23. Tempestades internas

𓅯 Capítulo 23 | O Canto dos Pássaros 𓅯

Alerta de gatilho: crise de ansiedade

O símbolo acima estará entre as descrições caso o leitor queira pular a cena.

Tudo piorou no fim daquela tarde. Lucas nunca sentiu tanto medo antes — medo de enlouquecer, medo de ter um ataque cardíaco, medo de morrer. A morte, para ele, nunca pareceu tão próxima quanto naquele dia. A vergonha ainda queimava dentro e fora dele; sentia-se sobretudo humilhado pelo que ocorrera antes de voltar para casa. Heitor, ciente que havia algo de errado com Lucas, ofereceu levá-lo de volta. Lucas não estava com a mínima condição de negar qualquer tipo de ajuda por orgulho. Ele queria, mais que tudo, voltar para casa; trancar-se em seu quarto e tentar, de alguma forma, esquecer-se de tudo o que havia acontecido.

Beatriz acompanhou-os, sentando-se ao lado de Lucas. Incapaz de olhar para o motorista — que ele já estava convencido de que se tratava do amante da garota que estava loucamente apaixonado — o rapaz fixou os olhos na janela, ainda fora de si, até chegarem ao condomínio. Heitor deixou-o na porta de casa, desejando que ele ficasse melhor. Lucas apenas seguiu em direção à varanda, como um zumbi, e não olhou para trás quando Beatriz e Heitor se distanciaram; o som do motor do carro desaparecendo pelas ruas.

Ele não saiu do quarto naquela tarde. Enfiou-se embaixo das cobertas após um banho rápido — uma vã tentativa de aliviar a tensão — e fingiu estar dormindo. Sabia que Miriam ou Ben uma hora notariam seu estado lamentável, e Lucas não queria dar explicações. Sabia que ambos estavam planejando sair para um jantar romântico naquela noite, e não queria preocupá-los com seus problemas. Era provável que Miriam se recusasse a ter um momento a sós com o marido para poder cuidar de Lucas.

No entanto, o rapaz estava cansado de ser um peso. Para Miriam, para a sua família, para todos ao seu redor. Muitas coisas vinham em sua mente; ele só queria parar de pensar. Queria ter o poder de controlar a sua mente inquieta — o que, teoricamente, parecia uma tarefa fácil. Mas não era. As lembranças daquela tarde misturavam-se com os habituais pensamentos daninhos. Era uma praga infinita — Lucas tentava arrancá-las de sua mente, mas elas insistiam em vir à tona. Ele sabia o que aconteceria se não conseguisse se acalmar. Entretanto, antes de tentar qualquer coisa, a respiração já dificultosa começou mais uma vez a sufocá-lo. Como ele aguentaria aquilo de novo? Por que aquilo estava acontecendo com ele?

Lucas achou que fosse enlouquecer com tantos pensamentos; com tantas vozes e lembranças que iam e vinham como ondas agressivas. Era como se ele estivesse em alto mar enfrentando uma tempestade — cujas ondas sacudiram seu corpo como se ele nada fosse. A água salgada adentrava pela sua boca, açoitando seus pulmões e seus membros frágeis. Enquanto isso, vozes de seres marinhos perversos enunciaram, em uma sutil intrusão psíquica: Beatriz nunca vai gostar de você! Você nunca terá uma namorada. Você nunca terá um emprego. Você sempre será um fracassado! Você é o fracasso em pessoa, Lucas!

O pânico se apossou dele naquele momento. De repente, ele não queria ficar sozinho. Não podia ficar sozinho. Uma forma invisível apertava seu peito, querendo esmagá-lo, matá-lo com a falta de ar e o medo que o dominava. Agitado, Lucas saltou da cama e saiu do quarto. O corredor girou, seu corpo ficou quente, e ele novamente temeu desfalecer. As luzes estavam apagadas quando Lucas empurrou a porta do quarto de Luan, deparando-se com um aposento vazio. É claro que o irmão não estaria em casa sábado à noite. Miriam e Ben já haviam saído para jantar. Pedro só chegaria mais tarde.

Lucas estava sozinho. Quando se deu conta disso, tudo o que sentia se intensificou. Voltando para o quarto, o rapaz entrou no banheiro e quase arrancou a torneira ao abri-la. Quando sentiu a água umedecer suas mãos, enfiou o rosto entorpecido sob a torneira e molhou toda a face, passando as mãos na nuca. Ele não se lembrou se havia fechado a torneira corretamente ou não quando, em passos largos e cambaleantes, Lucas escancarou a janela do quarto violentamente e colocou o rosto para fora. Apoiado no parapeito, ele tentava respirar o ar noturno. Olhou para o céu, tão bonito e estrelado; como se debochasse de seu caos. Lágrimas escorreram pelas suas bochechas quentes; e mais uma vez teve certeza que iria morrer ali. Morrer sozinho. Ele não podia ficar sozinho.

O rapaz não sabia de onde tirara forças para pegar o celular sobre a mesa. Suas mãos não tinham controle sobre seus próprios dedos, que tremiam mais do que o normal. Não era apenas um nervosismo qualquer. Todo o seu corpo clamava por socorro. Com dificuldade, ele mandou uma mensagem:

Hoje, 19:25:

Lucas Evans: Oi

Lucas Evans: me ajuda

Lucas Evans: por favor

Lucas Evans: acho que estou morrendo

Beatriz, para a sua surpresa, respondeu em menos de um minuto:

Beatriz: O que está acontecendo?

