mas Clara puxou a minha mão.
— Trabalhe para mim e devolverei tudo que você perdeu. — Suas palavras soaram confiante.
Olhei para ela, pasma, nunca imaginei ouvir isso da sua boca.
— Não sou besta para cair em um dos seus truques.
— Não é um truque, apesar da sua arrogância e prepotência você não é burra. E esse conhecimento me será muito útil. — Demonstrou um semblante sério pela firmeza em suas palavras.
— Você acertou, não sou burra o suficiente para trabalhar novamente com você.
— Então, venderei a empresa.
— Por qual motivo? — Me aproximei.
— Não quero aquela empresa, detesto moda e você sabe muito bem disso. Só a tirei de você para me vingar e nada mais.
Tenho certeza de que ela está jogando, se uma coisa que Clara consegue fazer bem, é ser mais sagaz que uma cobra.
— E qual será o seu lucro se eu concordar com a sua proposta? — Questionei.
— Isso você vai ter que pagar para ver. No entanto, pense, é melhor trabalhar como babá de quatro pirralhos ou ser minha funcionária? Lá você só se rebaixará a mim. E o melhor de tudo, terá todo o seu conforto de volta, ou é melhor viver em uma pensão com pessoas que não tem onde caírem mortas e, ainda por cima, em um quarto que não tem nem um terço do tamanho do seu antigo banheiro? Vou deixar você pensar, me ligue quando tiver a resposta.
Saiu deixando apenas o rastro do seu perfume Coco Noir da Chanel, parece que faz décadas que não sinto esse cheiro.
Tenho que admitir, Clara é linda, isto é, no quesito beleza nem me comparo a ela, mas... Não tenho essa formosura toda, pois sou completamente normal, entretanto, consigo ser mais humana do que ela. Tenho a pele em uma tonalidade clara, encardindo a cada travessia dos raios solares. Também, possuo olhos castanhos sem nenhuma graça, cabelo preto ondulado que vai até à metade da minha cintura. E se você estiver pensando, ah, agora vem a parte boa, ela vai dizer que possui exuberantes curvas com uma bunda e seios enormes. Sinto te decepcionar, tenho um formato de corpo ampulheta, com uma bunda mediana (quero ressaltar, essa é a única parte do corpo que me agrada) e seios médios. Não chego a ser grande coisa em relação à Clara que possui um exuberante corpo violão, com belos seios fartos, com uma bunda de dar inveja, alta nos seus 1,75 de altura. Com o acréscimo de uma pele perfeita de porcelana, olhos azul-celeste, boca em um formato de rosa e um rosto perfeitamente angelical que a deixa com uma aparência de pura, santa e imaculada — doce engano.
Respirei fundo e parei de observá-la quando entrou no carro.
Me dirigi à estação, enquanto espero o metrô penso na proposta de Clara. Ela não é nem um pouco confiável, aprendi isso da pior maneira. Tenho certeza de que a madame está tramando algo, não quero aceitar, pois terei que me rebaixar a ela. Mesmo que a proposta seja tentadora, quando vejo que me livrarei daquelas pestes, não verei a perdição daqueles olhos verdes todos os dias, não terei que morar naquela bendita pensão e não olharei todos os dias para aquele povo. No entanto, a única coisa que sentirei falta será das meninas, mesmo que me custe a admitir, gosto delas.
Enquanto estou pensando, o metrô chega, entro e me sento dando graças a Deus por essa hora o metrô não estar cheio.
Vou o trajeto todo pensando nos prós e contras dessa proposta.
Quando estou perto da pensão vejo um homem conversando com Dona Linda na porta da casa.
Ele é moreno claro, pelo seu perfil parece ser forte, cabelo bem cortado na altura da nuca em um tom bem preto e parece ter mais ou menos 1,80 de altura.
Quando chego próximo ao local, Dona Linda dirige sua atenção para mim.
— Boa tarde, menina, o almoço está na cozinha.
— Boa tarde — cumprimentei na intenção de seguir o meu caminho.
O homem se virou para mim, me mostrando completamente seu visual. Ele possui olhos na cor do mel, combinando perfeitamente com o tom da sua pele, está vestido com roupa militar como se estivesse chegado do quartel.
Passei por ele, e ainda tive tempo de o ouvir falar.
— Mais tarde passarei aqui para vê-la.
Depois disso tenho certeza de que ele saiu, entrei na casa e bati a porta.
A Vida dos outros não te interessa, lembre-se disso. Nem pense em comentar o que você viu com alguém. — Repeti isso mil vezes para o meu subconsciente entender.
Fui repetindo esse mantra até chegar no quarto. Peguei minhas roupas e tomei um banho rápido, pois o que mais quero fazer agora é comer.
Após colocar um vestido florido de malha, desci a escada e entrei na cozinha me servindo com um pouco de macarrão, purê de batatas e um bife acebolado.
Sentei-me na mesa e comecei a comer rapidamente, parecendo que não comia a dias.
— O que aconteceu? Parece que veio da guerra — Dona Linda indagou.
— Não tomei café e andei a manhã toda — falei quando esvaziei a boca.
— Você não disse que iria comer na rua? Menina não acredito mais em você. — Demonstrou uma falsa irritação.
