Epílogo

𓅯 Epílogo | O Canto dos Pássaros 𓅯

17 de dezembro de 2022

Sábado, 21:30 p.m

A festa de formatura da turma de administração estava quase no auge quando Lucas, já exausto, sentou-se na mesa reservada para ele e Beatriz no canto do salão. Lá fora, uma chuva barulhenta e densa caía; mas, graças ao ambiente coberto e arejado, a festa continuaria por várias horas. Luzes coloridas eram despejadas do palco em direção ao amplo salão lotado de jovens formandos e seus familiares. Um pouco nervoso, Lucas procurou por Beatriz mais uma vez. Ela provavelmente estava no salão ao lado, fotografando convidados e alunos. Não queria atrapalhá-la em seu trabalho, mas estava começando a sentir-se mal por ser o único jovem da faixa dos vinte anos que não estava pulando com os amigos com um copo de champanhe nas mãos.

No entanto, Lucas não ficou sozinho por muito tempo. Do palco, a DJ por trás da mesa de mixagem fez uma pausa e deixou tocando uma música baixa, mas animada. A banda contratada preparava-se no palco, e o rapaz pôde ver Bernardo passando por entre eles. O recém-formado — e seu antigo colega da escola — havia arrancado o terno, exibindo o peitoral sob a camisa social branca; parecendo levemente bêbado. Cambaleante, o rapaz desceu do palco e foi na direção de Lucas.

— Lucas! — ele exibiu o sorriso branco de sempre, colocando uma garrafa de água sobre a mesa. — Viu Wallace por aí?

Lucas balançou a cabeça em sinal negativo. Consertou a postura, olhando para a própria camisa social preta. Os salgadinhos diante dele estavam intocados. Bernardo pegou uma coxinha e sentou-se ao lado dele.

— Fiquei feliz por ter vindo. Eu achei que não aceitaria o convite — ele falou, inclinando a cadeira. Instintivamente, Lucas empurrou de volta o encosto, temendo que o amigo caísse. — Acho que vi a sua namorada lá fora, na varanda... Ainda bem que a chuva não está entrando aqui! Você não estava na festa da formatura do ensino médio, né? O lugar era tão ruim que todo mundo saiu ensopado. Depois, todos se jogaram na piscina, e o segurança ficou desesperado vendo um bando de jovens bêbados prestes a se matarem debaixo daquela tempestade!

Bernardo riu, levando mais um salgado à boca. Lucas o acompanhou, franzindo o nariz ao imaginar a cena — uma dúzia de adolescentes embriagados enfiados em uma piscina sob uma chuva como aquela. Às vezes, o rapaz ainda se lamentava por não conseguir ser como aquelas pessoas — jovens que "aproveitavam a vida de jovens", como dizia Ben — mas era algo que aos poucos o deixava menos desconfortável. Contudo, estava claro que Lucas ainda não gostava de festas grandes e agitadas como aquela. Não sabia o que fazer e como agir; mas lá estava ele, parado como uma estátua assustada em meio a corpos agitados e em êxtase. Ele tinha que admitir que, se não fosse por Beatriz, talvez não estivesse ali.

Para o seu alívio, a moça apareceu por entre a multidão e sorriu-lhe. Como os outros fotógrafos contratados, ela usava um conjunto social e um crachá que a identificava; além da câmera fotográfica pendurada no pescoço. Ao seu ver, Beatriz estava mais madura e elegante com aquele blazer e os cabelos minuciosamente presos. Parecia uma mulher, enquanto que Lucas provavelmente ainda era um menino tentando se sentir confortável com aquelas roupas de adulto.

— Sabe o que isso aqui está me lembrando...? — Bernardo mostrou a garrafa a Lucas, e depois arregalou os olhos quando percebeu que Beatriz se aproximava. — Ah, deixa pra lá. E aí, Beatriz! Como está indo?

— Estou conseguindo ótimas fotos — ela sorriu, sentando-se ao lado de Lucas. — Tudo bem, Lu? É hora da minha pausa. Não quer dar uma volta lá fora? Está mais fresco e...

