41| Pessoas boas demais tendem a decepcionar
Um mês havia se passado e nada tinha melhorado, minha mente estava fodida, pensava nos meus pais, e principalmente no Erick.
Ele nunca mais me ligou, nunca mais deu sinal de vida, não que eu ligasse para toda essa merda, é que geralmente eles ligam, implorando, mas ele não. Talvez eu não passasse de uma diversão pra ele, e que todos os “Eu te amo” tenham sido falsos. Eu queria esquecê-lo, mas era difícil esquecer o que me fez tão bem durante meses, que me entendeu, que foi meu refúgio. Eu ainda amava o Erick.
Mas, eu tinha que tirar aquele maldito da minha cabeça, tinha que esquecer, pelo que ele me fez.
As provas finais estavam se aproximando, estávamos em outubro e logo as aulas teriam seu devido fim. Minhas notas estavam boas, mesmo eu tendo faltado dias. Eu só esperava não reprovar.
— Teve uma briga no trabalho ontem. A Rafaela ficou brava porque fui promovida. — a Iolanda dizia, rindo. Estávamos na mesa, tomando café.
Lembrei dos meus pais, e de como nossa família acabou. Primeiro, com a separação deles, a 3 anos atrás, depois, com meu pai aparentemente seguindo em frente, era de esperar já que passou tanto tempo. Agora, tudo parece que nada vai voltar a ser como antes, nada vai mudar. Meu pai, vai continuar sendo o egoísta de sempre, que por dinheiro faz qualquer coisa para se beneficiar, até mesmo vender seu filho. Minha mãe, passou três anos em Portugal, se tornou uma mentirosa; mentiu sobre ter a porra de um câncer, mentiu sobre eu ter sido vendido, o que mais ela estava mentindo? Ela era minha mãe de verdade?
Eu sinto que faço parte da família do Luíz, eles me tratam tão bem, são atenciosos e raramente brigam. A dona Iolanda me dá conselhos e acho que nunca vou conversar com minha mãe assim novamente, eles são uma família feliz, sem mentiras, sem filhos vendidos, sem câncer. Era tudo que eu sempre havia sonhado.
Mas, o Luiz estava agindo estranho ultimamente, não é o amigo que se importava comigo como antes, provavelmente porque ele está nervoso com as provas finais e o fim das aulas.
Iolanda ainda falava sobre o trabalho:
— Ela não faz absolutamente nada. Vive fofocando com outras garotas, fala alto e anda em umas roupas absurdas, eu sei que o corpo é dela, mas é o ambiente de trabalho. Ela está pensando o quê, que iria ser promovida por ser bonita.
— Ela é bonita mesmo, bem capaz. — meu pai disse. Ficamos em silêncio, e ouvimos ela derrubar o garfo no prato.
— O que disse? — ela parou de comer, fitando meu pai de forma profunda. Luiz e eu evitamos falar alguma coisa, ela podia ficar com mais raiva e xingar todos nós, mesmo que a probabilidade fosse bem baixa.
— Eu… eu quis dizer…
— Eu sei o que você quis dizer. — ela se levantou, bebendo o resto do seu suco. — Vamos, crianças, vou deixar vocês na escola.
— Mãe, não precisa…
— Vamos, Luiz! — ela disse, e então Luiz assentiu, se levantando. Fiz o mesmo.
— Tchau, pai.
— Até mais, seu Júlio.
— Até.
O caminho até a escola foi silencioso. Dona Iolanda parecia chateada. Parecia não, ela estava chateada. Era a primeira vez que eu presenciava, mesmo que vagamente, uma briga deles.
Ela parou o carro próximo a pracinha e então sorriu.
— Chegamos. — ela disse.
— Valeu, mãe. — Luiz disse, sorrindo.
— Até mais, dona Iolanda. — eu disse.
Saímos do carro, mas antes que pudéssemos entrar na escola, fui até a dona Iolanda, colocando minha mão na janela.
— E… eu quero que saiba que além de uma funcionária incrível, você é muita linda. — disse.
— Ai, obrigada, querido. — ela disse, pegando na minha mão e sorrindo. — Mas agora vai, não pode perder aula.
Sorri, me virando e alcançando Luiz.
— O que disse pra ela?
— O que você deveria ter dito. — falei. — Sua mãe pode parecer uma mulher forte e corajosa, mas ela é uma pessoa, um ser humano, tem sentimentos… e acredito que ela não sinta bem com a autoestima dela. Vocês parecem ser uma família tão feliz, só me espanta que nenhum de vocês parem pra dizer o que realmente sentem. — falei, Luiz engoliu em seco. — Só fala com ela, conversa com sua mãe.
