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Pré-revisado, boa leitura.
Trégua instável
O corpo dela repousava como se houvesse alcançado a graça divina, envolto em seda macia que abraçava seu corpo lentamente, proporcionando uma sensação de calor e conforto. Os olhos de Sn se abriram lentamente, ajustando-se à luz suave que filtrava através de um dossel de ouro em meio a um emaranhado de seda e tapeçaria belíssima que descia pela estrutura da cama no estilo princesa. Confusa e atordoada, a jovem coçou os olhos para despertar completamente, percebendo que estava em um ambiente desconhecido, mas incrivelmente luxuoso.
Ao olhar ao redor, Sn notou a opulência do quarto. As paredes eram decoradas com pinturas de paisagens celestiais e cenas mitológicas, enquanto móveis de madeira esculpida e adornada com detalhes dourados completavam o cenário. Cortinas de seda pendiam das janelas, que deixavam entrar uma luz dourada, banhando o quarto em um brilho suave e acolhedor. Tudo indicava que ela estava nos domínios de Amaterasu, a Deusa do Sol.
A realidade da situação a atingiu quando suas mãos instintivamente foram ao peito, procurando o ferimento causado pelo báculo. Com respiração pesada e ansiosa, puxou as roupas e sentiu um alívio imenso ao ver que seu corpo antes ferido estava curado. No lugar do rombo próximo ao coração, havia algumas costuras que pareciam formar uma constelação, um padrão que brilhava suavemente sob a luz.
"Que estranho..." pensou a jovem, passando a ponta dos dedos pela marca ainda sensível. A sensação de pele magoada a fez estremecer levemente, recordando de toda a cena e violência anterior, e enquanto tentava entender o que estava acontecendo, a porta do quarto se abriu silenciosamente, revelando a figura imponente de Amaterasu. A deusa do sol irradiava uma presença poderosa e majestosa, seu olhar intenso fixando-se na humana. A tensão no ar era palpável, e Sn sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
-- Vejo que acordou -- disse Amaterasu com uma voz que era, ao mesmo tempo, calorosa e autoritária, como se estivesse perguntando por obrigação — e estava. -- Como se sente?
Sn hesitou por um momento, tentando encontrar palavras adequadas para responder.
-- Eu... estou melhor, eu acho. Obrigada por me salvar. -- respondeu ainda tentando processar a situação.
Amaterasu assentiu levemente, seu olhar suavizando-se um pouco.
-- Não fui eu quem te salvou, e sim Tsukuyomi. Por mim tanto faz se morresse naquele lago ou não. -- A humana revirou os olhos.
-- Eu não entendo por que me odeia tanto, não te fiz nada. E se minha vida não tem importância, por que me permitiu ficar aqui?
A deusa do sol respirou pesado, não contaria que o próprio Tsukuyomi concedeu a ela sua proteção. Amaterasu fez uma pausa, observando a reação de Sn e depois respondeu:
-- Tenho meus motivos, mas saiba que sua presença aqui ainda é controversa. Muitos não a querem entre nós e eu sou uma delas.
O olhar de raiva suavizou em arrogância e Sn sentiu um nó se formar em seu estômago ao ouvir isso. Apesar da gratidão pela ajuda de Tsukuyomi, a hostilidade dos outros deuses era evidente.
-- Eu não quero causar problemas... -- começou Sn, mas Amaterasu levantou a mão, interrompendo-a.
-- Pouco importa, por enquanto está sob minha proteção, e isso pode ser mudado facilmente. -- A deusa do sol suspirou, como se ponderasse sobre algo importante. -- Por enquanto, descanse e recupere suas forças. Haverá tempo para discutir seu futuro entre nós.
Com essas palavras, Amaterasu virou-se e saiu do quarto tentando manter a compostura, deixando Sn sozinha com seus pensamentos. A jovem humana deitou-se novamente, sentindo o peso das incertezas e perigos que a cercavam. Ela sabia que sua vida nunca mais seria a mesma, e a cada momento a oportunidade de voltar a vida na terra parecia mais distante.
No panteão japonês Inari respirava frustrada com as informações passadas por Ayame, o chão tremeu forçando a raposa a tomar uma forma infantil enquanto se escondia nos braços da deusa do arroz.
O deus da calamidade, aquele dado como mais humilde, caminhava entre seus iguais com uma imponência que esmagava qualquer outra característica a seu respeito, aqueles mais fracos se afastavam diante da Fúria implícita em seu caminhar, uma aura tão mortal que mudou rapidamente o ambiente.
-- Susanoo -- Inari se apressou em ir ao encontro do deus antes que algo saísse do controle. A Deusa então contou tudo o que sua raposa espiritual descobriu e a cada nova palavra as veias das têmporas de Susanoo saltavam com uma raiva exasperada transformando sua face.
O deus tão bom e gentil, naquele momento já não existia mais.
-- Os domínios de Tsukuyomi são restritos pela punição de Izanagi. -- Susanoo assobiou e ergueu o braço direito, o rasante frio que passou por toda aquele salão fez com que os deuses abaixassem rapidamente para não ser atingido, quando o pássaro majestoso pousou no braço do deus as finas descargas elétricas eram contidas apenas pelo poder do Mikoto a pelagem negra e os olhos acesos em um claridão âmbar chamavam atenção e Inari respirou pesado.
Aquele no braço direito de Susanoo se tratava de ¹Norowareta Karasu, uma criatura tão lendária quanto a raposa de Inari, entretanto muito mais perigosa.
-- Onde ela pode estar? Não há como acessar a lua, sabem que Tsukuyomi não permite. -- A respiração de Susanoo pesou com as palavras de Inari, será que seu irmão seria tão estúpido ao ponto de levar sua noiva para um local inacessível? Afinal de contas, por que Tsuky se meteria em um assunto que não lhe diz respeito?