Lucas Evans: não sei

Lucas Evans: estou sozinho

Lucas Evans: não posso ficar sozinho

Lucas Evans: não consigo respirar

Beatriz: estarei aí em um minuto

Lucas não pensou na possibilidade de sair rolando pela escada quando disparou para fora do quarto. Ele apenas foi, apalpando as paredes pela escuridão até achar o interruptor e descer as escadas correndo. Mozart latiu, desconfiado, até perceber que se tratava do dono. A campainha foi tocada, e Lucas abriu a porta sem hesitar. Beatriz, com a expressão amedrontada, entrou rapidamente pela sala e segurou o braço de Lucas.

— O que está sentindo? Você quer ir ao hospital? — ela disparou, e Lucas logo negou. Ao mesmo tempo em que temia morrer ou enlouquecer, não queria sair de casa. Ele só queria que a moça ficasse ali. — Não está conseguindo respirar direito? Você está quente e tremendo. Sente-se, vou pegar uma água.

Lucas se jogou no sofá da sala, exausto. Beatriz foi direto para a cozinha, procurando por água, até que voltou com um copo cheio.

— Acho que está tendo uma crise de ansiedade — a moça disse, entregando-lhe a água — Você não vai morrer.

O rapaz tomou toda a água, depois encolheu-se no sofá. Beatriz sentou ao seu lado, e Mozart veio farejar suas pernas. Sentou-se no chão diante deles; até o velho cão parecia preocupado. A moça colocou uma das almofadas sobre o seu colo, puxando delicadamente o rígido rapaz para o seu lado. Exausto, Lucas deixou com que sua cabeça repousasse sobre a almofada, ajeitando seu corpo de lado. Suas narinas puxavam oxigênio incessantemente, mas ele já podia sentir o entorpecimento diminuir aos poucos.

Lentamente, seus sentidos foram voltando ao normal. Deu-se conta do que estava acontecendo e concentrou-se no presente, deixando as angústias um pouco de lado. Ele não sabia como conseguiu; mas talvez a presença da moça o tenha ajudado a contrariar seus pensamentos danosos. Lucas nunca havia imaginado que um dia estaria deitado sobre o colo de Beatriz, sentindo suas mãos sobre seus cabelos. O corpo de Lucas tremia por inteiro, como se descarregasse toda a tensão daquela crise que lhe tirara toda a energia. Fechando os olhos, o rapaz sentiu as mãos dela deslizarem pelos seus fios castanhos claros. Ela não precisava dizer nada. Beatriz se importava com ele. Como Lucas foi capaz de pensar o contrário?

Ele queria tanto dizer o quanto gostava dela. O quanto havia ansiado pelo momento em que sentiria seu toque, seu abraço, aquela proximidade que Lucas nunca teve com ninguém. No entanto, ele não queria que fosse daquela forma. Desejava que fosse algo natural, e não fruto de um desespero. Havia uma grande possibilidade de Beatriz estar tocada pela sua fragilidade, e não porque gostava dele. Por que, então, aquelas mãos que acariciavam suavemente seu rosto e afagavam seus cabelos diziam o oposto?

O rapaz se virou devagar, procurando o olhar dela. Apesar da noite, a sala estava clara. A luz da lua e dos postes que iluminavam a rua invadiam a janela, fazendo com que as estantes de Ben e o velho piano não fossem engolidos pela escuridão. O rosto da moça também era visível acima dele; o sorriso sutil e o semblante ainda consternado provocaram-lhe uma sensação de acalento.

— Às vezes... — a moça fez uma pausa, falando baixinho. — Às vezes tenho a impressão que te conheço há mais tempo. Talvez porque tenhamos muito em comum — Beatriz passou a mão de leve pelo braço de Lucas. — Minutos antes de você me mandar a mensagem, eu pensei em você. Me senti tão angustiada. Eu me preocupo com você, Lucas. Te parece estranho tudo isso?

Lucas arqueou as sobrancelhas, abismado. Dessa vez, seu coração palpitava não por medo, mas pela paixão dominante que sentia por aquela mulher. Ele maneou a cabeça em sinal negativo. O rapaz queria dizer que entendia o que ela falava, pois sentia o mesmo. A vida é estranha, Lucas disse para a moça mentalmente. Nunca imaginei que estaria deitado no colo da garota que estou apaixonado. Por favor, não vá embora.

Beatriz sorriu como se escutasse sua resposta silenciosa, e Lucas aproveitou ao máximo aquela visão privilegiada acima dele. Mais uma vez, ele constatou que Beatriz era, acima de tudo, uma pessoa incrível. Ele conseguia ver naqueles olhos angelicais e em seu sorriso ingênuo. O rapaz ficou de lado novamente, dessa vez com o rosto voltado para Beatriz. Queria ficar ali para sempre, sentindo aquele cheiro suave e as mãos acolhedoras sobre ele. Quem sabe fosse mais um sonho para deixá-lo frustrado quando acordasse. Mas ele sabia que não era. Não pensou que a qualquer momento seus pais pudessem voltar para casa e vê-los daquela forma no sofá da sala. Não pensou na possibilidade de Beatriz ser comprometida. Lucas estava cansado de pensar.

Foi uma tarefa difícil manter os olhos abertos com a sonolência que o dominava gradativamente. Queria aproveitar ao máximo aquele momento; como se nunca mais aquilo fosse se repetir em sua vida. Mas o rapaz não conseguiu se manter desperto por muito tempo. Aos poucos, Lucas foi tomado pelo torpor; adormecendo profundamente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top