— O que sabe sobre isso?
— Eu só estou tentando dizer que…
— Está me ensinando como me relacionar com minha família, você sabe o quanto é difícil ultrapassar a barreira que tem entre a gente? Ela é imprevisível, nunca fala nada, meu pai, é a mesma coisa. Eu só me impressiono como conseguimos conversar sobre minha sexualidade. E aí vem você, querer me falar o que devo fazer o que você nem mesmo fez? Sua mãe é uma mentirosa, seu pai um bosta que te vendeu e sua família acabou. Acho que não tem moral pra falar nada pra mim.
Eu estava pasmo. Eu nem sabia o que falar. Eu queria ajudar, não sabia que aquilo o afligia ao ponto dele explodir.
— Luiz, não precisa falar assim. Só queria ajudar…
— Eu não pedi a sua ajuda… nesses últimos dias você vem tomando a minha família. Se está tão íntimo da minha mãe, por que não conversa com ela? Não ache que faz parte da família porquê você não faz!
— Luíz, eu…
— EU SÓ QUERO MINHA FAMÍLIA DE VOLTA! E TUDO ISSO É CULPA SUA!
Eu estava confuso. Ele estava me acusando de tentar “roubar” a família dele? Como assim tudo era culpa minha? Eu estava sem entender e uma raiva começou a subir pelo meu corpo.
— Era por isso que estava agindo estranho comigo ultimamente? Por achar que eu queria roubar sua família? Luiz, se não me quisesse mais na sua casa era só ter me falado. Eu não tenho culpa se você não consegue ter diálogos e ser tão distante da sua família. Eu achei que você tinha mudado e que era meu amigo de verdade, mas estou o vendo que não. Você só foi legal comigo por que queria alguma coisa comigo... E Não seja por isso… hoje eu saio da sua casa, pra nunca mais olhar na sua cara.
O olhei com cara de nojo e me retirei, passando pelo Hugo, que estava sentado e conversando com um cara.
Pera aí, Rômulo?
— Rômulo? O que faz aqui? — falei, não me importando de estar me metendo na conversa.
— Jason? E aí, mano? Firmeza? Eu tô trocando umas zideias com o Hugo sobre...
— Estamos conversando sobre a gente.
Fiquei olhando para eles por alguns segundos, só então me caí na real.
— Até mais…
Minha cabeça estava confusa. Luiz se mostrou uma outra pessoa, ele não era aquele cara que conheci, um cara legal. Ele literalmente disse que eu estava tentando roubar a família dele. Eu estava com raiva, porque ele só estava sendo legal para ter uma noite comigo.
— Olha por onde anda, babaca. — uma pessoa me xingou, não vi quem, depois de eu ter trombado nela.
Corri por aqueles corredores cheio de alunos e me tranquei no banheiro. Comecei a chorar. De raiva. Eu estava frustrado por achar que tudo estava dando certo outra vez.
Gritei, batendo na porta do banheiro.
— Jason? Tá tudo bem?
Era o Hugo.
— Tá sim, vai embora.
— Por favor, vamos conversar… — ele falava calmamente, perto do banheiro. Eu não queria conversar, eu só queria gritar. — Por favor… só conversa comigo. — ele parecia estar… chorando.
Abri a porta lentamente, e ele me olhou. Faz tanto tempo que não conversamos que eu não sentia mais como era estar do lado dele. Ele simplesmente não era o mesmo. Seu jeito afeminado. Suas roupas. Ele não era mais o Hugo.
— Eu sinto saudade do que éramos antes. Do Jason e do Hugo. Sinto falta de como a gente se dava bem, de como a gente confiava um no outro. Como podemos ter estragado algo tão maravilhoso? E por causa de que? De algo tão fútil, seu pai. Eu sei que errou, que foi egoísta, mas eu também fui. Eu simplesmente não pensei em você, não pensei na sua amizade, só pensei em como seria legal ter um namorado rico, não liguei para o que você ia sentir. Eu sinto muito que tudo isso tenha ido pro ralo. Então por favor, se existe alguma chance de nossa amizade voltar, não deixa ela passar. Eu te amo pra caralho e não quero te perder.
