45. O canto dos pássaros

𓅯 Capítulo 45 | O Canto dos Pássaros 𓅯

O mês de agosto chegara trazendo um tempo seco e ameno, oferecendo um pouco mais de sol para aqueles que haviam sentido falta do calor — como Mozart, estirado na grama ao lado do balanço que Ben havia instalado no jardim. Era cedo quando Lucas, como de costume, levantou para fazer o café da manhã. Minutos depois, Luan descia as escadas com as vestimentas apropriadas para exercícios físicos; os cabelos desgrenhados combinando com as marcas de travesseiro em seu rosto sonolento. Havia um pouco mais de uma semana que os dois iam juntos para a academia do condomínio, e o corpo dolorido de Lucas estava começando a se acostumar com aquela mudança de hábito. Tomara a responsabilidade de ficar de olho no caçula, evitando qualquer tipo de confusão com o tal filho do síndico que o irmão havia brigado. Apesar disso, Luan parecia menos nervoso após gastar toda a energia necessária nos aparelhos.

Aos sábados, Lucas continuou saindo com Alberto para o almoço em família. Luan ainda se recusava a ir àqueles encontros, mas o pai não cobrava nada. As coisas haviam mudado consideravelmente após aquela viagem; mas os resultados talvez viriam com o tempo. Alberto ainda parecia desanimado — mas contou certo dia, com alegria, que desde a madrugada em que havia chegado bêbado no apartamento, não havia mais ingerido álcool. As coisas em sua empresa estavam melhores, e ele não fez um sermão quando Lucas havia revelado que havia trancado a faculdade. O rapaz pôde ver a decepção em seu olhar, mas Alberto apenas assentiu, dizendo que Lucas já era adulto e sabia o que estava fazendo.

A verdade era que ele não tinha a menor ideia do que pretendia fazer da vida no futuro, mas tomar aquela difícil decisão foi como tirar um enorme peso das costas. Vez ou outra sentia-se culpado, temendo o que as pessoas — e até mesmo Alberto, às suas costas — pensariam dele. Que burrice, ele saiu de uma universidade pública tão boa, em um curso tão bom! Não importa se ele não gosta, pelo menos terá um diploma! A barriga de Lucas se revirava só de pensar naquilo, mas, no fundo, não sentia arrependimento algum. Ele sentiria falta de Wallace, de suas andanças pelo campus, mas isso Lucas poderia fazer quando quisesse. A única coisa que se arrependera foi por não ter aceitado ajuda psicológica antes; por ter negado algo que estava lhe fazendo tão bem. O rapaz queria cuidar de si mesmo, ser alguém saudável em todos os âmbitos de sua vida — ser bom para Beatriz, para sua família, seus novos amigos e sobretudo para com ele mesmo.

Aparentemente — pela quantidade de emojis chorando e figurinhas de gatos tristes — Wallace não gostou muito da ideia de ficar longe de seu amigo silencioso. Mas, depois, revelou que até ele mesmo havia pensado em desistir no começo; mas que estava animado com a volta às aulas e com as novidades que ele não podia revelar completamente. Wall disse apenas que sua banda estava prestes a renascer das cinzas, mas para isso o garoto tinha que continuar se dedicando à faculdade. Assim, quando as aulas de Wall voltaram, Lucas passava em Belmontine e o amigo pagava-lhe uma coxinha, tagarelando sobre música, sobre as novas disciplinas e os quadros de Lucas — que ele finalmente havia mostrado a ele.

Aos poucos, Lucas voltou a pintar — e sentindo-se tão inspirado que era difícil não pensar em pintar. Tudo começou quando o rapaz acompanhou Pedro e Melissa ao shopping para comprar roupas de bebê e se viu entrando em uma enorme papelaria. Sozinho, pela primeira vez, comprara pincéis e um novo cavalete; com mil ideias fervilhando na cabeça.

Lucas fazia questão de compartilhar seus processos criativos com Beatriz, que deitava em sua cama e observava-o pintar por horas. Às vezes a moça dormia, e Lucas parava para observá-la. Ela parecia exausta todas as vezes em que se encontravam, mas Beatriz nunca se recusava a se encontrar com ele — mesmo com a rotina turbulenta; com tantos trabalhos e tantas coisas para fazer. Mesmo assim, a moça estava sempre sorrindo, com uma pequena câmera fotográfica nas mãos; registrando o que quer que ela achasse interessante. Lucas era uma vítima constante de seus ataques fotográficos.

