6. Paraíso
☆ Capítulo 6 | O Canto das Estrelas ☆
Lucas odiava profundamente as apresentações escolares as quais era obrigado a participar. Na verdade, era obrigado até certo ponto — pois, quando o viam paralisado no palco, nos treinos antes do evento, os professores o retiravam. Tentava colocá-lo sempre na parte de trás, onde o menino ficaria menos exposto. Não exigiam que ele cantasse com os seus colegas, nem que recitasse poemas no microfone. No entanto, queriam que ele dançasse a patética coreografia, mas até isso Lucas se recusava. Ele não conseguia. De cima do palco, imaginava as cadeiras vazias do auditório cheio de gente, e seu estômago gelava ainda mais. Então, a professora responsável pela apresentação o retirava; tentava conversar com ele, mas nada resolvia. Naqueles momentos, Lucas tornava-se aquele menino retraído, evitando contato visual, a cabeça curvada e as sobrancelhas franzidas — tão diferente de quando estava no recreio, correndo com os colegas e brincando no parquinho de areia. Assim, o menino passou a não participar das apresentações que exigiam a subida em um palco. Ele não gostava de dançar com pessoas olhando; ficava ansioso só com a possibilidade de mexer as pernas na frente dos colegas. A única coisa que não se recusava a fazer era participar da quadrilha das festas juninas anuais — o qual ele adorava; pelo menos até certa idade. Com o tempo, a ansiedade também lhe tiraria a vontade de participar daquele evento.
Suas dificuldades aumentaram conforme as exigências do novo ciclo escolar também se ampliaram. Mas como ser tão exigente com uma criança de oito anos? E que, apesar da mudez, era um menino obediente, fazia as atividades, era pontual e não desrespeitava os colegas. Além disso, era muito inteligente. Compreendia as coisas rápido — como regras, palavras e matérias novas. A coordenação escolar preocupava-se mais com aqueles que apresentavam dificuldades severas de aprendizagem, ou aqueles que sempre eram advertidos por desobediência ou mal comportamento. Lucas não incomodava, e o seu silêncio — apesar de sempre ser motivo de debate entre educadores — tornou-se algo habitual. Ninguém, a não ser alguns colegas esperançosos, esperava que Lucas abrisse a boca para emitir algum som. Sempre haveria aqueles que ficavam à espreita, tentando escutar a sua voz. Mas a maioria não se importava tanto — Lucas era apenas "o garoto que não falava".
Era aquela falta de expectativa e aceitação que o menino precisava para sentir-se seguro na escola. Todos já o conheciam — o diretor, os funcionários de serviços gerais, e até mesmo a bibliotecária. Pessoas novas o intimidavam. Não só na escola, como nos locais que era obrigado a frequentar com a mãe: o supermercado, a padaria, o cabeleireiro. Como era uma criança ainda, não era comum se dirigirem a ele. Porém, o cabeleireiro novo era um pouco inconveniente — falava demais, tentando puxar assunto com Lucas; fazendo piadas com a mudez dele. Lucas sentia que não era por maldade, mas aquilo o deixava extremamente nervoso. Suava frio por baixo da capa, contando cada minuto do tempo. O corte parecia durar uma eternidade. Queria tanto que aquele homem calasse a boca! Apesar de Miriam estar ali o tempo todo ao seu lado, respondendo por ele, o cabeleireiro não cessava de perguntar as coisas para Lucas.
— Já é a terceira vez que vem aqui e eu não escuto a sua voz! — ele riu, passando o pente em seus cabelos molhados. — O gatinho comeu a sua língua?
Lucas esforçava-se para não revirar os olhos, descer daquela cadeira desconfortável e sair correndo dali. Aquela frase era clássica. Respondia mentalmente: Eu nem tenho gato! Mas contentou-se em fechar a cara e não fazer contato visual. Algumas pessoas não percebiam o quanto isso o incomodava — ou, por se tratar de uma criança, não o levavam tão a sério. Se ele fosse um adulto e fechasse a cara diante de uma brincadeira, será que as pessoas o achariam fofo também?
— Eu não quero mais cortar o cabelo — Lucas disse enquanto voltavam para casa, já bem distante do salão. O homem havia cortado como Miriam havia pedido (pois sempre conversava com o filho antes a respeito do corte): não cortar muito a franja, deixar as orelhas escondidas; cortando apenas o excesso nas pontas que cresciam rapidamente.
