Capítulo 14

Sr. Martilhe

O que acontece quando você olha para alguém e sente que essa ação não poderia estar acontecendo? Como se algo te impedisse de viver, como se não fosse você mesmo. Bom, esses pensamentos se tornam borbulhantes a cada passo em que dou para o declínio, certamente, fatal.

Finalmente, mais um dia de trabalho chegou ao fim. Quando estou prestes a sair do carro, Paul fala:

— Senhor, a governanta mandou avisar que os seus filhos o esperam antes de dormir.

— Não tenho tempo, eles podem dormir por conta própria. Amanhã trabalharei pela tarde. — Comuniquei, e sem esperar uma resposta me dirigir ao escritório.

Adentrei o local que parece ainda mais sombrio desde a última vez que estive aqui. Como esquecer aquele dia? É praticamente impossível. Me joguei na poltrona massageadora de couro preto e comecei a relembrar.

Espero que você não cometa nenhum erro, senão serei obrigado a puni-la.

Queria deixá-la à vontade, afinal, já estou acostumado a lidar com esse tipo de mulher, mas em vez disso fui surpreendido, com ela correndo como uma gatinha assustada. Quando Bela saiu não aguentei e comecei a rir. Tinha a ciência da sua presença do lado de fora, pois, consegui ouvir a sua respiração ofegante e seus suspiros entrecortados aparentando ter corrido uma maratona. Mesmo assim não parei de rir, queria provocá-la. Pareço uma criança ao pensar assim, mas ela me deixa assim desde...

Encerro meus devaneios ao perceber a loucura que estava prestes a cometer, de maneira nenhuma devo misturar um favor com algo prazeroso, é contra a regra de qualquer questão ética. — Sorrir, pressentindo que daqui por diante a ética e a moral ficarão em segundo plano.

Quando a contratei a minha intenção não era tê-la como babá dos meus filhos, mas desde que os meus olhos se encontraram com os seus algo me instigou, me deixando provocativo. Pareço até um adolescente com hormônios a flor da pele. Não estou falando aqui de atração, está bem longe disso, visto que, sua personalidade não me encanta. Estou cheio de mulheres superficiais, sem nada a acrescentar. Ela não me engana, sei que foi uma empresária de sucesso em Malibu. Não sou desatualizado do mundo secular, pensando ela que seu segredo estaria protegido. Porém, o que me deixou fascinado é o motivo pelo qual ela não recorreu quando perdeu a empresa, tenho plena certeza que tem coisa podre por trás desta história.

Sou interrompido dos meus pensamentos quando o celular toca. Olho o nome gravado e atendo com um sorriso irônico.

— Quem é vivo sempre aparece. — Apoiei o iPhone no ombro enquanto afrouxo a gravata.

— Pare de brincadeira Ryan. — Disse em um tom estressado.

— O que aconteceu dessa vez Miguel?

Conheço Miguel Solano desde a minha infância, recordo-me quando éramos meros adolescentes, nossos pais tinham uma contenda idiota que me impediu muitas vezes de visitá-lo, mas não tiveram como evitar a nossa aproximação que se fortaleceu com o passar dos anos, tendo seu fim no último ano universitário, quando nos distanciamos. Recordo-me da despedida, aquela bendita noite, que custa tanto ser esquecida... bom, diferente dele que não teve problema em ter contato com a minha família, tendo em vista, a sua cara de pau extrema, fazendo questão de aborrecer até o último neurônio da minha irmã. Em contraponto, sou muito mais reservado para me aproximar de alguém ou lugar onde não sou bem-vindo, até hoje.

— Você não está cumprindo o nosso acordo, já tem mais de um mês que a Bela está nessa situação — pronunciou parecendo irritado.

— Não posso fazer nada. A contratei a menos de uma semana, não posso fazê-la se apaixonar por mim nesse tempo — falei tirando o paletó e ligando o ar-condicionado em seguida.

— A sua amante se apaixonou por você em uma noite.

Nessa hora não tive como me segurar, só me restava rir.

— Corrigindo, ela se apaixonou em uma noite pelo meu dinheiro — retruquei, rindo com o seu comentário.

