38| O doloroso peso da mentira

Todos na sala de aula olhavam para mim com uma cara espantada, o professor me olhava com um olhar de "me dê um bom motivo para eu não te expulsar dessa sala de aula" com seus óculos no nariz. Eu nem sabia o que responder.

Eu não podia falar que meu namorado levou um tiro.

- Ahn... Eu preciso ir pra casa. Minha mãe precisa de mim. - falei, com um peso na consciência. Minha mãe já tinha tido alta no hospital, e se bem que não era totalmente mentira. - Ela acabou de me ligar!

Ele revirou os olhos, mas suspirou logo depois, e eu entendi aquilo como um "sim".

- O que aconteceu com sua mãe? - Hugo pegou no meu braço. - Para de mentir, eu sei que tem algo a ver com o Erick.

- O que você tem a ver com isso? Não somos mais amigos, lembra? - meu namorado estava entre a vida e a morte, eu não ia perder tempo com o Hugo.

Peguei minha mochila e sai.

No estacionamento, mandei mensagem para Rômulo.

Você tá no hospital?

To o Erick ta malzao vem logo

Em poucos minutos o Uber chegou, ele vendo meu semblante, perguntou:

- Tá confortável aí? - ele disse, me analisando.

- Não é nada com você e seu carro, meu namorado tá muito mal no hospital. - falei. Não tinha necessidade de eu desabafar com o motorista do Uber, mas eu queria.

Ele soltou um "sinto muito" e então deu partida. Eu não conseguia pensar em nada a não ser nele. Meu namorado estava morrendo.

Que porra de pensamento é esse, Jason?

Chegando no hospital, dei 5 estrelas para o homem e o paguei, depois encarei aquela UPA, eu não queria entrar em mais hospital.

Ao entrar, fui na recepção:

- Olá, poderia me dizer em que quarto está Erick De Assis?

Ela digitou incrivelmente rápido naquele computador e disse:

- Ele se encontra no quarto 207. - ela disse, sorrindo. - Toma seu crachá, o senhor vai ter que esperar, já tem uma visita e o regulamento é um por vez. - obviamente não era o mesmo hospital onde minha mãe estava. Assenti para moça e pedi obrigado.

Não aguentando esperar, corri pelos corredores escorregadios e enfim cheguei ao quarto 107. Olhei por uma brecha de vidro e o Rômulo estava lá, assitindo algum vídeo no YouTube. Bati na porta, ele olhou pra mim, e na mesma hora se levantou.

Ele abriu a porta.

- Como ele tá? - perguntei, tentando vê-lo, mas falhei miseravelmente.

- O médico disse que ele tá estável, só não sei o que é, papo reto. - ele disse, sorrindo.

- Tá entre ruim e bom, acho. - falei - Posso ficar com ele agora?

- Claro, mano. Tô indo agora. - ele disse, mas antes de sair, ele disse: - Fica bem aí, irmão. Se cuida. - ele disse para mim dessa vez, batendo no meu ombro.

Entrei no quarto e eu vi o Erick dormindo, ele tinha uma atadura envolta do seu corpo, e na sua mão estava o soro, que também estava ligado a uma bolsa de sangue. Ele respirava lentamente, e os sensores apitavam. Aquele quarto era deprimente. Senti vontade de chorar.

- Você uma hora me mata, seu merda. - falei, pegando na sua mão gelada. Ele parecia um vegetal de tão pálido. - Eu vou ficar com você até você ficar bem, tá legal?

Ele apertou minha mão, meu coração acelerou.

Mais tarde, eu jogava um jogo qualquer no meu celular, ou via publicações e textos motivacionais nas redes sociais. Nada me animava. Eu olhava para o Erick e ele ainda dormia que nem pedra.

Eu acabei dormindo, e acordei com alguém apertando minha mão, eu estava com frio, com fome. Mas, eu não ia deixar meu namorado sozinho. Abri meus olhos lentamente e olhei ao redor, ninguém.