Tais perguntas prejudicavam o raciocínio de Susanoo, mas o piar de seu corvo fez com que piscasse e uma luz se acendesse a mente. Havia um local e uma única deusa em quem Tsukuyomi confiava a própria vida.
[...]
Ato.6 O dever de um noivo
A descida do pássaro aos plano solares foi bruta, os raios faiscaram quebrando o piso ao redor, as enormes asas negras ficaram ainda maiores, como se fosse um casulo perfeito e quando se abriu o deus jazia parado ali, levantando calmamente, o estrondo foi o suficiente para que os portões do palácio imperial a deusa do sol saiu calmamente encarando o local e se deparando com a curta destruição e o olhar assassino do mais velho.
Amaterasu respirou fundo, estalando os dedos e observando seus servos solares se aproximarem do irmão.
-- Pare de destruir minha moradia, não seja tão mal-educado! -- Ela então se virou de costas e ergueu a barra do vestido, por cima dos ombros encarou o enorme pássaro e crispou o cenho olhando para o irmão mais velho. -- Está convidado para entrar, mas livre-se desse corvo azarado.
-- Onde está ela? -- Susanoo ignorou completamente as palavras da irmã mantendo o corpo em tamanho padrão e Amaterasu massageou as têmporas, odiava todo o caos que uma mera humana estava trazendo para a sua casa.
-- O seu brinquedinho ridículo está muito bem. -- Em um estalar de dedos o corvo foi enchido com uma aura de luz até que explodisse e queimasse lentamente o braço do deus da calamidade, mas não tardou mais do que dois segundos para o pássaro em tamanho -- agora -- minúsculo está nos braços de Susanoo novamente e ele simplesmente o movimentou fazendo com que içasse voo. -- Bom, agora que já nos entendemos, me acompanhe.
Nenhuma palavra foi dita enquanto caminhavam pelos corredores iluminados e majestosos do reino solar, até que o pigarrear do moreno fez com que a deusa revirasse os olhos.
-- O que Tsuky queria aqui? Ele não é dado a sair de seu reino para se intrometer na vida dos outros, então por que raios a minha noiva estava nas mãos do meu irmão?
-- Eu não faço ideia. -- Amaterasu deu de ombros. -- E mesmo que eu soubesse não te ajudarei, anda me tratando muito mal por conta de uma espécie tão medíocre.
Apesar das palavras agressivas, estava profundamente magoada com o irmão por ser, em suas próprias palavras, trocada de uma forma tão vil.
-- Ama, precisamos nos resolver. -- Susanoo tentou
-- Hum, e como fará isso? Se toda vez que toco no nome daquela mulher você pensa em me matar?
-- Eu não penso em nada disso irmã, só quero que se dê bem com a minha futura esposa. Talvez possam até ser amigas quem sabe.
Amaterasu fechou os punhos exasperada pela ideia estapafúrdia do irmão:
-- Como pode sugerir isso? Você vai contra todas as leis do nosso panteão devido a uma simples vida, absorve costumes e ideais que nós propomos com veneração aos humanos e espera que eu compactue com isso? -- Ela levou as mãos até o rosto impedindo que as lágrimas descessem, estava muito triste por seus irmãos não compreenderem o seu ponto de vista e serem tão cruéis consigo. -- Olha... Falarei para ti o mesmo que deixei claro para Tsuky, eu não encostarei um dedo nessa humana, mas também não a aceitarei e sabemos muito bem que você se cansa fácil, então é só uma questão de tempo até ela ser substituída por outra noiva não é mesmo?
Amaterasu virou para a frente e voltou a caminhar, abrindo as portas lentamente até pararem de frente para a que Sn estava, sentada na cadeira comendo um prato de frutas tropicais enquanto conversava animadamente com uma das servas de Amaterasu. Susanoo sorriu aliviado por vê-la bem, levou a esquerda até os fios da irmã fazendo um carinho leve.
-- Eu aceito a sua decisão Imōto, mas não significa que eu não posso tentar mudá-la ao longo das nossas vidas.
A deusa lutou para não sorrir satisfeita com o contato, antes de virar o rosto para o lado oposto e sair, andando calmamente e sendo seguida pela serva que antes conversava com a humana.
Susanoo adentrou o local encarando a mulher, vestia trajes limpos e com o símbolo do sol. Os cabelos estavam penteados e macios, ele sorriu afagando o rosto feminino e a assustando por ser tocada tão diretamente.
-- O que pensa que... -- Não conseguiu terminar a frase já que Susanoo a tomava nos braços.
-- Já abusamos da hospitalidade da Imōto, está na hora de você conhecer a sua casa.
-- Eu posso ir andando. -- O sussurro saiu devido à vergonha e ele riu alto de seu jeito descontraído.
-- É melhor não. Todas às vezes que ficou longe de mim se meteu em problemas, mesmo que não fossem por sua culpa e é o meu dever como seu noivo te proteger.
Os olhos dela ficaram em alerta, o rosto exprimindo toda a vergonha que sentia. Por um milésimo de segundo, enquanto conversava com ²Supāku(スパーク) a serva de Amaterasu a respeito do próprio reino solar e seus feitos incríveis, deixou de lado o motivo de estar ali e todo o transtorno sofrido.
Sn só que queria ter um momento onde não precisava depender de seus instintos ao máximo para sobreviver e Susanoo percebeu a tensão mesmo sem ter certeza do motivo, no entanto, sabia que havia falhado em sua função, pois a humana que escolheu não se sentia segura.
¹Norowareta karasu - Um corvo amaldiçoado portador de relâmpagos criado para essa história;
²Supāku - faísca.
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