Capítulo 6 - parte 8 (não revisado)

Após o segundo banho, Carlos acompanha Sheila até à sua casa, de modo a trocar de roupa, e seguem para o Cantinho. Como o carro do Carlos está na revisão, vão a pé, pois ele não quis pegar o do pai nem o da mãe. Entretanto, estão muito perto de tudo.

Os amigos, para variar, estão todos lá e já não estranham nada em ver os dois muito abraçados, com os corpos colados.

– Mauro – Denílson chama o amigo.

– Fala, negão.

– Cem pratas que o quatro olhos pede ela em casamento até ao reveillon.

– Tá maluco? – Mauro dá uma gargalhada. – Quer perder a sua grana? Se fosse namoro, eu recusava a aposta, mas casamento? Aposto quinhentos!

– Combinado, mas só quero ver onde vai arrumar a grana.

Mauro olha para Carlinhos e vê que este beija a Sheila com ardor e muita paixão, começando a ficar preocupado, especialmente ao ver o seu olhar. Depois acalma-se, pois casamento é algo muito sério para se fazer em menos de três semanas. Com uma sonora gargalhada, diz:

– Galera. Hoje de noite vamos a um bar bacana que tem lá no Leblon?

– Por nós está ótimo. Preciso de carona que o meu carro tá na revisão. – Afirma Carlos. – Qual foi o motivo da gargalhada?

– Nada não. Um dinheirinho fácil que vou levar do negão.

– A última vez você se danou. Quem pode dar carona prá gente?

– Levo vocês – Ricardo oferece. – Passo na sua casa às oito.

– Combinado, amigão.

Bia aparece logo depois, acompanhada do outro Carlos. Ambos gostaram muito da turma e juntam-se a eles. Carlos olha Sheila com o seu homônimo e nota logo a serenidade dela, ficando feliz pela moça. Tem saído com a Bia e as conversas que ambos vêm tendo, fazem com que ele passe a olhar a ex-colega de escola de outro jeito, sem falar que a semelhança com a irmã ajuda, fortemente reforçada pelas discussões filosóficas.

– Soube do seu livro, Carlinhos. Parabéns.

– Obrigado, Bia. – Carlos sorri para a moça de quem gostou muito. – Espero que lhe agrade.

– Agrada, sim e já estou lendo. Mas cá para nós: a sua personagem é a minha irmã!

– Parece sim. – Carlos fica vermelho. – Digamos que estava inspirado nela.

Uma viatura da polícia militar encosta ali e um policial desce, ficando o segundo no veículo. Olha a turma e aproxima-se deles.

– Algum de vocês esteve correndo no calçadão há algumas horas?

– Não. – Responde Mauro. – Aconteceu alguma coisa?

– Sim, quatro rapazes meteram-se com um casal e receberam a maior surra do mundo. Um deles está entre a vida e a morte, com os testículos esmagados e o pênis rebentado, o que provocou uma hemorragia violenta. O outro tem uma fratura craniana e o rosto todo rebentado de tanto soco. O terceiro, tem o braço fraturado em dois lugares, sendo que são fraturas expostas, e os tímpanos estourados. O quarto, além dos tímpanos estourados e o rosto todo rebentado, tem várias costelas fraturadas e um pulmão perfurado. Acontece, meu jovem – o policial olha para Carlos – que uma testemunha viu e contou que foi uma ação de legítima defesa contra uma tentativa de assédio e provável estupro. Além disso, a descrição bate literalmente com você e essa moça que está ao seu lado.

– Policial. – Mauro diz, na maior cara de pau. – Carlos e Sheila estão com a gente há um tempão. Não podem ter sido eles.

O policial vira o rosto para Mauro, muito sério, e este sente-se meio incomodado. Volta a olhar para Carlos.

– Olhe, meu jovem, eu odeio estupradores e desordeiros. Já vi o que pode fazer quando surrou o rapaz racista, mas tenha cuidado porque, se eles o reconhecerem, pode se encrencar e muito. Eu vou fazer de conta que nada vi e nada sei, mas tenha cuidado.

– Policial. – Denílson levanta-se. – Somos doze amigos dispostos a jurar perante o juiz que Carlinhos e Sheilinha estão conosco desde muito cedo, mesmo que isso não seja verdade, compreende? É a palavra de quatro marginais contra doze pessoas sem antecedentes de espécie alguma.

– Você tem bons amigos, meu jovem. – O policial dá uma batidinha no ombro do Carlos. – Valorize isso que é muito raro.

