38. Sob as luzes coloridas

𓅯 Capítulo 38 | O Canto dos Pássaros 𓅯

Lucas sentiu que precisava fazer alguma coisa. Sabia que seria difícil, mas não gostava nada daquele clima de tensão e amargura. O apartamento de aspecto abandonado não ajudava. Era estranho para Lucas estar ali dentro, com Alberto recusando-se a sair de frente à televisão para dar uma volta na praia; ou Luan no quarto, com a cara enfiada no celular. Lucas pensou em algo que pudesse mudar as coisas, mas nada vinha. Até que, sentado ao lado do pai no sofá da sala — enquanto o telejornal comunicava desastres e assassinatos — o rapaz pegou o controle remoto e desligou o aparelho.

Alberto franziu o cenho e olhou para ele, confuso.

— Muita coisa ruim na televisão — Lucas justificou-se. — Que tal irmos ao parque?

— Hein? — o pai parecia atordoado.

— Eu vi uma roda gigante enquanto caminhava. Não parece ser tão longe — o rapaz falou. — Estou com vontade de comer algodão doce.

Pela primeira vez desde que voltara bêbado para casa, Alberto sorriu. Ainda era um sorriso murcho e desanimado, mas era um sorriso. O pai se levantou para trocar de roupa, aceitando o convite de imediato. Lá fora, pela varanda do quarto, o sol estava prestes a se pôr. Lucas colocou um moletom cinza, penteando os cabelos cortados, e Luan encarou-o por cima do celular.

— Não quer ir mesmo? — Lucas perguntou pela terceira vez ao caçula, que recusara veementemente todos os convites anteriores.

— Não — Luan disse firmemente. — Odeio parques.

Lucas não insistiu. Alberto o esperava na sala, dizendo que já havia pedido um motorista particular; localizando o endereço do tal parque. Em menos de dez minutos, estavam na entrada do local, lotado de crianças e pais desesperados pela euforia dos filhos. Um palhaço recepcionava-os, fazendo com que algumas crianças — anteriormente felizes — abrissem o berreiro. A roda gigante brilhava em tons de vermelho, azul e verde. Conforme escurecia, o lugar ficava mais brilhante e colorido, e mais gente aparecia.

O rapaz tentou não se sentir nervoso com aquilo. O palhaço acenou para ele e para Alberto, fazendo um gesto para que entrassem logo. Lucas obedeceu, apressando os passos. Ao lado, um carrossel lotado de crianças emitia uma música aguda.

— Aonde vamos primeiro? — Alberto perguntou, olhando para o lado. Era a primeira vez que via o pai empolgado em um lugar como aquele.

— Acho que não aguento mais tanta adrenalina — Lucas olhou para a montanha russa, já enjoado ao ver a altura que os assentos chegavam. Olhou para um dos brinquedos vazios, que girava lentamente conforme subia e descia. — Aquele parece legal.

Alberto assentiu. Um homem passou vendendo algodão doce, e o pai assobiou para que ele parasse. Tirou o dinheiro do próprio bolso, pegando um enorme algodão doce azul e entregando a Lucas. O rapaz ficou um pouco surpreso. O Alberto de anos atrás — e até mesmo de alguns meses atrás — economizaria os últimos centavos do bolso, recusando-se a comprar aquelas bobagens. Contudo, naquele momento, não havia nenhum indício de arrependimento em seu rosto barbado. Em seguida, comprou alguns bilhetes em uma máquina, entregando alguns a Lucas.

Ambos se divertiram em silêncio no brinquedo escolhido pelo rapaz, um sentado ao lado do outro. Depois, Lucas conquistou um pequeno ursinho de pelúcia no tiro ao alvo, e Alberto comemorou com um berro e socos no ar. Flutuaram sobre um cisne gigante (que quase jogou Alberto na água com suas curvas bruscas) e trucidaram alguns adolescentes no carrinho de bate-bate. Por último, para amenizar o radicalismo e a vontade de Alberto de esganar um dos garotos que insistiu em persegui-lo com seu carro, Lucas sugeriu que fossem à roda gigante. Acabaram com os bilhetes ali, acomodando-se no assento duplo.

Quando começaram a subir, Alberto apertou a trava com os dedos e olhou para baixo.

— Gostaria que Luan estivesse aqui também — o pai falou. Toda a sua empolgação parecia ter se esvaído de repente.

Lucas suspirou, segurando o ursinho que havia conquistado dentro do bolso do moletom. Suas mãos estavam geladas e o vento ali em cima estava ainda mais cortante, mas a bela vista da praia abaixo deles amenizava o desconforto.

— Ele disse que não gosta de parques — o rapaz respondeu.

— Ou ele não quer ficar perto de mim — Alberto batia o dedo na trava, ansioso. — Também guarda rancor de mim, Lucas?

— Não, pai — Lucas respondeu mais rápido do que gostaria. Ele não sabia se estava sendo verdadeiro com aquela resposta. Se ele começasse a pensar no passado, talvez uma sensação de repulsa o dominasse. Mas ele não queria pensar no passado; e sim no presente.

— Não sei mais o que fazer. Acho que ele nunca vai me perdoar — o pai desviou o rosto para o lado. O rapaz não sabia o que dizer. Alberto nunca chegou a falar o que realmente sentia em relação àquilo. — Não sei se...se deveria ter feito isso.

— Feito o quê? — Lucas estava confuso.