— Podemos procurar outro salão — a mãe sugeriu, mas não parecia muito preocupada com aquilo. Miriam parecia estar em outra dimensão, bem distante da tormenta infantil do filho. Talvez estivesse pensando demais no trabalho que tanto estava gostando.
Ao contrário do pai, o trabalho não parecia estressar Miriam. Ela sempre compartilhava com os filhos sobre as casas que ia levar os clientes, sobre os bairros que conhecia e algumas situações engraçadas que aconteciam. Um dia, a mãe contou sobre um cliente que tinha um filho mais ou menos da idade de Lucas; e disse que em breve se encontrariam para que se conhecessem. O menino logo se esquivou, não gostando nada dos planos da mãe. Miriam nunca havia falado tanto de um cliente quanto falara do tal de Benício e seu filho Pedro.
— Pedro é um doce de criança! — Miriam elogiou — O pai dele está prestes a alugar uma casinha há quinze minutos daqui. Bem próximo da escola de vocês. Que tal nos encontrarmos na pracinha para conhecê-los?
— Não quero — Lucas balançou a cabeça, sério. Ficou imaginando como seria aquele tal de Pedro que Miriam tanto se encantara. Já podia imaginar a cena: o garoto perguntando o seu nome, Lucas desviando o olhar recusando-se a respondê-lo. O pai dele o acharia um sem educação, perguntaria se o gato comeu sua língua e iriam embora achando Lucas o ser mais estranho do universo.
A última coisa que o menino queria era mais uma pessoa para importuná-lo — logo quando os colegas novos finalmente largaram um pouco do seu pé. Mas Miriam estava determinada a levar os filhos para conhecer o outro garoto. Então, depois da aula em uma tarde de sexta-feira, a mãe pegou os meninos na escola e os levou à tal praça. Algumas crianças mais novas já estavam ali com os pais. Lucas olhava ao redor, ansioso, mas Miriam disse que eles não haviam chegado ainda.
O menino ficou aliviado, mas a sensação durou pouco. Minutos depois, quando Lucas tentava dissipar o nervosismo no balanço, um homem de pele escura, calças jeans e camisa social atravessou a praça segurando uma sacola. Do outro lado, agarrando a mão do pai, um menino com as mesmas características físicas do homem olhava diretamente para eles.
Miriam levantou-se rapidamente do banquinho, cumprimentando o homem e a criança com alegria. O menino desconhecido aproximou-se de Lucas e Luan, oferecendo-lhes um sorriso gentil.
— Oi, meu nome é Pedro — cumprimentou-os educadamente. — Muito prazer.
Lucas ficou paralisado. Luan acenou exageradamente.
— Oi, oi, oi, Pedro! — o caçula sorriu com suas banguelas recentes. — Camisa legal do Batman!
— Obrigado. Vocês querem brincar comigo? — Pedro convidou-os.
Lucas olhou para a mãe. Sentiu os olhos do pai de Pedro observando-o, e o menino enfiou a cabeça no braço de Miriam.
— Lucas é muito tímido. Mas logo vai se soltar — ela explicou. Benício agachou-se à sua frente, exibindo o mesmo sorriso do filho.
— Ei, rapazinho! — ele retirou pacotes vermelhos da sacola que segurava. — Sua mãe disse que vocês adoram pipocas doces. Eu sou levemente viciado nessa ambrosia dos deuses, mas tenho que me segurar por conta da dieta. Mas hoje é sexta-feira! Alegria!
Lucas olhou para o pacote de pipoca doce. Ergueu a mão, hesitante, sentindo sua boca salivar. Luan agarrou o seu com avidez, sem agradecer — o que fez com que a mãe o censurasse pela falta de educação. Nos primeiros minutos, Lucas recusava-se a se soltar do braço da mãe. O caçula falava sem parar, convidando Pedro para subir no escorregador. No entanto, este ficava olhando de soslaio para Lucas, desejando que o menino interagisse com ele — e talvez se perguntando porque não falava nada. Enquanto isso, Lucas comia a sua pipoca com o rosto voltado para a rua, ignorando Pedro.