– Policial – Carlos levanta-se – eles feriram a minha amiga de forma traiçoeira, cruel e absurda, sem falar que pretendiam violentá-la e me surrar. Se fosse necessário, faria tudo novamente. Simples assim, pois o senhor não tem ideia do que fizeram com a Sheilinha. Como o senhor disse, tenho ótimos amigos. Mas obrigado pelo aviso.

– Sei muito bem o que fizeram, meu jovem. Eu sou a testemunha. Quando os vi atacarem a moça estava longe demais e não deu tempo de os alcançar. Você foi mais rápido. Felizmente, pois eu ia meter bala neles. Odeio estupradores, mas cuidem-se.

– Obrigado por ser bacana, senhor. – Sheila levanta-se e abraça o policial. – Eles me provocaram muita dor.

O policial vira-se e volta para a viatura. Mauro diz:

– O quatro olhos entrou novamente em ação. Você demoliu os quatro mesmo, hein? Ai do infeliz que se atravessar na frente da Sheilinha. – Dá uma risada e continua. – O seu Dom Quixote só precisa tirar os óculos e pôr a capa vermelha.

– Pare com isso, Sancho, e traga o meu cavalo. – Mauro faz uma grande careta e a turma ri da cara dele. – Oh, minha Dulcineia, olhe onde nós fomos parar!

Sorrindo, ela beija-o e diz:

– Você não é o meu Don Quixote e sim o meu Don Juan.

Quando está na hora de irem, Sheila pede carona para a irmã e o outro Carlos.

– Adeus, Juan. Estarei na sua casa às oito.

― ☼ ―

– Você está bem diferente, mana. – Afirma Bia, quando ficam ambas a sós. – Voltou a ser a minha irmãzinha e os seus olhos brilham tanto que dá pra apagar a luz.

– Ele é o meu gatinho, Bia.

– Bota gatinho nisso. Caraca, fiquei com saudade dele. – Diz, rindo. – Mas o outro Carlinhos também é dez!

– Você é mesmo tarada, hein!

– Acho sou mesmo, sem falar que tenho um lado meio bissexual e adoro transar com uma garota.

– Caramba, Bia, por essa não esperava!

– Ora, adoro transar e sou literalmente uma tarada. Há bem pouco tempo eu transei com você!

– QUÊ? Que papo é esse?

– Aquela noite que você encheu a cara, lembra? – Bia dá uma sonora gargalhada ao ver o rosto da irmã, bem vermelho. – Lembre-se que cu de bêbado não tem dono. Você caiu na cama, daí tirei as suas roupas e...

– VOCÊ NÃO SE ATREVEU, BEATRIZ!

– Claro que não – Bia dá uma gargalhada – apenas tirei a sua roupa e lhe pus o pijama. Só queria tirar uma onda com a sua cara. Você devia ter-se olhado no espelho.

– Cê tá falando sério que é bi?

– Ué, qual é o problema? – Bia ri. – Não seja preconceituosa. Muitas das vezes que ia estudar na casa da Helena e dormia lá foi para fazer isso com ela. Mas eu gosto mesmo é de garotos.

– Mais alguma surpresa reservada?

– Deixe disso, mana. Pela sua carinha, vocês transaram hoje.

– Pra caramba, mana. Fui ao delírio. Vocês vão ao bar com a turma?

– Sim, mas mais tarde. Diga, mana, o que os caras fizeram com você? – Sheila conta tudo e a irmã arregala os olhos. – Caraca mana. Esses se ferraram direitinho.

– Se foi. Nunca imaginei que alguém tão doce pudesse transformar-se tanto.

– Bem, eles mereceram. Afinal, Carlinhos é muito calmo e controlado. Isso só prova uma coisa: ele ama você e saiu do sério por sua causa.

― ☼ ―

Na hora marcada, Ricardo encosta na frente da casa do Carlos e pega o casal. Ele dirige com velocidade mas segurança.

No bar, a turma junta-se, ocupando uma boa parte de um dos cantos. Não muito longe, Carlos vê alguns sujeitos observando-os. Nota que eles cheiram cocaína, ocultos.

– Mauro. – Chama o amigo discretamente. – Aqueles quatro estão cheirando um pó e são da turma do Gilberto. Lembra?

O rapaz observa-os.

– Sim, quatro olhos, mas fique na sua. Nós somos tantos que eles não se vão meter. Pelo amor de Deus, nada de tirar os óculos.

– Eu espero. – Carlos dá uma risada. – Obrigado por me proteger esta tarde, mano.