- Bom dia. - alguém disse.

- Ah, bom dia. Você acordou. - falei, com sono. - AI MEU PAI VOCÊ ACORDOU! - Erick me olhava sorrindo, ele gargalhou, mas parou porque sentiu uma dor na região do tiro.

- Você ronca demais, mano.

- ERICK NUNCA MAIS FAÇA ISSO COMIGO, PORRA! - falei, dando beijos nele, mas tomando cuidado com seu ferimento.

...

- E foi assim. - ele disse.

Eu estava deitado do lado dele, acariciando seu peito nu. Tomara que não apareça nenhuma enfermeira agora.

Ela sempre entrava, em 5 em 5 minutos, para ver sua pressão e tal.

- Você viu sua mãe? Tipo, viu vendo?

- Mano, sim. Era ela, tá ligado? Mano, eu fiquei olhando pra ela, ela era muito real. Tá ligado no que eu tô falando? Ela tinha o mesmo sorriso. Porra, era minha mãe!

Tinha grandes possibilidades de ter sido ilusão. Mas e se não fosse? A mãe dele estava viva.

- Você perderia sua mãe por ela ter sumido? - perguntei, ele pensou por um segundo. Parecia que ele já tinha a resposta pensada.

- Sim. Cara, é minha mãe. - ele disse. - Ela não fez por mal. Ela não aguentou a pressão. Nem eu, tá ligado? Já pensei: o bagulho tá sinistro, eu tenho que sair dessa merda.

- Ah...

A porta foi aberta abruptamente, me levantei rapidamente e então o Carlos entrou na sala, com sua cara enjoativa. O que ele queria?

- Você? Não cansa de ser insuportável? O que você quer aqui? Já não fodeu a vida do Erick o suficiente? - eu não tinha mais paciência para aquele cara, ele era muito chato e incoveniente.

- Aquieta a marimba aí, monamour. Meu papo e com o Erick. - como sempre. - E do seu interesse, presumo.

- Por que esse cara tá aqui, Erick?

- Eu...

- Eu vim deixar um recadinho pra você, baby. Você confia no Erick?

- Que tipo de pergunta é essa?

- Ele te conta os segredos dele? Tudo?

- Do que ele tá falando, Erick? - eu disse. Desconfiado.

- Jason, eu vou te explicar. Mano, cai fora. Eu vou contar. - ele disse, me deixando mais abismado. TODO MUNDO ESCONDE ALGO DE MIM AGORA?

- Quer me falar o que tá acontecendo, Erick? O que vocês estão escondendo de mim? Você, meu pai, todo mundo! Me conta agora. - eu falei.

- Eu vou te contar.

- Eu já fiz minha parte. Jason, não tenho nada contra você, só sou a favor da verdade. E seu namorado não te trata com ela.

- CAI FORA! - Erick gritou. - Quando eu levantar daqui... Eu vou te matar.

- Tente Erick. Tente.

Como ele já havia lançado a semente do caos, ele saiu, deixando só nós dois no quarto, eu fiquei em silêncio, imaginando o que podia acontecer. Olhei para Erick, ele me olhava.

- O que aconteceu? Eu tô cansado de todos esconderem algo de mim. Eu não quero mais viver nesse Castelo de mentiras. Tem algo a ver com meu pai, e com aquela maldita noite?

- Tem. Jason, eu preciso que me perdoe.

- Perdoar pelo o que? Você me traiu? Com o Carlos?

- Quem dera fosse isso. - ele disse - Senta. Eu vou contar do começo. Desde quando eu conheci seu pai.

- Meu pai? Mas...

- Eu conheço ele muito antes de você, Jason. - ele disse, eu estava casa mais confuso. - Anos atrás, depois de ser traído pelo Carlos, eu estava na minha antiga casa, quando ele chegou... Seu pai. - ele disse, e tudo estava confuso demais, eu não conseguia raciocinar. - Ele me pediu um dinheiro emprestado. Milhões. E em troca desse empréstimo, além do pagamento em dinheiro, ele me garantiu outra coisa.