Não aguentei e corri para a abraçá-lo, o abracei e deixei que meu mundo desabasse por completo, que todo o choro saísse por completo. Que toda a dor que eu sentia…
Bom, acho que aquilo nunca passaria
— Eu só quero que toda essa merda passe, Hugo. Eu não aguento mais ter que me sentir inseguro e um fardo na vida das pessoas. Eu sei que isso tudo é consequência dos meus atos, mas eu só quero que tudo passe. — eu ainda chorava, sem parar.
— Isso não é culpa sua… não é culpa sua o que seu pai e o Erick fizeram.
Olhei pra ele.
— Como você sabe disso?
— O Rômulo me contou. E Jason, eu sinto muito. Sei que deve estar sendo difícil pra você. Eu não posso nem pensar como é se sentir ao descobrir que foi vendido.
— Eu amo o Erick, e eu estou tão decepcionado. Eu tô com ódio deles. Tô com ódio da minha mãe por ter me escondido isso. Será que eu mereço tudo o que tá acontecendo?
— Não, claro que não! Não importa o que você fez, você não merece isso.
— Eu ainda o amo. Eu só queria poder sentir ele de novo. Esse desejo é tão forte.
— Mas você não pode.
— Eu sei.
Ficamos em silêncio por um bom tempo. Tentando nos recuperar de toda aquela situação.
— Bom, se caso queira saber por quanto fui vendido…
— Não quero saber, não importa.
— Aí, que se foda! Nem eu sei! — eu ri, mesmo sem humor nenhum.
— Bom, o Erick deve ter pagado caro pra aturar você.
Rimos, mesmo que aquela situação fosse triste demais. Estávamos rindo como antes, juntos, de quando a gente ficava falando da vida alheia no pátio da escola.
Se me restava um pingo de felicidade, acho que seria aquela.
….
Evitei olhar para Luiz o intervalo inteiro, não queria discutir mais ainda, e estragar mais ainda nossa situação. Além de meu psicológico está fodido, tenho que me preocupar com isso. Poxa, eu só queria UM, somente UM, minuto de paz. Onde eu possa descansar sem lembrar da merda que tá acontecendo comigo. Sem lembrar do Erick.
— Malditos lanches com preços absurdos. Tá difícil sobreviver nessa escola, hein? — Hugo falava, sem seu jeito afeminado, sem sua mexida no cabelo, sem seus gritos. Aquele… aquele não era o Hugo.
— Hugo, por que está agindo assim? — Perguntei, o analisando. Ele me olhou, sem entender.
— Assim como?
— Desse jeito, com esse jeito. Esse não é você. O que tá acontecendo? Sabe que pode voltar a ser como era antes.
— Depois de termos brigados, eu meio que perdi a coragem de tudo. De ser afeminado, de ser daquele jeito. Você meio que me deixava confiança. — ele disse, me impressionando. — E também tá acontecendo umas coisas em casa, com meus pais e etc… nada que deva se preocupar.
— Aí, Hugo, sinto muito… espero que tudo se resolva. E volte a ser como era antes. Não é um pedido, é uma ordem.
— Eu te amo, migooo — ele disse, me causando uma sensação boa. Meu Deus, que saudade eu estava daquilo.
— Muito melhor.
Sorrimos. Roubei um bolinho dele e ele me deu um tapinha.
— Ai!
Alguém sentou do meu lado e ao olhar vi Luiz, revirei os olhos.
— Vamos, Hugo. — ia me levantar, mas ele pegou na minha mão. — Me solta.
— Jason, me desculpa… eu…
— Você me acusou de querer roubar sua família e me disse coisas horríveis quando eu só tentei te ajudar, é isso? — falei, tirando sua mão da minha. — É impressionante como as pessoas se mostram pessoas diferentes. E acabam nos decepcionando.
— Não era minha intenção. — ele disse.
— Ah, não era? Ai, eu sinto muito por ter me ofendido. — ironizei.
Eu peguei minha mochila e então saí, Hugo veio logo atrás de mim.
— Aposto que vai voltar pro Erick, seu masoquista de merda. Não basta ter sido vendido para um bandido pelp próprio pai, tem que ser burro.
Parei de caminhar. Tudo pareceu estar em câmera lenta. Um ódio subiu pelo meu corpo ao ver todo mundo olhando pra mim. Era possível ver todos rindo de mim, da minha desgraça. Eu dei passos pesados rumo a Luiz, e tudo parecia estar devagar.
“Seu pai te vendeu… pra mim.”
“eu sinto muito Jason”
“eu te amo, Jason.”
Tudo estava confuso na minha cabeça, e uma represa de sentimentos vêm a tona. Com toda essa raiva, dei um soco forte tão forte em Luiz que o mesmo caiu no chão. Agora tudo mundo olhava pra gente.
