Capítulo 5 - parte 1 (não revisado)
"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."
Friedrich Nietzsche.
Abatido, Carlos caminha até à praia e senta-se no Cantinho, enquanto pensa no que lhe aconteceu no último mês. Não esperava tomar esse fora tão sem sentido e sofre um pouco, magoado por nem ter conseguido convencer Ana. Pouco tempo depois, Sheila passa correndo e, ao vê-lo ali sozinho, para e aproxima-se, notando logo o seu rosto abatido.
– Aconteceu alguma coisa? – Pergunta, já preocupada. – Onde está Aninha?
– Não aconteceu nada, Sheila. Ana está em casa. Se quer saber o que foi, ela terminou comigo.
– Mas que maluca! Não saia daí que eu já volto. – Com uma sonora praga, a garota corre até à casa da amiga. Entra sem bater e encontra Ana sentada no chão da cozinha, chorando muito, com os olhos vermelhos e inchados.
– O que você foi fazer, Aninha? – Zanga-se com ela. – Volte imediatamente para ele.
– É o que eu mais desejo, mas não vou fazer isso.
– Que droga, Ana. – Senta-se ao seu lado e puxa a amiga pelos ombros, fazendo-a encostar a cabeça em si. Delicadamente, afaga seus cabelos. – Será que tá todo mundo doido? Volte para ele, pelo amor de Deus. Carlinhos está lá no Cantinho com a maior cara de cachorro abandonado.
– Não, Sheila. Ele não me ama e nunca irá amar. Eu sei que ele gosta de mim, que está até apaixonado, mas jamais irá me amar.
– O que lhe dá essa certeza, Ana?
– Porque ele não me pode amar já amando outra pessoa, apenas isso.
– E posso saber quem é que ele ama assim desse jeito? – Ana afasta-se da amiga e olha nos seus olhos, afirmando sem rebuços:
– Deve. Ele ama você.
– Por acaso você alucinou, Ana? – Pergunta, espantada. – Ele me detesta. Jamais perdoou o que lhe fiz. Pô, não vacila.
– Isso não significa que não a ame.
– Você tá doidona, Ana. Por acaso começou a usar drogas? Deixe de besteira. Ele até deu um carro zero para você...
– Não. Sei que vou sofrer, mas me recupero. Melhor terminar agora do que ele terminar depois, daqui a sei lá quanto tempo, quando se der conta que a ama...
– Olhe, Ana, você não diz coisa com coisa. Se ele me ama, não tem como não se dar conta.
– Escute, eu ouvi isso da boca dele, entendeu? – Irritada Ana vira-se para a amiga e olha-a nos olhos, cheia de lágrimas. – Eu ouvi da boca dele, Sheila.
– O que exatamente você ouviu?
– "Amo você, Sheilinha." – Afirma. – Isso não basta?
– Não acredito!
– Nós estávamos dormindo. Levantei para beber água e, quando voltei a me deitar, ele me abraçou dormindo e disse exatamente essas palavras. Ele não sabe disso, então seja discreta. Afinal, qual é o seu problema? Agora você sabe que ele não a esqueceu. Aproveite, mas vá com calma.
– O meu problema é que você é minha amiga, Ana, só isso.
– Por favor, me deixe a sós.
– Ana...
– Olhe, eu não estou zangada nem com ele nem com você e sei que fiz a coisa certa, ok? Agora, só quero ficar a sós. Por favor, Sheila.
– Tudo bem, Aninha. – Beija a amiga e sai, retornando para o Cantinho. Enquanto anda, pensa eufórica no que a amiga disse. Ao chegar lá, vê Carlos ainda sozinho, tomando uma cerveja. Mantem a mesma cara abatida. Põe a mão no seu ombro e tenta confortá-lo, dizendo:
– Sinto muito, Carlos, mas ela nem quis saber de voltar para você.
– Ela não vai voltar. – Afirma. – Eu conheço-a muito bem.