– Esqueça, irmãozinho. Só não mate ninguém.

A turma bebe tranquilamente e diverte-se. Na hora de irem embora, Carlos aconselha o amigo:

– Ricardo, você tá pra lá de alto. Eu só tomei três long-necks. Que tal me deixar levar o carro?

– Qual é. – Dá uma risada alegre. – Eu tô legal, mano.

– Tem certeza?

– Claro! – Responde com toda a segurança.

– Ricardo, tem lugar para mais um? – Pergunta Denílson. – Eu não tô a fim de ficar segurando vela para a minha irmã e Mauro.

– Vamu nessa, negão, entra ae.

Vão indo relativamente tranquilos, com o casal no banco de trás. Sheila aproveita para abraçar e beijar Carlos, sempre muito apertada a ele, que a acaricia pelo corpo todo. Param no sinal e um carro encosta, provocando Ricardo que adora um racha. Carlos ao ver quem são os ocupantes do carro, exclama:

– Não faça isso, Ricardo. São da gangue do Gilberto e tão pra lá de cheirados. Cara, isso é pedir sarna pra se coçar!

– Qual é. Os manés não são páreo. – Sem aviso, este sai voando. Assustada, Sheila agarra-se a Carlos.

– Tô com medo, amor. – Diz ao seu ouvido. Carlos passa o braço em volta do ombro da moça e beija-a, acalmando-a.

– Por favor, Ricardo, não faça isso que vai dar xabú. – Por mais que Carlos tente, o amigo não desiste. No primeiro sinal que param, o jovem abre a porta e puxa Sheila consigo. – Se você quer se matar, faça-o sozinho. Pode seguir que eu e Flor vamos de táxi.

Denílson ri, enquanto Carlos bate a porta, muito irritado. Mal o sinal abre, Ricardo sai cantando pneus, seguido pelo outro carro. Na beira da rua, Carlos espera que um táxi passe. Por mais de quinze minutos aguardam e nada, até que um carro para ao lado do casal. A janela abre e Bia olha para eles.

– O que aconteceu? – Pergunta, espantada. – Vamos, entrem logo que estamos a um quilômetro da Favela da Rocinha, danada de perigosa ou não conhecem a cidade?

– Obrigado, gente. – O casal entra e Carlos conta a história, enquanto vão andando.

– Que estupidez – comenta o outro Carlos – é a melhor forma de se perder a vi...

– Oh, meu Deus! – Assustado, Carlos interrompe quando estão na saída do túnel do Joá. – Aquele é o carro do Ricardo. Carlos, encoste atrás da polícia, por favor.

Os quatro olham dois carros capotados. O do Ricardo na pista e o outro entre o guardrail e a rocha do morro, entalado. Mal encostam, Carlos corre a ver os amigos. Ignorando os policiais que o tentam impedir, desvia-se com facilidade e chega perto deles. Agoniado, vê Ricardo no chão, morto. Ajoelha-se ao seu lado, com lágrimas nos olhos. Após uns segundos, levanta-se para ver Denílson, também no chão e inconsciente. Abaixa-se e verifica o pulso do amigo, pressionando a jugular e ficando aliviado ao notar que não parece estar em estado grave. Assustado, olha de novo para o outro amigo, aproximando-se do mesmo. O corpo está branco, completamente pálido, e os olhos abertos. No peito, vê um buraco e dá-se conta que aquilo é um tiro. Um dos policiais aproxima-se e pergunta:

– Conhece os dois, rapaz?

– Sim. Eramos colegas de escola e de faculdade. Estávamos no mesmo bar ainda há pouco. Os ocupantes do outro carro também estavam lá, cheirando cocaína. Eu peguei carona com eles, mas quando os quatro daquele carro começaram as provocações, desci com a minha namorada. Só estou vivo por isso. – Carlos dá-se conta que está cheio de lágrimas. Sheila aproxima-se e pega a sua mão. O jovem continua. – Policial, aquilo é um tiro. Ele foi assassinado!

– Eu sei, filho, mas os três ocupantes do outro carro estão todos mortos.

– Oficial. Eram quatro ocupantes. Um deve ter fugido e sou capaz de reconhecer os quatro. Além disso, deve ter ido em direção à Barra, pois isto não aconteceu há mais de vinte minutos e nós vinhamos atrás.

Imediatamente o PM passa um rádio e uma das viaturas sai em direção à Barra, caçando o criminoso. Denílson abre os olhos e vê o amigo.

– Carlos. – A sua voz é fraca. – Você tinha razão. Me perdoe por rir de você.