— O QUE HÁ DE ERRADO COM VOCÊ? VOCÊ NÃO TEM DIREITO DE FAZER ISSO COMIGO! — eu gritava, sem me importar se iria chamar a atenção de todo mundo. — Nunca. Mais, olha na minha cara.
Falei, cuspindo cada palavra com força. Luiz tinha sido um babaca de merda, tudo sem motivo algum. Todo o carinho que eu sentia por ele havia acabado alí.
Me virei e comecei a caminhar rumo saída, Hugo veio atrás de mim, e me abraçou de lado.
Encostei a cabeça no ombro dele, sentindo o peso na minha cabeça, no meu corpo. Tudo estava voltando, com mais intensidade.
Estávamos na pracinha enquanto tomava uma Coca-Cola e Hugo comia também, mas em silêncio. Uma vez ou outra alguém olhava pra mim, pelo que acabara de acontecer. A qualquer momento o diretor iria me me chamar pra conversar e me dá a terrível notícia de que eu estava expulso. Eu perdi a oportunidade de me formar. Perdi tudo.
— Eu vou ser expulso.
— Amigo, não pensa assim…
— Hugo, minha situação já não estava muito boa, e com minha expulsão eu vou perder minha oportunidade de me formar. — falei, jogando a latinha no lixo. — Isso era importante pra mim.
— Eu sei, mas vamos dá um jeito, eu juro. — Hugo disse, pegando na minha mão com a sua toda suja de gordura.
— Que nojo, Hugo. — falei, e então rimos.
— É uma Barbie mesmo — ele disse, mordendo o seu hambúrguer e derramando em cima dele.
— Existe alguém mais fodido que eu?
— Bom, se existe, não conheço. — ele disse, terminando de comer. Ele bebeu o resto da Coca-Cola e me olhou, tendo uma ideia em mente. — Aliás, é disso que estamos precisando, de uma boa e prazerosa FODA!
— Ah, Hugo, melhor não.
— Para de pensar pequeno. A gente precisa espairecer, dá pra caras novos. Você não deu pra ninguém depois que terminou com Erick e aposto que seu cu tá chorando.
Revirei os olhos. Ai ai, o velho Hugo.
— E se eu em lapso de loucura aceitasse, para onde iríamos?
A pergunta real era: PARA ONDE EU URIA?
Eu estava sem casa, em hipótese alguma eu ia voltar pra minha casa, eu preferia dormir na rua.
— Você estava na casa do Luíz, não era? Bom, e se você fosse pra minha casa?
— Bom, eu achei muito boa essa ideia, mas… e seus pais? — falei.
— Relaxa, eles te conhecem.
— Tudo bem. Eu só não quero incomodar mais ninguém.
— Ai, gay, para com isso. Somos melhores amigos, não vai me incomodar e muito menos meus pais. SÓ relaxa. — Hugo disse, pondo a mão no meu ombro e sorrindo.
Seus pais olhavam pra gente com uma cara de “o que seu amigo branco faz aqui?”, mesmo que não tivesse tão claro e que eu fosse pardo.
— Olá, Jason. — disse a dona Judite, sorrindo.
— Olá. — falei, sem graça.
— Mãe, ele pode ficar aqui por um tempo? É só até ele arrumar um emprego.
Não tínhamos combinado nada daquilo, como eu ia arrumar um emprego se eu não tinha nem terminado o ensino médio?
— Tudo bem, ele pode ficar. — ela disse, Hugo deu pulinhos de alegria.
— Obrigado, mãe! Te amo!
— Eu sei, eu sei!
Subimos para o quarto do Hugo e então ele jogou sua mochila na cama e foi ligar o som.
— Vamos comemorar! — ele disse.
Uma música começou a tocar e um toque que me remetia aos anos 80 — mesmo sem ter vivido esse época — invadiu o quarto. The Weeknd sabia me fazer refletir com uma música, mas Blinding lights era pra se dançar. E foi isso que fizemos, começamos a dançar.
Com passos rápidos, eu dançava ao ritmo da música, enquanto riamos para o vento.
— a see u, a say tô bladin laites — eu nem de longe sabia cantar aquela música, mas eu cantava mesmo assim.
Ficamos daquele jeito, dançando, sorrindo, como velho e bons amigos. Se existisse um resquício de felicidade em mim, seria aquele momento. Eu estava feliz por ter voltado a ser amigo de Hugo. Só que daquela eu não iria estragar tudo.
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