— Então use a mesma tática — falou como se fosse óbvio.

— Impossível, diferente da minha amante, a sua irmã tem orgulho e um bem grande por sinal. — Passei a mão no rosto em sinal de descontentamento.

— Isso não é problema para você.

— Claro que não, no entanto, qual é o motivo do plano?

Miguel me informou sobre esse "propósito" descabido e, ainda por cima, me fez participar dele com a desculpa de que devo vários favores a ele pelos meus erros do passado, e chegou a hora de retribuí-lo. Maldita hora em que fui aprontar e pedir a ajuda do irmão da Bela para me acobertar.

— Minha irmã tem que aprender uma lição. Já estava me esquecendo, quando ela receber o primeiro salário não esqueça de me avisar.

— Por quê?

Ele não respondeu, apenas desligou. Isso é bem a cara de Miguel. Temos uma amizade de décadas, algo que não vale a pena ser ressaltado, já que, antigamente ele não sabia o que queria da vida, bem diferente do que é hoje. Na verdade, todos nós mudamos, só resta saber se é para melhor ou pior.

Parei de pensar besteira e voltei ao trabalho. Saí do escritório às 3h da madrugada, agora não tenho força para mais nada. Cogitei a possibilidade de visitar alguém, novamente, essa noite, porém lembrei que ela não se encontra mais no seio da minha proteção, mas, não por muito tempo. Que tosco, pensando assim, pareço um psicopata.

Como nada é perfeito ouço do além uma música tocar, e só depois de alguns segundos, percebi o meu celular ecoando.

Olhei para o teto em uma tonalidade cinza neutro assim como todo o quarto e, suspirei fundo.

Peguei o aparelho destacando 10h da manhã e olhei o visor que ressalta muito bem o número desconhecido.

Espero que não seja trote a essa hora do dia.

— Senhor Martilhe? — disse, ao que parece, uma mulher do outro lado da linha.

— Sim.

— Bom dia, sou a secretária do senhor Gaiolo. A sua assistente me informou que o senhor deixou o número privado para contato.

Poxa, esqueci que deixei o meu telefone particular, para contato com o senhor Gaiolo.

— Estou ciente — informei sem muito ânimo.

— Ele mandou avisar que irá atrasar uma hora. — Não respondi, apenas deixei que ela concluísse a ligação. — Isso é tudo, desculpe o incomodo e tenha um bom dia.

Joguei o celular no outro lado da cama e passei a mão no rosto, contrastando que ainda possuo tempo para dormir mais um pouco. Nem bem prego os olhos, dois segundos depois, ouço algo chocando-se ao chão fazendo um estrondo horroroso. Passei a mão no rosto e me levantei rapidamente. Imaginando de onde seria esse barulho. Rapidamente visto uma bermuda bege e saio do quarto.

Enquanto caminho pelos corredores escuros da casa vou ao segundo andar, ao que parece foi de lá que veio o estrondo, já que estou no terceiro andar.

Nem precisei entrar no local para ter noção do que aconteceu. Já que tenho filhos, e esses fazem questão de complicar a minha vida.

— Tomas você está louco, o papai vai te matar quando descobrir que você quebrou o jarro preferido da mamãe.

— Calado Anthony, sei o que estou fazendo — exprimiu Tomas, em um tom de voz compassado que herdou do seu digníssimo pai, ou seja, eu.

— É um mau plano quebrar o vaso preferido da mamãe para colocar a culpa na babá. — Alexandre fez questão em marcar presença.

— Já mandei ficar quieto — murmurou baixinho.

Entrei no quarto sem que eles percebessem. Faz um tempo que não entro nesse lugar, desde a sua partida, reparo cada canto arejado do cômodo. Ela amava flores e emanava o cheiro delas também, ainda possuo recordações ótimas, pena que não soube aproveitar enquanto podia. Os empregados não têm ordem para tirar nada do lugar, só é feita a limpeza semanalmente e pronto.

As paredes rosas ainda possuem os mesmos detalhes floridos, os quadros de paisagens ainda estão como antes. Toda a decoração é delicada como ela. Tenho certeza, se ela estivesse aqui esse lugar estaria cheio de flores e decorações nos estilos mais femininos e variados.

