16. Futuro sem cor
☆ Capítulo 16 | O Canto das Estrelas ☆
Nada interessante ou surpreendente aconteceu durante os anos no ensino médio. Nesse período, foi a primeira vez que Lucas e Pedro ficaram distantes — mesmo que permanecessem amigos e nunca brigassem. No entanto, tanto Pedro quanto Luan eram bem diferentes dele. Aliás, Lucas era diferente de todos os seus colegas e de todos os jovens da idade dele. Para além de sua mudez, Lucas não tinha os mesmos interesses dos jovens. A maioria pensava em relacionamentos amorosos, sexo, festas e faculdade. O rapaz não pensava em nada disso. Ter um relacionamento amoroso estava bem fora de sua realidade — e, se não se dava bem na escola, como seria se ele entrasse em uma faculdade? Ele não gostava nem de imaginar.
Apesar de não considerar que tenha feito alguma amizade, havia algumas pessoas que passariam a considerá-lo um pouco mais como um colega digno de atenção. Talvez por pena ou quem sabe pelo clima de união que se apossou da sala no último ano. Lucas sentia-se incomodado com isso às vezes, pois já havia se acostumado com a solidão; mas, ao mesmo tempo, cedia a alguns convites inesperados de alguns colegas.
Bernardo foi um dos que tentou aproxima-se dele. Não porque queria ser amigo de Lucas — o rapaz duvidava daquela possibilidade — mas porque o colega costumava ser gentil com todos. Seu jeito lembrava-lhe Pedro; que, ao mesmo tempo que era sereno e tímido, conseguia ter um bom relacionamento com todos. Assim, Bernardo era o único que o convidava para fazer provas em dupla ou trabalhos em grupo, não se importando com o fato de Lucas não falar. No entanto, nunca se aproximaram tanto a ponto de fazerem amizade. Talvez porque Lucas não permitisse tal aproximação — pois construíra uma muralha tão alta e tão resistente ao seu redor que era difícil alguém acessar seu interior. Contudo, toda muralha de proteção era construída por algum motivo.
No fundo, Lucas tinha medo de que alguém se aproximasse para machucá-lo com as palavras. Por isso, na primeira vez que Bernardo o chamou para fazer uma atividade em dupla — a qual pretendia deixar em branco — o rapaz aceitou com hesitação. Para ele, era um tanto suspeito alguém se aproximar de repente. Lucas já esperava por perguntas sobre a sua mudez; ou quem sabe ofertas de ajuda. Mas Bernardo não perguntou nada. Estava focado na atividade, percebendo de imediato a dificuldade de Lucas com os números. Quem sabe não foi a professora que, preocupada com as notas do rapaz, não pediu para que um dos melhores alunos o ajudasse?
Era isso, então. Bernardo não estava ali por pura e espontânea vontade. Era sempre por piedade. Afinal, quem queria ser amigo de um cara como ele? Bernardo não precisava disso — apesar de não ser muito popular, ele tinha amigos e nunca ficava sozinho. Apesar disso, era o único que não parecia realmente incomodado pela presença silenciosa de Lucas. O colega quase sempre fazia toda a atividade — o que salvava as notas dele — e não parecia sentir-se mal por isso. Lucas, por outro lado, sentia-se péssimo. Até quando ficaria tão dependente de outras pessoas? De seus pais, de seus irmãos, de seus colegas?
Com dezessete anos de idade, a tolerância para com ele diminuíra consideravelmente — até que chegaria um momento em que seu comportamento se tornaria inaceitável. Lucas marchava cada vez mais rápido para a fase adulta e não conseguia vislumbrar um futuro para si. Enquanto isso, seus colegas de turma já sonhavam acordado com a faculdade, com os cursos que realizariam, com as conquistas pessoais. O espírito de aventura dos jovens pairava por toda a sala, cheios de expectativas e esperanças. Uma nova fase da vida os aguardava — a fase que se tornariam legalmente maiores de idade; que os levariam a ser independentes e livres para fazer suas escolhas pessoais. Ótima fase para eles, e não para Lucas. Ao contrário dele, eles tinham um futuro.
Não por falta de esforço próprio, o rapaz tentou imaginar como seria a sua vida depois da escola. Sem ir muito longe, ele enxergava apenas um futuro sem cor e sem grandes conquistas. Aquilo deixava-o melancólico. Pela primeira vez, começava a preocupar-se de verdade com o que seria da sua vida. E nada vinha em sua mente. Absolutamente nada.
Tentando sair daqueles pensamentos, Lucas mergulhava em suas artes sombrias, seu lápis de desenho e a borracha quase toda desgastada. Era a única coisa que restava-lhe. Certa vez tentou desenhar um castelo, relembrando as antigas aventuras de infância com os seus irmãos.
— Você desenha bem — Lucas ouviu a voz grave de Bernardo atrás dele. — Posso me sentar com você? Vai ter um trabalho de Biologia.
O rapaz escondeu o desenho disfarçadamente sob os braços e assentiu. Bernardo arrastou uma carteira vazia, encaixando-se à sua. Lucas encolheu-se instintivamente. Ele já estava preparado para as perguntas de sempre: Por que você não fala? Você é mudo? Você tem língua? Pois, na maior parte das vezes, as pessoas se aproximavam para questioná-lo; para tentar matar suas curiosidades. Estendiam papel e caneta para o rapaz mudo, mas nada adiantava.
Contudo, Bernardo não demonstrou aquela curiosidade — nem se importou com os olhares que choviam sobre eles. A todo momento, era como se Lucas fosse abrir a boca e falar; mesmo após anos naquela escola sem emitir um som. Com a cabeça baixa e os ombros encolhidos, o rapaz tentou continuar o seu desenho, mas não conseguiu.