Um dia, no início de uma manhã de domingo, Lucas estava deitado sobre um pano azul-turquesa, sob uma das árvores do parque, ouvindo um pouco de música enquanto aguardava Beatriz. Disfarçadamente, a moça surgiu com a câmera e o fotografou às escondidas. O rapaz tampou o rosto quando ouviu vários clicks diante dele. Abriu um olho, deparando-se com uma Beatriz risonha.

— Você ficou charmoso — a moça sentou-se ao seu lado, conferindo as fotos. Mostrou-lhe uma delas, e Lucas fez uma careta. — Pare com isso. Ficou bonito sim.

Lucas maneou a cabeça. Não gostava de tirar fotos, mas por ela era um sacrifício válido. Todas as vezes que tiravam uma foto juntos, ele fazia questão de guardá-las em uma pasta virtual, apreciando-as todas as vezes que tinha vontade. Às vezes perguntava-se se o que estava vendo era real; se tudo não passava de uma ilusão de sua mente apaixonada. Lembrava-se de como e quando tudo começou, e das vezes em que ficara contemplando as fotos daquela moça que ele só sabia o nome. O rapaz nunca imaginou que a relação deles passaria daquilo — para ele, Beatriz sempre seria apenas uma vizinha novata que nunca teria um interesse real nele. Nem mesmo para uma amizade duradoura. E ali estava ela, estendendo-se ao seu lado sobre a relva.

— Você gosta dos domingos? — ela perguntou. Lucas deu de ombros, indiferente. — Eu gosto. Me lembra os fins de semana na casa dos meus avós. Eu não gostava das segundas-feiras. Eram terríveis.

Lucas pegou o celular e escreveu no bloco de notas: Como é a casa dos seus avós? E mostrou a ela. A moça já havia mencionado várias vezes a casa dos avós em tom nostálgico e até carinhoso, mas nunca havia contado muitos detalhes sobre. Beatriz já havia lhe contado algumas coisas de sua vida, mas, quanto mais a ouvia, mais Lucas queria conhecer a sua história. Lucas desejava falar diretamente com ela sem usar aqueles recursos; mas ainda não conseguia.

— Ah, eles são incríveis. Nasceram e cresceram em uma cidade pequena, mas muito bonita. Se recusam a sair de lá, dizendo que as cidades grandes são terríveis e apagam as estrelas do céu — ela riu. — São os pais da minha mãe. Nem parece que... — a voz de Beatriz falhou. — Nem parece que minha mãe é filha deles.

Lucas virou o rosto para ela, mas Beatriz olhava para os galhos acima deles. A moça nunca tinha falado da mãe com detalhes; ele só sabia que não tinham uma relação muito boa. Também estava ciente de que Beatriz era filha única e sua infância fora um pouco conturbada por causa dos pais.

— Um dia vou levá-lo lá — Beatriz garantiu. — Você vai gostar. Tem cachoeiras lindas e o céu à noite é espetacular.

O rapaz sorriu e assentiu com a cabeça, desviando o olhar dela. Às vezes se perdia em seu rosto e em sua voz, sentindo-se um bobo. Fechou os olhos, ciente do corpo de Beatriz tão próximo do seu, deitada ao seu lado. Os raios do sol que atravessavam os ramos da árvore tocavam os rostos de ambos, e o canto dos pássaros aumentava conforme a luz se manifestava por trás das nuvens. Lucas sentia seu corpo calmo e estável, a respiração serena. Leve como uma pena, o rapaz deixou-se levar por aquele simples momento de contemplação, liberto de quaisquer sentimento de aflição pelo futuro e lamentações pelo passado. Ele deixaria aqueles conflitos internos para depois.

Bea — Lucas soltou pelos lábios, baixo e sutil, mas o bastante para que Beatriz escutasse.

— Sim...? — ela respondeu no mesmo tom, sem reagir. Também estava com os olhos fechados, ouvindo os passarinhos e as vozes das crianças que chegavam com os pais à distância.

Sem intenção de dizer algo, Lucas tocou na mão da moça, entrelaçando os seus dedos nos dela. Estava cada vez menos difícil tomar iniciativas como aquela — um simples toque em suas mãos, abraços espontâneos e palavras saindo de sua própria boca. Ainda era pouco, mas agora o rapaz sabia que poderia ir além. Como um pássaro acostumado demais a ficar preso na gaiola, seria impossível forçá-lo a voar como aqueles que sempre foram libertos. Era preciso coragem e paciência. Era preciso vencer o que o impedia de ser ele mesmo, ouvir o seu interior para além de todos os ruídos que o impedia de se expressar e conhecer quem ele era — e como ele desejava construir a sua vida.

Lucas ainda não tinha todas as respostas, mas ele sabia que as encontraria.


EPÍLOGO ↪

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