Recordo-me que fiz esse quarto de arte para a minha esposa no nosso segundo ano de casamento, algo que a deixou muito feliz, pena que foi nele o esconderijo da sua maior tristeza.

Enquanto estou observando o lugar os meninos notam a minha presença.

— Pai, o que o senhor faz aqui? — disse Anthony com o semblante assustado.

— Obrigado por me informar das suas travessuras — falei direcionando o meu olhar para Tomas.

— Será que ele ouviu — cochichou Alexandre no ouvido do irmão gêmeo.

— Dá próxima vez que encontrar vocês aqui, não sairão impune.

Assim que termino de falar, eles deixam o local rapidamente. Balancei a cabeça negativamente e recolhi os cacos do enorme vaso feito por minha mulher.

Lembro como se fosse hoje o dia em que ela me mostrou esse troço, pensei que fosse uma de suas esculturas esquisitas.

— Ryan, olhe! — exclamou eufórica — Acha que tenho talento? — perguntou com seu sorriso esbanjando a alegria que tanto amo.

Olhei para o objeto desafortunado de formosura a minha frente, tentando descobrir o que o torna tão singular.

— Ahm, é lindo mesmo eu não sabendo o que é — falei coçando a cabeça.

Ela revirou os olhos e veio ao meu encontro pousando a sua mão sobre o meu ombro, não perdi tempo e a beijei a pegando desprevenida fazendo-a rir.

— Pare seu safado, senão vai estragar a minha obra de arte — falou alisando o objeto como se fosse um bebê.

— Você está precisando ter alguém para cuidar, que tal começarmos a treinar. — A abracei aconchegando a sua cabeça no meu peito.

— Iria amar, principalmente se ele fosse igual a você — disse sorrindo encerrando nossa conversa com um casto beijo.

Estou tão entretido nos meus pensamentos que terminei me cortando com um caco do vaso.

— Era só o que me faltava. — Me levantei para pegar um pano, antes que sujasse o chão amadeirado com pingos de sangue.

Quando abro a porta para sair, acabo trombando com a minha adorável surpresa.

— O que temos aqui? — pronunciei com um sorriso galanteador a avaliando de cima a baixo.

Ela me encarou parecendo que viu um fantasma, tossiu e depois balançou a cabeça dando um meio sorriso sem graça. Tenho que admitir, toda vez que vejo seu sorriso parece que vou me perder dentro dele, pena que essa reação sua não é frequente.

— Desculpe senhor, sua governanta me mandou conferir o que aconteceu — falou desviando os seus olhos dos meus.

— Está tudo sobre controle, porém preciso de um pano — disse e mostrei minha mão a ela.

— Não tinha percebido. Vou pegar um pano. — Sem ao menos ouvir a minha resposta, ela saiu correndo.

Dei uma pequena risada e sacudi o rosto. Tenho certeza, se ela não tivesse toda essa arrogância, seria muito divertida com o seu jeito espalhafatoso.

Após uns cinco minutos, finalmente Bela voltou.

— Se fosse para morrer já teria morrido — esbanjei quando ela parou próxima a mim.

Enquanto esta apenas revira os olhos apertando simultaneamente o pano no ferimento, grosseiramente.

Me segurei para não soltar o berro com essa garota. Espero que Miguel me dê um prêmio bem valioso por fazer esse pedaço de cavalo se apaixonar por mim.

— Agora o senhor está melhor? — perguntou feliz em ver o sofrimento alheio.

— Ficaria melhor se você me acompanhasse em um banho. Afinal de contas, vou ter dificuldade por causa da mão. — Aproximei o meu rosto do seu.

Ela nem ao menos me deu uma resposta, apenas virou a cara e saiu. Me controlei para não explodir em gargalhada.

É 13h da tarde e estou em mais uma reunião, provavelmente terei que viajar daqui a duas semanas para resolver problemas de negócios no exterior. E para o meu total desespero nessa época será as férias das crianças.