— Está tudo bem, já acabei. — Mostrei o meu prato perfeitamente limpo a ela.
A senhora apenas riu e foi para outro canto da casa, enquanto isso levantei, lavei o prato e subi novamente para o quarto.
Deitei-me na cama para descansar um pouco e acabei pegando no sono.
Acordei com o barulho das meninas cochichando no quarto.
— Não acredito que ele voltou — falou Lúcia hesitante.
— Ele avisou? — Disse Ângela calmamente.
— Sim, mas deixei bem claro, se ele fosse embora não o queria mais de volta.
— Disse certo, queria, pois agora já quer. — Riu Ângela.
— Quieta! Você não sabe o que fala.
— Sei sim. Percebi como você ficou quando a Dona Linda falou que ele passou aqui.
— Por que não o esqueci? — pronunciou abafando o grito com o travesseiro.
— Psiu! Você quer acordar Bela? — Sussurrou.
Aproveitei essa deixa para fingir que estou acordando. Soltei um bocejo e fingi despertar.
— Oi! Que horas são? — Perguntei normalmente.
— Oito da noite — comentou Lúcia deitando-se em sua cama.
— Tudo isso? Não acredito que dormir esse tempo todo. — Me espreguicei.
— Como foi a entrega dos currículos? — Lúcia perguntou.
— Encontrei a mulher que me deixou na miséria. — Soltei sem querer, quando percebi já era tarde.
— O quê? — Sentou-se na cama de supetão.
— Não é nada, Lúcia.
Ótimo, agora como vou enrolar ela perante essa história?
— Você sabe que pode contar com a gente? Amigas são para isso. — Segurou a minha mão.
— É Bela, estamos aqui para isso — confirmou Ângela entrando na conversa de repente.
— Até parece. Até parece que vou me abrir com vocês, se as senhoritas ficam cochichando nas minhas costas. —Tentei ser a mais sincera possível.
— Do que você está falando?
— Vocês acham que não ouvi a conversa? — Argumentei.
— Isso é um assunto particular, não tem nada a ver com a nossa amizade. — Lúcia tentou explicar, enquanto Ângela está parada feita uma estátua.
Revirei os olhos e ignorei a sua afirmação.
— Pode confiar na gente.
— Não confio mais em ninguém, é por causa dessas amizades que estou aqui — confabulei me retirando do quarto.
Respirei fundo e desci a escada, sem falar com ninguém, sai da pensão. Para esfriar a cabeça comecei a caminhar pelas ruas movimentadas. Como no momento estou morando em um bairro residencial, observo as casas grandes e enfileiradas, muitas com três, quatro andares, a maioria com um acabamento na pintura desgastado e outras bem decoradas. Abracei o meu corpo para dissipar um pouco do frio, pois esqueci de pegar o casaco, sendo que estou com um vestido curto e fino. Aliás, são 20h, ou seja, tudo indica que dormir bastante, mas por que ainda me encontro cansada?
Sentei-me em um banco da praça colocando os cotovelos sobre as minhas pernas e, apoiando consequentemente minha cabeça entre minhas mãos.
Que vida, quando a minha história vai parar com esse drama todo? Está mais para uma piada do que para vida real.
Quando era pequena tinha o costume de contar a minha mãe tudo que me acontecia. Mas quando ela morreu, isso ficou impossível, então peguei o costume de guarda tudo para mim. Porém, com a morte da mamãe me apeguei muito a Clara e comecei a confiar nela cegamente. Depois dela veio Hana a sua irmã gêmea, éramos inseparáveis, como às três espiãs. Com o tempo nos distanciamos e com a morte de Hana esse afastamento piorou. Contudo, tudo isso é passado, nada mais importa, não posso trazer Hana de volta e Clara continuará me odiando pelo resto da vida.
Enquanto estou em meus pensamentos, ouço uma voz meiga me chamar.
— Senhorita Bela, não sabia que morava por aqui.
Levantei o meu rosto encontrando a menina da mansão de aparência magra e raquítica. Qual é o nome dela mesmo? Parece que não está com tanto medo assim para me dirigir a palavra. O que será que aconteceu?
— Desculpe incomodar, mas estava passando e vi a senhora aí parecendo estar deprimida.
Acho que ela não aprendeu a lição da senhora. Mas não vou irritar a pobre garota, pelo menos não hoje.
— O senhor Martilhe mandou entregar essa carta a senhora, quando estava prestes a sair, ao que parece ele sabe que moramos perto. Tinha a intenção de entregar amanhã no trabalho assim que a senhora chegasse, mas como nos encontramos, posso lhe entregar.
Essa é novidade, olha o nível que cheguei para morar perto de gente assim.
Ela me entregou a carta e saiu. Tenho certeza de que a menina só veio ao meu encontro porque não teve jeito, quis rir.
Enquanto avalio o andar esganiçado da moça, imagino o motivo para ele enviar essa carta se poderia muito bem ligar ou mandar uma mensagem. Sabe de uma coisa, deixa para lá, não vou me irritar com esse homem.
Dobrei a carta e caminhei de volta a pensão.
Espero que tenham gostado desse capitulo, não esqueçam de votar e comentar, até a próxima.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top