Apesar de seu desconforto inicial, nem Benício e nem Pedro fizeram as clássicas perguntas. O homem não o pressionou a falar com ele; nem mesmo perguntou para Miriam porque ele não queria falar. A justificativa de que Lucas era um garoto tímido bastava para eles. Mas Pedro não desistiu dele naquele dia. Aproximando-se devagar, sentou-se no chão diante de Lucas. O coração do menino disparava loucamente, e ele mais uma vez foi obrigado a olhar para Pedro.
— Lucas, você não quer brincar? — o menino perguntou. — Sabe jogar Jogo da Velha? Se não souber, eu te ensino. Trouxe giz de cera, podemos fazer no chão. Se a polícia passar, a gente sai correndo!
Pedro riu, e Lucas escondeu a boca no braço da mãe para disfarçar a sua vontade de rir também. No fim, Lucas acabou aceitando. Ele não perguntou nada que exigisse a sua fala, afinal. Já sabia o seu nome, e isso deixava o menino menos apreensivo. Lucas arriscou-se, mesmo com o corpo trêmulo e o coração à mil, a brincar com o garoto — agora não tão desconhecido assim.
No chão da pracinha, os dois meninos jogaram o jogo da velha por longos minutos, e Lucas sentia-se cada vez mais à vontade. Luan ficou olhando por algum tempo, mas logo decidiu que seria mais interessante brincar com as crianças da idade dele. Em nenhum momento Pedro perguntou porque Lucas não falava. Assim, estabeleceu-se entre eles, no primeiro dia, um laço de confiança que raramente Lucas sentia por alguém. Pedro era calmo, educado e doce. Miriam estava encantada por ele — e, consequentemente, pelo pai. Afinal, Pedro tinha a quem puxar.
Percebendo que os garotos haviam se dado muito bem, os encontros ficaram mais frequentes. Um dia, Pedro e Benício apareceram na casa deles em um fim de semana. O homem, que adorava cozinhar, fazia o almoço ao som das músicas pop's do momento — as quais os meninos adoravam. Não demorou muito para que Lucas gostasse de Benício, que tinha uma grande facilidade para adentrar no universo infantil sem perder a elegância de um adulto. Toda a relação entre eles foi tão natural e fluida que pareciam se conhecer há anos. Apesar de não conseguir falar com Pedro, Lucas adorava encontrar-se com ele — e vice-versa. Benício sempre comentava sobre a euforia no filho.
— Esse menino ficou louco quando disse que iríamos para a casa do Lucas! — ele contou. — Mal dormiu à noite. E eu, um pouco ansioso, fiquei procurando a receita da melhor lasanha que eu já fiz na vida. Há tempos eu não fazia...
Foi então que, naquele dia, Lucas comeu a melhor lasanha de sua vida. Por trás de toda aquela alegria de Benício e do filho, no entanto, escondia-se um acontecimento um tanto doloroso. Lucas só soube algum tempo depois, quando perguntou a Miriam se Pedro não tinha mãe. Ela não costumava mentir para o filho, então disse o que Benício havia lhe contado certa vez, quando se encontraram em um café (enquanto os meninos estavam na escola):
— A mãe de Pedro foi para o céu recentemente — Miriam revelou ao filho com pesar. — Mas não pergunte a ele sobre isso, tudo bem? Se quiser falar sobre, Pedro irá contar a você do jeito dele.
Lucas calou-se, se sentindo triste de repente. Não conseguia nem imaginar como seria perder a mãe. Admirou o seu novo amigo ainda mais — pois é assim que o menino passou a considerá-lo: como um amigo; seu melhor amigo. O menino contava os dias para vê-lo de novo, para brincarem na pracinha ou na rua de sua casa. Pedro contava-lhe que sua casa nova não tinha um jardim tão legal e tão grande como aquele, e sua rua não tinha tantas árvores.
— Aqui é o Paraíso! — Pedro sorriu. — Gosto muito do pé de manga.
Eu também! Lucas queria gritar, mas não podia. Contentava-se então a sorrir, balançando a cabeça freneticamente. Naqueles encontros, passavam horas e horas brincando, comendo, correndo, ralando os joelhos, comendo a maravilhosa lasanha de Benício no almoço (ou outra iguaria igualmente divina) e grandes pacotes de pipocas doces à tarde.
O menino concordava com o seu novo melhor amigo. Sua casa era o Paraíso.
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