— SUSANE! — Bernardo soltou um grito de repente, levantando-se bruscamente. Correu em direção à namorada como se não a tivesse visto a menos de cinco minutos atrás. Lucas nunca o tinha visto tão extasiado, pois o rapaz costumava ser mais quieto. Obviamente, a bebida havia mexido com seus neurônios.

Lucas engoliu em seco, olhando para a garrafa deixada para trás. No fundo, Bernardo beijava Susane apaixonadamente.

— Acho que sim — Lucas disse baixinho, disfarçando o mover de seus lábios com a mão.

Beatriz assentiu, puxando-o e entrelaçando seu braço no dele. Alguns jovens abriram o caminho, e Lucas ergueu o corpo quando viu o reflexo dos dois no vidro de uma das janelas do salão. O menininho que ainda habitava nele — e que insistia em emergir nos momentos mais inconvenientes — deu espaço ao jovem Lucas ao lado de sua namorada, que o guiava para longe do fluxo de pessoas. Sentiu-se mais seguro, dando-se conta que ele não estava tão ruim assim. Seus cabelos continuavam intactos e as roupas escuras haviam ficado muito bem em seu corpo, deixando-o igualmente elegante e adulto. Um garçom passou oferecendo garrafas d'água, e Beatriz pegou uma.

— Tome. Beba um pouco — ela entregou a ele, e Lucas deu um gole. — Percebi que começaram a oferecer mais água depois que um dos rapazes começou a beber da chuva que caía das calhas. Acho que já estava de ressaca.

Lucas riu com a boca cheia. A água que acabara de beber quase saiu pelo seu nariz. A chuva continuava a cair incessantemente; o amplo jardim do terreno coberto pela noite e por uma espessa cortina prateada que caía do céu.

— Fiquei pensando se eu não deveria ficar um pouco bêbado também, mas todas as vezes que penso nisso, mudo de ideia rapidamente — Lucas disse, inclinando-se em direção ao ouvido dela. Um dos integrantes da banda começou a tocar a bateria, aumentando o barulho.

Beatriz riu, balançando a cabeça. Respingos de chuva caíam no parapeito, umedecendo as costas de Lucas.

— Não precisa se submeter a isso! — a moça falou alto. — Não recomendo. Vamos ficar na água e nas coxinhas. Está gostando da festa?

— Adorando — Lucas falava em seu ouvido. — Estou pulando de alegria.

A moça olhou para o rosto do namorado, que parecia mais querer cair no sono. Lucas ao poucos começava a revelar o seu lado sarcástico, o que de alguma forma agradava Beatriz. Tinham o mesmo tipo de humor e a mesma opinião para muitas coisas, o que fortalecia a união entre eles. Uma mulher de cabelos escuros começou a cantar no palco, e Beatriz disse que precisava tirar algumas fotos da banda. Lucas a acompanhou novamente para dentro do salão, sem alternativa — ou ficava no meio daquela gente, ou na varanda; que estava prestes a ser invadida pela chuva. Alguns funcionários passavam pano, descendo o toldo, mas nada adiantava.

Na lateral do palco, Lucas observava a cantora e os integrantes da banda. Beatriz e outros fotógrafos registravam o momento; inclusive, um cameraman passou por ele filmando tudo. Bernardo, grudado na namorada, acenou para ele e continuou cantando junto com a multidão que se formava. Pensou se não era estranho demais ficar parado em um show — talvez pudesse fingir ser um dos seguranças — até que Lucas viu um garoto de cachos ruivos invadir o palco, pulando da plateia até o palanque. A cantora sorriu e ergueu o braço para puxá-lo, oferecendo o microfone.

Boquiaberto, Lucas observou Wallace cantar para o público abaixo dele, completando a música. Usava um colete brilhante sobre a camisa branca, além de calças de couro e botas com solas que brilhavam no escuro. No final, todos aplaudiram e gritaram exageradamente, e Wallace ergueu os braços e o pescoço para o alto. Alguns gritavam seu nome, falando coisas sem sentido ou elogiando-o com palavras de baixo calão. Wall estava adorando tudo aquilo, provando sua popularidade entre os veteranos. Beatriz parou ao seu lado, capturando algumas fotos de Wallace pela lateral.

