2. Um caso peculiar

☆ Capítulo 2 | O Canto das Estrelas ☆

Foram necessárias apenas quatro consultas para que Miriam desistisse da ideia de deixar Lucas naquela clínica. O menino sempre voltava para casa ainda mais calado e retraído, os olhos arregalados e exausto. Durante algumas semanas, ele não conseguia dormir sozinho. Não falava o que havia acontecido, mas era evidente que a ansiedade do menino havia piorado. Antes de tomar aquela decisão, Miriam conversou com a psicóloga, que pareceu não ter gostado muito da atitude da mãe.

— Lucas me parece um garoto carente, sobretudo do pai — a psicóloga concluiu. — Você disse que seu filho mais novo é mais apegado a ele... Desconfio que Lucas esteja com ciúmes, e essa mudez se desenvolveu para chamar atenção.

— Lucas fala com o pai, e eles têm uma ótima relação. Nunca o vi demonstrando ciúmes — Miriam não reprimiu a irritação na voz. — Estou realmente preocupada com o meu filho. Ele não consegue dormir à noite, tem crises de choro e diz que não quer voltar à clínica. Conversarei com ele e, assim que tomar uma decisão, avisarei à sua secretária. E pode deixar que o último pagamento entrará em breve.

Miriam saiu daquele lugar, aliviada. Era como se um enorme peso tivesse saído de suas costas. Havia tomado a decisão certa. Procuraria outro profissional mais capacitado; alguém com quem Lucas se sentisse mais acolhido. A mãe não sabia o que havia acontecido, mas descobriria. O menino, contudo, permaneceu calado. A mãe não entenderia. Não havia acontecido nada de absurdo; no entanto, o que a mulher disse e fez foi o suficiente para que ele ficasse assustado.

A psicóloga — que Lucas nem se lembrava do nome, pois era muito difícil e ele não fez questão de gravar — parecia ter chegado à mesma conclusão que Alberto: ele não falava pois estava querendo chamar atenção; por uma escolha dele, por uma brincadeira idiota de criança. Na sala colorida e feliz, Lucas sentia-se triste. Estava cansado de fazer birra, chorar e gritar com a mãe, pedindo para ficar em casa. Estava triste por não poder confiar em Miriam como antes, pois ela o havia colocado naquela situação. Lucas não tinha noção que a mãe havia feito aquilo para o bem dele. Não sabia que as coisas seriam daquela forma.

Na primeira consulta, Lucas ficou congelado. Não conseguia chorar, não conseguia olhar para o lado, para os brinquedos, para a mulher à sua frente. Ela falava com ele de forma carinhosa, mas o menino não reagia. Nem balançava a cabeça, como costumava a fazer quando alguém fazia-lhe uma pergunta que poderia ser respondida com um sim ou um não. A psicóloga oferecia-lhe brinquedos, tentava convencê-lo a fazer algo — mas a criança permanecia olhando para baixo, fixado nas próprias mãos trêmulas. No final da consulta, a mulher já não apresentava mais a mesma paciência de outrora.

— Na próxima consulta, você vai falar comigo, viu? — ela disse baixinho, em um sorriso maternal, mas Lucas sentiu outra coisa. Quase que uma ameaça. Quando Alberto ficava bravo com os filhos, era o mesmo olhar; era o mesmo tom de voz.

O medo de Lucas aumentou. No sábado seguinte, o menino agiu da mesma forma, mas a mulher não o ameaçou mais. Na terceira consulta, forçou-o a falar enquanto jogavam — ou tentava fazê-lo jogar — um jogo de tabuleiro. O menino não disfarçava o desconforto: a expressão séria, os lábios cerrados e os ombros curvados deixavam claro que ele não queria estar ali e não estava gostando da forma que estava sendo tratado.

— Lucas, Lucas... — a mulher suspirou, guardando o tabuleiro — Se você não falar, como vai conversar com os colegas? Como vai fazer as atividades da escola? Vai ficar para sempre no ensino fundamental?

O menino levantou-se, correndo em direção à porta branca. Tentou abrir a maçaneta, mas era dura demais. A mulher puxou o seu braço, forçando-o a se sentar no banquinho no qual estava. Colocou a face diante do rosto aflito da criança, advertindo-o:

— Não faça isso! Ainda não acabamos!

Lágrimas começaram a cair pelas bochechas de Lucas, e ele chorou baixinho, sem emitir som algum. A mulher continuou forçando-o a brincar, mas o menino se recusava. Queria tanto ir para casa. Queria gritar pela mãe, mas não conseguia. Forçá-lo a brincar e a abrir a boca o deixava ainda mais com medo, mais ansioso. Seu coração palpitava, as mãozinhas úmidas e trêmulas cerradas sobre as coxas. Por que estava fazendo isso com ele? Se aquela mulher estava ali para ajudá-lo com o seu medo de falar, por que estava deixando-o com mais medo?

