22. Suposições inoportunas

𓅯 Capítulo 22 | O Canto dos Pássaros 𓅯

Alerta de gatilho: crise de ansiedade

O símbolo acima estará entre as descrições caso o leitor queira pular a cena.

Lucas estava decidido que iria à exposição. Mesmo que todo o seu corpo, aliado à consciência, clamasse pela desistência e tentasse convencê-lo de que tudo daria errado. Que ele causaria um vexame. Que ele passaria uma vergonha tão grande que Beatriz nunca mais quisesse contato. Temeu sentir-se tão mal quanto no dia anterior; mas ainda sim, algo mais forte que ele o impulsionou àquela aventura insana. Miriam insistiu para que ele ficasse em casa, mas Lucas garantiu que já se sentia bem e que provavelmente foi o estresse que o deixou de cama no dia anterior. Mesmo contrariada, a mãe cedeu e pediu para que levasse remédios no bolso, e que qualquer coisa o buscaria de carro — correndo o risco de levar uma multa por alta velocidade.

Conforme estava no convite, a exposição começaria às 13 horas. Lucas só teria que convencer Alberto a levá-lo ao centro da cidade após o almoço, evitando dar maiores detalhes. Ele só havia dito que seria um evento importante que participaria, usando a faculdade como a desculpa perfeita para fazer com o que o pai aceitasse levá-lo sem fazer muitas perguntas. Lucas não queria dizer a verdade. Não queria revelar que se tratava de uma exposição de fotografia; muito menos dizer que foi uma garota que o convidou. O rapaz conseguia escutar a voz do pai, em sua mente, dizendo: Fotografia? O quão útil isso será para a sua formação profissional? O rapaz sentiu um frio na barriga. Odiava mentir, mas ele não tinha outra alternativa quando se tratava do pai.

— É aqui? — Alberto inclinou-se sobre o volante, estreitando os olhos. A sua frente, um prédio alto e escuro erguia-se no céu acinzentado. Uma escadaria larga ladeada por um pequeno jardim ornamentava a fachada.

— Sim. É aqui — Lucas confirmou, conferindo mais uma vez o endereço. Ele desceu do carro, apressado, despedindo-se do pai. O rapaz respirou fundo e avançou escada acima, observando algumas pessoas entrarem pelo amplo salão. Lucas acompanhou-as, tentando controlar o nervosismo.

Para o seu alívio, o lugar não estava tão cheio. Seus olhos procuraram de imediato por Beatriz, mas não a identificou a princípio. Uma escada levava ao andar de cima, onde provavelmente havia mais galerias. O primeiro andar, repleto de fotografias expostas, mostrava paisagens naturais, animais silvestres e flores exóticas. Lucas parou em frente a uma das fotos, observando dois pequenos gafanhotos. Abaixo, o nome científico e outras informações sobre o inseto destacavam-se em letras grandes. Ao lado, a foto de uma cigarra sobre sua carcaça chamou a sua atenção. O rapaz costumava ver muitas delas na antiga casa onde morava, na infância. Lembrava-se de que tinha medo de se aproximar daqueles seres que pareciam fantasminhas assustadores — até que Ben explicou-o que alguns animais trocavam de pele, adquirindo um novo corpo e deixando o velho para trás. Lucas desejou, na época, que os humanos fossem assim também. Ele riu da lembrança, achando uma grande bobagem; até que algo dentro dele se agitou.

Antes que pudesse ouvir a sua voz, ele sentiu a aproximação de Beatriz. Ainda estava focado na imagem dos insetos quando seu coração começou a palpitar, com alegria e ansiedade; e a voz da moça adentrou pelos seus ouvidos a distância:

Olha, ele veio!

Lucas virou-se instintivamente e viu Beatriz descendo as escadas, e de repente nada mais parecia interessante. Nem cigarras em sua metamorfose, nem cachoeiras bonitas. Ele sempre se surpreendia ao depara-se com Beatriz, que parecia cada vez mais bonita aos seus olhos. Os cabelos da moça desciam em ondas pelas costas e ombros, e uma leve maquiagem enfeitava seus olhos castanhos. Lucas nunca a tinha visto com os cabelos soltos; fato que o deixou levemente atordoado. Beatriz sorriu exibindo os dentes, como se estivesse feliz por vê-lo ali.

Contudo, a satisfação por vê-la e presenciar aquele sorriso desapareceu rapidamente do interior de Lucas. Um rapaz a acompanhava — o mesmo que Lucas vira dirigindo o carro que Beatriz havia estado. Ele era bem mais alto que Lucas; os braços fortes sob a blusa de malha revelavam seu porte físico avantajado. Definitivamente, era um cara bonito — não só pelo corpo, mas pelo rosto modelado e os cabelos escuros impecáveis. Era o típico homem padrão agraciado pela genética de deuses gregos.

Lucas desviou o olhar de imediato, sentindo um gosto amargo na boca. Doeu-lhe ver aquilo. O rapaz teve vontade de ir embora, envergonhado e com o coração aflito, mas ele não faria aquilo com Beatriz. Tentou se lembrar de seu sorriso quando o viu, convencendo-se de que ela se importava o suficiente com ele.

— Que bom que veio, Lucas — Beatriz disse, já ao seu lado. O rapaz de cabelos escuros parou atrás dela, erguendo a palma em um rápido cumprimento. Lucas maneou a cabeça, não conseguindo manter o olhar sobre eles. — Esse é o Heitor, meu colega de sala. Heitor, esse é o Lucas, meu vizinho.

Lucas sentiu o olhar de Heitor sobre ele, e uma irritação profunda tomou conta de seu ser. Tentou se controlar, sorrindo forçadamente e fixando os olhos sobre a imagem dos gafanhotos.