- Garantiu o que, Erick?

- Ele garantiu você. Seu pai te vendeu para mim, Jason.

Meu corpo tremeu e era como se o mundo tivesse caído sobre minha cabeça. Meus olhos marejaram e eu custava acreditar. Eu tinha sido vendido? Que porra era aquela?

Quem era vendido nessa merda?

Balancei a cabeça várias vezes, desacreditado. Olhei para o Erick e ele me olhava com certo pesar, como se aquilo fosse verdade. Mas não era. Ele iria falar "meu amor, eu estou tirando com sua cara" a qualquer momento e me dizer o que realmente estava acontecendo.

- Vendido? Como assim vendido, Erick? - ele me olhou e tentou abrir a boca várias vezes, mas não saiu nada de lá, a não ser suspiros. - Isso é mentira, não é? Diz que é mentira, diz que meu pai não fez isso. DIZ ERICK! DIZ QUE TUDO ISSO É MENTIRA! DIZ!

Eu estava quase chorando, e ele não tinha a porra de uma reação.

- Erick...

Por fim, ele disse:

- Não é mentira... - mais um soco bem dado no estômago. - Eu sinto muito, Jason.

- Você sente muito? Você sente muito, Erick? - falei - Meu pai me vendeu para um bandido, que hoje eu amo, e que de repente eu descubro que sou uma mercadoria, e você sente muito? Eu não sou um objeto que você compra e quando quebra você diz sinto muito, ou talvez tenha devolução, EU NÃO SOU UM OBJETO! ENTENDE ISSO, ERICK? EU SOU A PORRA DE UMA PESSOA! EU TENHO SENTIMENTOS!

- Me perdoa... eu não pensava que iria te amar tanto, Jason, por favor... eu só achei que aquilo seria bom pra mim, eu... - ele se levantou, mesmo não podendo, para se aproximar de mim, mas eu me afastei.

- Que aquilo seria bom pra você? Comprar um ser humano iria te fazer mais homem? Iria colocar mais medo nos inimigos? - perguntei. - Não tem justificativa!

- Eu te amo...

- Me ama? Ou só tá com medo da porra do seu dinheiro ter sido em vão? Ou melhor, você só tá usando o que comprou. - eu disse. - Meu pai me vendeu... e você o tempo todo agindo como se tudo estivesse bem. Vocês são horríveis, podres. Odeio você. Odeio meu pai. Eu nunca mais quero olhar na sua cara. Seu bandido.

As minhas palavras foram como balas. Mas nada pior do que ser vendido pelo próprio pai. Eu não sabia que meu pai podia ser tão podre e escroto para conseguir o que queria, não capaz de vender seu filho para ter algum sucesso. Eu só queria morrer e esquecer que tudo aquilo existiu.

- Meu pai me vendeu para um bandido...

- Não fala assim, meu amor...

- E você quer que eu fale como? É isso que você é, a porra de um bandido! Talvez seu pai tivesse razão, você é só um maldito bandido podre e sem coração, coberto por essa pose de homem forte e amoroso. Você é igualzinho, a seu pai. - quando eu falei isso, tinha sido o ápice para ele, pois ele gritou:

- NÃO ME COMPARA COM ESSE MONSTRO! EU NÃO SOU IGUAL A ELE! - ele se levantou da cama, aparentemente magoado com tal comparação. Mas eu não ligava.

- Tem razão, você não é igual a ele, é muito pior. - falei. - Eu nunca mais quero olhar na sua cara, Erick. Eu te odeio com todas as minhas forças. Eu quero que você morra.

Dito isso, sai daquele quarto e fui correndo para fora daquele hospital. Eu não aguentava mais aquilo, eu estava confuso, com raiva, decepcionado. Como eu pude confiar neles? COMO EU PUDE CONFIAR NA PORRA DE UM BANDIDO?

Erick, assim como meu pai, estavam mortos pra mim.

Mortos.

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