Depois de alguns minutos — que mais pareceram uma eternidade para ele — Miriam veio buscá-lo. Rapidamente notara o estado ainda pior do filho, e começou a achar que aquilo não estava fazendo bem para ele. Mas ela tinha que confiar naquela profissional... Ou escutar a sua intuição. A quarta e última consulta, portanto, a fez tomar de vez aquela decisão. Miriam tirou o filho no meio da consulta, sentindo o coração apertado. Disse à psicóloga que tinham que ir embora, sem dar explicações. Miriam estava engasgada. Foi só depois, na ausência de Lucas, que fora conversar com a mulher; que acabou concluindo que a causa da mudez do menino era ciúmes.

Depois daquilo, Lucas não voltou mais àquela clínica. Nunca mais viu aquela mulher. No entanto, Miriam não havia desistido da ideia de encontrar um diagnóstico; de um profissional que saberia lidar com a mudez de Lucas. Alberto, ainda que resistente ao fato, ajudou a esposa a procurar outros psicólogos. Ficava horas lendo as letras miúdas do jornal que sempre fazia questão de comprar da banca da esquina. Miriam buscava orientação na escola, procurando por alguma indicação. Até que um dia, três meses depois — quando Lucas estava quase que totalmente recuperado do medo que tinha da ideia de ter que fazer terapia — os pais o levaram à outra psicóloga.

Esta era mais velha, pequena e inofensiva. Sorria para Lucas o tempo todo; e até que o menino gostou dela. Não o forçou a falar. Recomendou que Miriam ficasse ao seu lado o tempo todo, e a mãe brincou com ele, tentando uma conversa descontraída, apesar de Lucas nunca responder diante daquela mulher desconhecida. A terapeuta os observava, vez ou outra anotando algo em um caderno.

Foi assim por um mês e meio. Ainda que não fosse forçado a falar, Lucas sentia-se mal. Sabia que estava ali pelo fato de não conseguir falar com as pessoas, como se fosse um doente. A terapeuta, percebendo que não houvera êxito em nenhuma das sessões, encaminhou-o para um fonoaudiólogo; pedindo para que Miriam continuasse levando o menino para as sessões. Assim a mãe fez, e Alberto teve que sair mais cedo do trabalho para levá-lo ao profissional indicado. O fonoaudiólogo (que Lucas não fazia ideia do que se tratava na época), um homem de meia-idade e um tanto brincalhão, analisou o comportamento de Lucas e conversou com os pais. Ao terminar, ele pediu para falar sozinho com a mãe. Alberto pegou o filho no colo, levando-o para fora. Lucas ficou observando a paisagem pela janela do prédio o qual estavam — prédios, estacionamentos, algumas árvores — enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

Enquanto isso, Miriam conversava com o fonoaudiólogo, respondendo às perguntas de sempre.

— Então, o menino só fala em casa... — o homem olhou para as próprias anotações. — Apresenta alguma dificuldade na fala?

— Não, fala perfeitamente — Miriam afirmou. — Até melhor que as crianças da idade dele.

— Já apresentou gagueira?

— Não.

— Hum... — ele colocou os óculos sobre a mesa. — É uma situação um tanto peculiar. Nunca vi esse caso antes. No entanto, se Lucas fala normalmente em casa, sem apresentar dificuldades... Há alguma chance do seu filho está imitando o comportamento de algum coleguinha? Em casa, há alguém com deficiência auditiva, por exemplo? Ou um mudo?

Miriam piscou, reflexiva. Pelo que ela sabia, não havia nenhuma criança com deficiência na sala de Lucas. Mas aquilo não poderia ser; pois já apresentava aquele comportamento desde a pré-escola.

— Não, não pode ser isso... — ela negou. — Acho que é algo dele, algo que lhe dá medo.

— Algum trauma? Presenciou algum tipo de violência?

A mulher suspirou. Já sabia onde aquilo ia dar. Nada seria resolvido.

— Não, eu saberia se isso tivesse acontecido em minha ausência.

— Pode ser até autismo... — o homem balançou a cabeça, convicto que havia achando um caminho. — Recomendo que continue a investigação com a psicóloga.

— Ela disse que pode ser autismo pela sua dificuldade de interagir... Mas...— Miriam engoliu em seco. — Ele só não interage com a fala. Os professores dizem que ele brinca, ele sorri, apesar de apresentar uma timidez excessiva em algumas ocasiões... Eu diria que ele se adaptou bem à escola.