— Tentar consertar as coisas! Como se pudesse ser consertado — sua voz estava levemente embargada. — Fiz tanta burrada, meu filho. Se eu pudesse voltar ao tempo... Mas eu sempre fui um estúpido, um grosseiro. As mulheres com quem eu saio sempre me falam isso! Acho-as sempre chatas e frescas por causa disso, mas é o meu ego me cegando. Eu sou realmente um estúpido, um burro.

— Pai... — Lucas queria poder dizer algo útil; algo que o deixasse menos triste. Mas nunca havia visto o pai tão vulnerável antes. — Não tem como apagar as coisas que aconteceram, mas pouca gente tem coragem de admitir que errou. Você está sendo corajoso por isso.

Alberto fungou.

— Não sei o que está acontecendo comigo — murmurou. — As coisas pioraram quando... — ele engasgou. — ...quando fui parar no hospital por conta da bebida. No final do ano passado. Bebi tanto que desmaiei. A pior ressaca de todas! Mas, graças aos céus, fiquei apenas um dia internado.

— Eu não sabia disso — o rapaz estava surpreso. — Você não me disse.

— Não queria preocupar ninguém — Alberto parecia envergonhado. — Bem, depois disso, eu consegui diminuir a bebedeira. O médico queria me encaminhar para um psicólogo. Como se eu precisasse dessas coisas! Acho que estou indo bem, apesar das recaídas.

Lucas olhou para o pai. Não, você não parece nada bem, ele queria dizer. Sua aparência desleixada apenas refletia o que havia dentro. Ele não fazia mais a barba como antes. Não cortava o cabelo, usava qualquer roupa que visse no armário; começava a se jogar para baixo a todo momento.

Ele estava agindo como Lucas. Como ele costumava fazer consigo mesmo.

— Eu faço terapia — Lucas revelou. Não sentiu-se constrangido quando Alberto olhou para ele, perplexo.

— Você faz...terapia?

— Sim. A psicóloga é ótima, tem me ajudado muito — Lucas constatou, pensando em Edith. — Diferente de outras que fui. Sinceramente, acho que o médico que te orientou só estava querendo te ajudar.

— Meu filho, eu sou um estúpido, mas não sou louco.

— Terapia não é apenas para loucos — Lucas arqueou as sobrancelhas. O pai desviou o olhar de novo. — Eu não sou louco, só sou alguém que tem algumas questões mal resolvidas.

— Isso tem a ver comigo? — Alberto parecia prestes a chorar de novo. — Tem, não é? Eu também fui um idiota com você. Pode falar, não vou ficar com raiva.

— Não, pai. Tem a ver comigo. Eu comigo mesmo — explicou, reparando o desconforto do pai. É claro que muito do que Alberto fez ou disse o machucou, mas achou desnecessário mencionar aquele detalhe. Lucas não pretendia agir como Luan. — Eu me culpava e ainda me culpo muito por ser quem eu sou. Ainda sinto vergonha de mim. Não vejo as minhas qualidades, apenas meus defeitos. Mas a terapia tem me ajudado em algumas coisas. A me conhecer um pouco. E eu acho que eu já... — a roda gigante parou no topo, e Lucas olhou para escuridão além do oceano. — Acho que não sou tão ruim assim.

— Você?! Sempre foi um menino tranquilo, nunca brigou ou violentou ninguém. Ao contrário do seu irmão... — Alberto deu uma risada rouca, sem humor. — Outra grande besteira que fiz foi incentivá-lo à violência. Com quase cinquenta anos de idade, percebi o quanto isso é terrível.

Lucas suspirou. Alberto realmente tentava limpar as sujeiras do passado, mas não era tão fácil quanto limpar um apartamento empoeirado. Quando a roda gigante deu sua última volta, eles desceram. Alberto saiu apressado da plataforma, sem esperar pelo filho. O rapaz começou a segui-lo de longe, observando seu corpo curvado. O pai então parou em um espaço vazio ao lado dos banheiros, apoiando as mãos na grade que separava o parque da avenida lá embaixo. Mesmo no escuro, viu os ombros de Alberto sacudirem. Sua cabeça pendia para o lado, escondendo o rosto no braço.

O rapaz nunca havia visto Alberto chorar antes.

— Pai...? — Lucas aproximou-se devagar, hesitando ao tocá-lo. Ele estava realmente mal. Mal consigo mesmo, com o que havia feito, com o seu fracasso em tentar reparar as coisas. Para a sua surpresa, Alberto não se afastou dele. Virou-se, envolvendo o filho em seus braços trêmulos em um abraço desesperado. Um abraço que ele nunca chegou realmente a sentir.

Alberto soluçava, inutilmente tentando cessar o choro. Lucas apertava-o contra o seu peito, enquanto a roda gigante banhava-os com suas luzes coloridas. O rapaz fixou os olhos nos carros abaixo nele, na praia, no mar escuro e agitado. Não sabia o que sentir e nem o que pensar — era um momento estranho; mas parecia-lhe certo. Por fim, o pai afastou-se um pouco, enxugando as lágrimas com o dorso da mão. Bateu de leve nos ombros de Lucas, mexendo na lateral do seu cabelo.

— Ficou bom mesmo, hein? — Alberto elogiou mais uma vez os cabelos de Lucas, fugando sem parar. — Acho que eu também estou precisando fazer um corte. Onde você foi?

Lucas sorriu-lhe. Puxou o pai em direção a uma lanchonete que vendia cachorro-quente e pipoca, pegando o próprio dinheiro do bolso.

— Vou levá-lo amanhã — o rapaz prometeu. — Estou com fome. Você poderia pedir um cachorro quente para nós?

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