— Eu sou horrível para desenhar — Bernardo confessou, passando a mão pelo topete escuro. Um brinco brilhava em sua orelha esquerda. — Já tentei, não tenho a mínima paciência. Tentei copiar os desenhos de botânica do professor de Biologia, mas olha no que deu.
Bernardo mostrou-lhe seus desenhos primários do caderno de Biologia. Lucas deu um sorrisinho, querendo dizer que o desenho não estava tão mal assim. No fundo, porém, teve vontade de rir.
— Pode rir, eu não ligo — o colega sorriu. — As crianças do maternal fazem uma angiosperma melhor do que eu!
Para a sorte dos dois, Bernardo sabia mais sobre a matéria de Biologia do que ele, e Lucas sabia desenhar a anatomia das plantas melhor do que o colega. O trabalho da disciplina foi justamente fazer um apanhado das informações passadas nas aulas anteriores, como forma de revisar a matéria. Lucas fez os desenhos, Bernardo colheu as informações e ambos fizeram o resumo. Pela primeira vez em um trabalho em grupo ou em dupla, o rapaz sentiu-se útil e valorizado. Foi elogiado pelo professor e ambos receberam a nota mais alta, o que ajudou Lucas a passar da média na disciplina. Depois disso, eles chegaram a fazer exercícios de matemática juntos; mas nenhum daqueles momentos os fizeram se tornar grandes amigos.
Naquela última etapa escolar, Lucas dedicou-se o máximo que conseguiu para que não ficasse de recuperação no final do ano — fato que sempre era esperado, pois o rapaz definitivamente não era um dos melhores alunos da turma. O clima era de união e expectativa. Falavam a todo momento sobre faculdade, sobre seus futuros, sobre a festa de formatura, sobre namorados e namoradas. Lucas sentia-se um tanto deslocado em meio àqueles assuntos; distantes demais de sua realidade. Conforme o final do ano se aproximava, mais Lucas ficava ansioso para se formar logo e nunca mais voltar para a escola — local onde sentia-se um animal exótico e incapaz de desenvolver-se.
Lucas sentia-se um burro mesmo tirando notas altas em matérias que ele tinha maior afinidade. Nunca estava satisfeito consigo mesmo — com a sua aparência, com seus talentos naturais, o seu jeito. Sua baixa autoestima e sua ansiedade o impedia de participar dos eventos organizados pelos colegas — privilégio dos alunos do último ano — mas o clima fraterno que se estabeleceu no fim do ano obrigou Lucas a comparecer em alguns deles. Primeiro, participou da foto em conjunto da turma e do lanche coletivo organizado pelos colegas. Depois, o arrastaram para uma brincadeira de verdade ou desafio; garantindo que ele não precisava falar caso fosse escolhido pela garrafa giratória.
O rapaz se arrependeria rapidamente por ter aceitado aquele convite idiota para uma brincadeira igualmente idiota. Sentado à roda com seus colegas de turma, Lucas sentiu a boca seca e a tontura tomar conta do seu corpo nos primeiros segundos. Os jovens gargalhavam, conversando paralelamente, até que uma colega colocou uma garrafa d'água no centro do círculo que formavam e girou-a. Todos gritaram quando a tampa da garrafa apontou para outro colega, que escolhera responder uma verdade.
A brincadeira se estendeu por alguns minutos. Lucas torcia para que aquela maldita garrafa não apontasse para ele. Por alguma sorte do destino, a garrafa apontou para a colega ao seu lado — e, para o azar de Lucas, ela escolheu desafio.
O garoto que havia girado a garrafa deu um sorriso malicioso. A colega ao lado ergueu a coluna, preparando-se para realizar qualquer desafio proposto.
— Eu te desafio a beijar o Lucas — o colega disse, olhando de soslaio para o rapaz. Lucas gelou de imediato enquanto os colegas gritavam. Queria balançar a cabeça, negando, mas estava congelado. Bernardo olhava para ele, boquiaberto, mas não falava nada para defendê-lo ou para anular aquele desafio.
A garota olhou para ele. Orgulhosa e dona de si, não pretendia deixar passar nenhum desafio. Ela murmurou um pedido de permissão, mas o rapaz mal escutava a sua voz. Os gritos aos poucos diminuíram, e o silêncio se instalou no salão que haviam se reunido. Sem resposta — pois Lucas encontrava-se parado como uma estátua — a colega levou os seus lábios aos dele. Aconteceu tudo em menos de três segundos, mas o momento pareceu durar uma eternidade. Os colegas que assistiam a tudo soltaram gritos eufóricos, chamando a atenção de alguns funcionários da escola.
Lucas sentiu a sua boca úmida, e o enjoo tomou conta dele. Não sabia se era porque estava nervoso demais — por ter acontecido na frente daquela gente, ou porque nunca havia feito aquilo antes. Ele não esperou chegar ao final do jogo para sair dali. O rapaz foi direto para o banheiro, apressado. Seu coração ainda palpitava de ansiedade, e seu estômago doía. Não foi nada de mais, ele tentou convencer-se. Ela mal tocou na minha boca. No fundo, porém, Lucas sentia-se patético. Olhou-se no espelho e constatou que odiava o que seu reflexo lhe mostrava.
Com os olhos marejados, ele encarou o próprio rosto magro e coberto de espinhas. Você nunca terá uma namorada, Lucas Evans, decretou, sentindo um peso terrível em seu coração. Ele não se sentia digno de ter uma namorada; não se sentia digno de ser amado por quem quer que fosse.
Aquela seria uma verdade que ainda carregaria por muitos anos.
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