— Pois bem, continuem investigando isso — o homem guardou a papelada. — Estarei à disposição para ajudá-los se for necessário. Por hora, é preciso ter paciência. Como eu disse, é um caso peculiar.

— Um caso peculiar... — Miriam repetiu baixinho, abaixando os ombros. Agradecendo, ela saiu da sala e seguiu o marido e o filho para o estacionamento. Um caso peculiar... Será que o que o seu filho tinha não havia nome, não havia um diagnóstico?

Ela não aceitava que aquilo fosse uma realidade. Assim, investiu na terapia, na qual fazia questão de sempre estar ao lado do filho. Não houve avanços, entretanto. Na escola, os professores ficavam atentos para relatar qualquer coisa de diferente no comportamento de Lucas; tentando encontrar algum resquício de mudança. Mas nada de novo foi constatado. Apesar da mudez do menino, ele brincava normalmente, e até mesmo tinha alguns amiguinhos — que quase sempre perguntavam a ele porque não falava. Lucas sentia-se incomodado com aquilo, ignorando-os. Sempre a mesma pergunta. Por que aquela curiosidade irritante?

No primeiro ano na nova escola, aquela pergunta foi mais frequente; mas logo os colegas desistiram de obter uma justificativa. No entanto, Lucas sentia que a curiosidade para com sua voz estava sempre ali, latente, e seria difícil fazer com que Lucas fosse visto como um "garoto normal". Os professores, pacientes, faziam ao máximo para incluí-lo. Ao perceber o desconforto de Lucas, tentava descobrir como melhorar — às vezes, era apenas um colega fazendo a pergunta de sempre; ou até mesmo fazendo-lhe chantagem.

— Se você não falar, não vou devolver o seu caderno novo — um colega disse certa vez. Lucas deu de ombros, sem dar a mínima para aquela ameaça. Que o garoto ficasse com seu caderno, com seu estojo novinho, com seus preciosos lápis de cor. Ele não ligava.

Observando a cena, a professora que estava na sala advertiu o menino; e este devolveu o caderno para Lucas, derrotado. Aquelas pequenas ameaças, mesmo que infantis, deixava Lucas desconfortável. Mas logo ele se esquecia: naquela época, aos sete anos, não costumava ficar remoendo aqueles momentos ou guardando ressentimentos. O mesmo colega que o havia chantageado convidava-o para brincar no recreio — mas sempre com a expectativa de que Lucas falasse alguma coisa.

Era nas aulas de artes que Lucas se soltava mais. Nas outras aulas, o menino não conseguia interagir tanto quanto da aula da professora Cilene — uma mulher divertida, sempre de bom humor, cujos aventais coloridos e temáticos chamavam a atenção das crianças. Ela foi a primeira a perceber que o comportamento do menino silencioso mudava quando estava na sala de artes. Ao longo daquele ano, a professora aos poucos foi colocando Lucas em posição de liderança sem perceber. Era ele quem distribuía as folhas, os lápis, as tintas, e depois ajudava a professora a juntar a bagunça. O menino sentia-se realmente bem naquela pequena e colorida sala de artes, cujas mesas coletivas estavam sempre manchadas de tinta e massinhas de modelar. Ali, Lucas parecia ganhar um respeito maior — afinal, ele era considerado o líder, mesmo sem falar.

Além disso, ele desenhava muito bem para a idade dele. Tinha mais firmeza nas mãos e, quando produzia as atividades, ficava imerso no que fazia; sem apresentar nenhum resquício de ansiedade. Cilene o elogiava, mandando um recado na agenda para os pais, dizendo que Lucas era um ótimo artista; muito comportado e organizado. Gostava das coisas limpinhas, sempre colocava os pincéis de volta nos lugares e limpava a sujeira que havia feito na mesa — sobretudo quando mexiam com tinta. Quando ganhara um avental, o menino abriu um enorme sorriso exibindo os dentes, o que era inédito. Lucas nunca sorria daquela forma, pois tinha vergonha.

— Seu sorriso é muito bonito, Lucas! — Cilene elogiou, ajudando-o a colocar o avental. O menino baixou a cabeça, um pouco envergonhado, observando o enorme bolso na altura de sua barriga. — Hoje, vamos pintar sobre o Dia Mundial dos Oceanos. Os quadros vão ser expostos na Mostra de Projetos. Você pode ajudar a distribuir as cartolinas?

Lucas concordou com a cabeça. Certo dia, quando a professora de português pediu para que ele distribuísse as folhas de atividades para os colegas — como sempre pedia para outros — o menino ficou paralisado, negando-se a perambular pela sala com mais de vinte colegas observando-o. Mas ali, na sala de artes, era diferente. Cilene percebera que ali ele se sentia mais confortável. O pequeno Lucas já era um grande artista.

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