O policial aproxima-se e escuta.

– O que houve, negão?

– Ricardo venceu a parada e eles pararam no sinal, furiosos. Sacaram de revólveres e fugimos, acelerando com tudo. Estávamos a duzentos por hora, quando eles começaram a atirar. Acertaram Ricardo que caiu para a frente e o carro capotou uma penca de vezes. Os caras bateram na gente e perderam o controle, capotando. Depois disso, não lembro mais nada.

– Não se mexa, Denílson. Vou tentar chamar Mauro e Rita. Não se mexa para não comprometer sua coluna. Espere a ambulância.

– E Ricardo?

Carlos apenas sacode a cabeça, em sinal de negação. Vira-se para o PM com o telefone na mão.

– Eu gravei tudo com o celular, policial. Isso ajuda?

– Muito, meu jovem, mas só se o seu amigo não sobreviver. Felizmente, acho que ele não está muito ferido.

Carlos levanta-se e liga para Mauro. Este não atende e ele insiste. Na quarta vez, o amigo responde com a voz muito irritada:

– "Carlinhos, você é o meu melhor amigo, então me dê uma boa explicação para insistir tanto em me ligar quando não desejo atender? Estou muito ocupado!"

– Onde está, Mauro?

– "Em São Conrado, num motel e no maior fuzuê com a Ritinha. Agora ela foi ao banheiro. Cara você está empatando!"

– Pelo amor de Deus, Mauro, esqueça isso e venha voando para o Joá, na saída do túnel. Ricardo está morto e Denílson ferido. Peça para a Rita ligar para os pais dela.

– "Meu Deus! Estamos indo, té mais... RITA..." – Carlos ainda ouve o grito do amigo, chamando a namorada.

Desliga e abraça Sheila, aflito.

– Você nos salvou a vida, amor. O pior é que se fosse há alguns dias, eu teria rido de você e ficado dentro daquele carro. Você me salvou a vida. – Ela chora. – Como eu fui tão idiota e fútil por todos estes meses!

– Esqueça, Florzinha. – Abraça-a. – Amo você.

Quando os paramédicos chegam, Mauro também encosta, frenando fortemente e assustando a polícia. Mal para o carro, Rita sai correndo aos gritos pelo irmão, ajoelhando-se ao seu lado e chorando sem parar.

Mauro aproxima-se e fica ao lado dela.

– Como você está, Denílson? – Pergunta. – Vê se não vai morrer que tem uma aposta pra perder.

– Já estive melhor, irmãozinho, mas acho que me safo. Cuide da Ritinha que ela está muito aflita. Eu acho que só tenho o braço quebrado, pois não sinto dores em outros lugares e consigo mexer os pedos dos pés. Carlos disse que Ricardo está morto. Eu vi ele ser baleado, Mauro. Eu vi!

Após removerem o corpo e darem depoimentos para a polícia, que encontra armas e drogas no outro carro, fotografadas por Carlos, cada qual segue o seu rumo.

O outro Carlos deixa os três em frente ao apartamento das garotas e despede-se.

– Quer subir comigo Juan?

– E a nossa conversa Sheilinha?

– Hoje somos Juan e Flor, esqueceu? E depois do que vi, preciso de você mais que nunca, Carlinhos.

– Ora, Carlinhos – Bia provoca – suba sim que eu fico no quarto dos meus pais.

No elevador, Sheila abraça o seu amor e Bia, muito sacana, olha o rapaz, com atenção, dando a maior secada e, tentada, dá um beliscão no traseiro dele que dá um pequeno salto, assustado.

– Foi mal – diz ela rindo – era só pra provocar.

Tarde da noite, Carlos continua acariciando Sheila, afagando os seus cabelos, que se encosta mais a ele e sussurra, deitando a cabeça no seu peito:

– Amo tanto você.

– Também a amo, Sheilinha. Amo demais e não quero mais essa espera e indecisão. A vida é demasiado curta e perigosa para perdermos tempo com coisas tão pequenas. Sabe, a morte do Ricardo me abalou muito. Eu te amo e te quero para sempre. Você foi a única pessoa no mundo para quem eu disse isso, sabia? E a primeira vez foi final de Fevereiro.

– Você quer dizer que... – ela tem lágrimas.

– Quero dizer que a amo e desejo ficar com você o resto da minha vida, se você também quiser. Basta de desencontros.

― ☼ ―

Dulcineia: Personagem de Don Quixote de La Mancha de Cervantes. Uma donzela imaginária que Don Quixote desejava salvar.


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