Quando imaginei em ser um empresário do ramo tecnológico, não cogitei que fosse tão complicado e desgastante. Ao mesmo tempo que você fica deslumbrado com as novas invenções dos cientistas, pesquisadores e desenvolvedores, em contraponto gera no interior uma incerteza, tendo em vista a imprecisão desse mercado. Sei que a minha organização tem uma cultura conservadora, mas tenho a plena ciência de que estamos em constante processo de readequação, isto é, para uma empresa não ficar defasada no mercado ela precisa adequar sua política, produtos e setores, o mercado muda constantemente, e com isso novas empresas surgem e milhares morrem a cada ano.

Nós temos uma estabilidade no mercado há décadas, sem uma remodelagem e reengenharia isso não seria possível. Meu avô era um homem visionário, ele trouxe isso para mim de certa forma, mesmo que eu esteja seguindo um rumo pouco diferente do seu.

— Martilhe?

Saí de meus pensamentos quando o senhor Gaiolo me chamou atenção.

— Sim.

— Então, estamos combinados, em dezembro nos encontramos novamente, aproveite e leve seus filhos já que estarão nas férias de inverno.

— Estava com essa intenção, mas creio que eles têm assuntos a resolverem. — Tentei desmotivá-lo, pois não possuo o mínimo interesse em levar meus filhos a viagem, preciso de sossego e com essas crianças sei que não terei, principalmente o Tomas com sua mania de chamar atenção.

— Não temos não. Podemos ir pai por favor?

Olhei para Bela, enraivado, enquanto a mulher vem correndo atrás das crianças, já que eles saíram em disparada a sua frente.

— Os meus filhos vão adorar brincar com vocês — pronunciou o senhor.

Me despedi do senhor Gaiolo e olhei para às quatro cabeças na minha frente.

— Então, quem começa? — Tento me manter calmo, não posso me estressar por besteira.

— Por favor pai, prometemos nos comportar?

— Alexandre está certo, não vamos atrapalhar o trabalho do senhor — Anthony confabulou.

— Não posso levar vocês sozinhos, preciso de uma babá para cuidar da sua irmã — e de vocês — pronunciei mentalmente o último trecho, colocando a mão no queixo.

— A Bela pode ir — Anthony disse fazendo uma careta para que os irmãos concordassem.

Nesse momento a encarei, contemplando o seu olhar desesperado e em agonia, mesmo com essas feições que refletiam o desespero, ainda continua bela, como sempre.

— O quê? Não posso aceitar, isso será impossível. — Queria rir da sua cara de desespero, mas me contive.

— A senhora é nossa babá e tem que nos acompanhar. — Transpareceu uma voz doce ao falar. Se eu não o conhecesse acreditaria que Alexandre era uma criança muito meiga.

— Calado peste. Ahm... Quer dizer, silêncio bênção... Crianças vocês podem me deixar sozinha com seu pai? — Corrigiu seu erro meio a contragosto.

Agora fiquei interessado com o seu comentário, principalmente com a palavra peste. Ah, se ela soubesse que essa palavra é usada diariamente no meu dicionário.

Não esqueça... — Antes deles saírem Tomas falou uma frase, mas só consegui ouvir o começo.

— Quero deixar claro, isso não está escrito no nosso contrato — afirmou convicta.

— Isso não será problema, se você aceitar receberá por fora, é claro. Entretanto, se não quiser aceitar não vou obrigá-la — Tentei ser singelo.

Ela apenas suspirou fundo e olhou para o chão, depois levantou a cabeça e se dirigiu a porta.

— Aceite, tenho certeza de que até lá as crianças vão ter se acostumado você. — Parei em sua frente.

Espero que eu não saia daqui careca. — Ela falou tão baixo que quase não a escutei.

— Tenho certeza de que será a careca mais bela que existirá — falei dando um sorriso encarando seus olhos. Levei a minha mão ao seu queixo a suspendendo.

Ela me olhou como se quisesse entender o que está acontecendo. Contudo, apenas balançou o rosto negativamente e saiu do local como se precisasse negar algo para si mesma.

Olhei para a estante de livros na sala de reuniões e respirei fundo. Apenas coloquei um propósito na mente, que a caçada comece.

Gente, espero que gostem da visão do senhor Martilhe. Viu como sou um anjo esse capítulo está grandinho, e não esqueçam de votar e comentar, beijos...

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