— Muito prazer, Lucas — a voz do rapaz era neutra, grave e profunda. Muito mais agradável que a voz de Lucas. Por que Beatriz pensaria em se interessar por ele, se aquele homem existia?

O rapaz maneou a cabeça mais uma vez, em uma resposta silenciosa. Não conseguia disfarçar o seu desconforto. Heitor estava próximo demais de Beatriz; de um jeito protetor e íntimo, mas não demonstrava possessividade. Sorria gentilmente para ele, talvez se perguntando porque aquele garoto magrelo e esquisito não abria a boca.

— Vou mostrar para ele nosso projeto. Pode ajudar o pessoal lá em cima? — Beatriz falou, afastando-se do outro rapaz para ir em direção a uma das fotografias. Heitor assentiu, concordando. Ergueu a palma em um aceno, despedindo-se de ambos. Não pareceu hesitar em deixá-la sozinha com Lucas, o que era um bom sinal. Ou não. Quem sabe apenas supunha que Lucas não era nenhuma ameaça.

Tentando inutilmente ignorar as suposições de sua mente, ele seguiu Beatriz pela galeria e deixou com que ela apresentasse o projeto. Beatriz dissera que Fotógrafos ambientais profissionais e em formação, juntamente com biólogos e geógrafos, criaram aquela exposição como forma de conscientização ambiental. Lucas percebia os olhos da moça brilharem ao falar daquele projeto e sua importância; e para ele, sentir o seu amor pelo trabalho e a satisfação que demonstrava foi o bastante para abrandar o que sentia.

As primeiras fotografias mostravam os insetos e algumas formações rochosas, passando para a flora e o restante da fauna. Eles riram juntos dos macaquinhos que pareciam sorrir para a câmera e admiraram a beleza e as cores de um lobo-guará. Mas não havia apenas coisas bonitas. Cenas de atropelamento de animais silvestres e poluição humana se opunham às outras imagens. Algumas foram tiradas por Beatriz; e ela fazia questão de revelar a sua autoria em cada uma delas.

— Essa é uma das minhas fotografias favoritas — ela mostrou uma borboleta azul-bebê. — É uma Morpho epistrophus. A primeira foto notável que eu consegui tirar com minha câmera nova. Gosto dos insetos, sobretudo as borboletas. — a moça olhou para Lucas, que observava a foto com admiração. Abaixo, como era regra, havia o autor da imagem: Beatriz Sierra.

Beatriz Sierra, ele repetiu mentalmente. Lucas sorriu e apontou para a tatuagem no braço da moça. O rapaz havia reparado semelhanças entre a fotografia e o desenho em sua pele. Compreendendo o que ele queria dizer, Beatriz riu e assentiu.

— Sim, é a mesma — ela confirmou. — Você foi o primeiro a reparar.

A moça o guiou até o segundo andar, onde mais fotografias estavam expostas. Ali, os mamíferos e árvores com risco de extinção eram os destaques. Tudo estava ocorrendo bem quando o salão, espaçoso e ventilado, começou a encher. De soslaio, Lucas notou o olhar de Heitor na direção deles. No entanto, não se aproximou; mas o rapaz parecia atento à presença dos dois. Beatriz continuou guiando-o pela galeria, mas Lucas não conseguia mais manter a concentração em sua fala ou no ambiente ao redor.

O que temia estava acontecendo — quanto mais pessoas chegavam, quanto mais o barulho dos passos e o vozerio aumentavam, mais atônito ele ficava. Fitando os próprios pés, ele viu o salão girar em sua cabeça; e a temível asfixia começou a tomar conta de seus pulmões. De novo não, de novo não, ele repetia mentalmente. Não aqui, não na frente dela...

—....você vai ao aniversário de Raoni amanhã? — Beatriz perguntava, a voz distante chegando aos ouvidos de Lucas como se ele estivesse dentro de uma piscina. Aniversário de Raoni? Ele se perguntou, confuso, ao mesmo tempo temendo desmaiar sobre ela. — Estão combinando...no grupo...e...bem?

Lucas olhou para ela, os batimentos cardíacos cada vez mais alterados. Não conseguia compreender nada do que ela dizia. Apoiou-se na parede, enjoado e tonto. Alguns segundos de lucidez, após a breve tontura, permitiu que ele entendesse o que ela dizia:

— Está bem, Lucas? Quer se sentar? — o rapaz sentiu suas mãos sobre ele, o olhar alarmado. Beatriz o guiou lentamente para a varanda, ajudando-o a se sentar em uma das cadeiras. As vozes das pessoas ao redor diminuíram, e ele começou a respirar melhor com a suave corrente de ar que atingiu-lhe o rosto. — Respire fundo...não gosta de lugares cheios, não é? Está tudo bem. Não há ninguém por aqui.

(Beatriz o leva para a varanda do edifício, ajudando-o a se sentar)

Lucas fechou os olhos, tentando controlar a respiração. Surpreso, ele sentiu uma das mãos de Beatriz sobre seu pulso e a outra em suas costas. O rapaz concentrou-se naquele toque, que se transformava em uma leve carícia. Alguém trouxe um copo d'água, mas ele só percebeu que fora Heitor quando escutou sua voz próxima, falando com Beatriz. Aos poucos, Lucas foi se acalmando; os dedos rígidos junto à palma aos poucos cedendo ao relaxamento.

Bebendo a metade da água, trêmulo, ele baixou o rosto e fitou a mão da moça ainda sobre seu braço. Ele desejou tanto aquilo. Mas não naquela circunstância, quando não conseguia sentir as coisas como deveria. Naquele momento, Lucas só conseguia sentir angústia, medo e vergonha.

— Vamos... — Beatriz ergueu a mão para ele, solícita. — Vou te levar para casa.

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