— E aêê! — ele falou ao microfone. Mais gritos e braços erguidos. — Esperem, esperem... Quero falar uma coisa. Gostaria de parabenizar a todos pela formatura. Espero chegar até esse ponto sem surtar com as dependências! — Wall ajeitou o fio do microfone, e algumas pessoas riram. — Carlinho! Você tá maneiro com esse terno de borboleta. Muito bonito o seu vestido, Mariana. Ah! Quero agradecer ao meu mano Bernardo por ter me ajudado tanto nesses últimos meses. Agradeço também a Susane, a maior violonista que já conheci, por me aguentar nos intervalos e por ter comprado pães de queijo quando eu estava com fome. E também... — o garoto estreitou os olhos para a multidão, andando pelo palco à procura de alguém. Todos estavam banhados por luzes azuis e brancas que giravam sem parar. De repente, Wallace apontou para Lucas e abriu um enorme sorriso. — Lucas Meu Brother! Você veio!

Lucas deu um sorriso envergonhado. Todos, absolutamente todos os que estavam presentes naquele salão olharam para ele. O rapaz teve vontade de se enfiar debaixo do palco. Fez uma nota mental de esganar Wallace por trás das câmeras.

— Eu também gostaria de agradecer ao Lucas por ter sido meu primeiro amigo na faculdade. Ele não vai ficar mais com a gente, seguirá novos rumos e... — Wallace fez um bico, pensando no que dizer. — Ah, não importa. Ele é muito gente boa, uma ótima pessoa! E desenha muito bem. Lucas, saiba que você é, hum, meu melhor amigo. Obrigado por tudo, valeu mesmo. E aí, Beatriz!

Wall fez uma pose, e a moça tirou mais fotos dele. Beatriz riu das posições exageradas do garoto, erguendo o polegar como se dissesse: Ficou ótimo, maravilhoso! Após acenar para mais pessoas e elogiar os ternos e os vestidos, Wallace cantou mais uma vez. Passou o braço em torno da cantora, cantando com ela como se fossem velhos parceiros — nem pareciam ter se conhecido há apenas algumas horas antes do show.

Beatriz e Wall haviam se conhecido no dia em que o garoto resolveu passar um fim de semana na casa de Lucas — e para a surpresa dele, eles já haviam se esbarrado antes. Wall havia feito um pequeno show beneficente, arrecadando brinquedos para as crianças, quando uma das voluntárias o recebeu. A voluntária era nada menos que Beatriz, a namorada de seu atual melhor amigo. Como Wallace havia dito, soltando uma gargalhada: O mundo é um pequeno ovo de galinha, e o acaso não existia. O resultado de tudo foi horas de conversas sobre bandas, instituições filantrópicas e professores insuportáveis do ensino superior.

— Ele parece se sentir muito bem lá em cima — Beatriz segurou a mão de Lucas, e ele a apertou de leve. — É carismático com as pessoas. Um artista precisa disso.

— É. Ele gosta disso — Lucas sussurrou.

Lucas viu Bernardo mandar beijos para Wallace, fazendo coração com as mãos. Susane cantava junto com o cantor invasor, assim como os outros. Luzes vermelhas, azuis e violeta banhavam o rosto de todos, e as trovoadas lá fora pareciam acompanhar as batidas da bateria. Aos poucos, aquela festa tornou-se menos opressiva para ele; e Lucas percebeu que, apesar de todos os esforços pessoais e terapêuticos dos últimos meses, ainda tinha muito para melhorar. Ainda não conseguia falar com algumas pessoas — como com Wallace — e sentia dificuldades no quesito social, incomodando-se com coisas aparentemente banais. Naquele momento, entretanto, o rapaz percebera que ninguém ali se importava com o que ele estava se vestindo ou se estava bebendo ou não. Cada um estava ali à sua maneira, com seu jeito, com suas roupas — elegantes ou reluzentes, como as de Wall — comemorando o fim e o início de um ciclo. Apesar de não ser um dos formandos, ele tentou fazer o mesmo. Queria poder celebrar o que ele havia conseguido naquele ano tão difícil, comemorar a sua relação com Beatriz, com sua família, sentir seu coração amolecer diante da declaração de amizade de Wallace.

Lucas Evans merecia tudo aquilo e muito mais do que viria a acontecer. 



Fim.

Finalizado em: 8 de março de 2023, às 20:20 p.m.

Liza S.V

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