– Olhe, não fique assim. Que tal dar uma corridinha comigo. Isso ajuda a aliviar. Digo de experiência própria. Além disso...
– Você não aguentaria o meu ritmo por mais de cinco minutos, Sheila, esqueça.
– Ora, sedentário como anda, acha que pode correr mais do que eu?
– Jamais fui sedentário. Isso é coisa da sua cabeça.
– Você pretende ficar assim o resto do dia? Pelo amor de Deus, Carlinhos, vo...
– Escuta aqui, Sheila – vira-se para ela, muito irritado – quem sabe você me deixa em paz de uma vez por todas. Que merda!
– Caramba, Carlos, só estava sendo gentil, tentando ajudar...
– Então não me ajude, que droga. Você só atrapalha a minha vida. Foi por sua causa que ela terminou comigo. Justo agora quando eu estava voltando a ser feliz. E é sempre você que acaba com a minha felicidade. Basta ter Sheilinha por perto que eu me ferro direitinho. Faça um favor e me deixe em paz. Suma da minha vida, pelo amor de Deus.
– Não acredito que disse isso! – Começa a chorar. – Eu me importo com você, Carlos, eu am...
– E não é a mais pura verdade? – Está com a voz muito irritada e alterada. – Se eu pudesse, fazia você desaparecer para todo o sempre!
Chorando muito, a garota sai da mesa e vai para casa, enquanto Carlos paga a conta e pensa em nadar por algum tempo. Entra na piscina e nada ininterruptamente até ficar cansado o suficiente para não sentir mais nada.
De noite, dá um passeio pela praia, pensando em tudo. Pensa especialmente naquele domingo e questiona-se se terá ou não tremido. De onde teria a namorada, agora ex-namorada, tirado a ideia maluca e totalmente absurda de que ele ainda ama Sheila? Pergunta-se a si próprio. Mas o beijo roubado, esse realmente deixou-o desorientado. Decide não pensar em mais nada e senta-se sozinho em um bar, tomando algo e já está bastante arrependido do que disse para Sheila, sentindo-se muito mal.
No Cantinho, os amigos encontram-se e estranham a ausência do par, especialmente do Carlos que adora aquele lugar.
– Onde foram aqueles dois? – Pergunta Mauro. – Algum de vocês sabe?
– Não foram. Ana deve estar na casa dela, chorando, e ele não sei.
– Brigaram!? – Denílson estranha, muito. – Carlos não é disso, nunca foi!
– Terminaram.
– O QUÊ? – Mauro levanta-se de soco. – Quem terminou?
– Ana, aquela maluca.
– Cada vez estranho mais você, Sheila. – Divertido, Denílson dá uma risada. – Defendendo Carlos!
– Não zoa, Denílson, que não tô nada legal.
Mauro sai da mesa e liga para o amigo.
– Você está bem, quatro olhos?
– "Estou sim, Mauro. Apenas pensando na vida."
– Onde está?
– "Num bar a cerca de trezentos metros do Cantinho."
– Tô indo aí. – Desliga sem esperar resposta. – Gente, vou levar um papo com Carlos.
Mauro sai e Denílson pergunta para Sheila:
– Sheilinha, o que você tem que está tão abatida?
– Encontrei Carlos aqui, muito triste. Eu tentei ajudar mas ele me disse coisas horríveis e fiquei muito magoada. O pior de tudo é que ele tem razão. Toda a razão!
– Tô começando a achar que Mauro está certo. – Fala baixinho, só para seus ouvidos. – Você está apaixonada por ele.
– Ele nunca esteve mais certo, Denílson. – Admite com um suspiro. – Há muito tempo que estou, muito mais do que você pode imaginar.
– Você precisa de mudar, Sheila. Seja simpática com ele que vai mudar em relação a você. Já está mudando, pois vi perfeitamente como a tem olhado.
– Você não sabe sobre o passado, Denílson. Pergunte para Carlos ou Mauro. Eu fiz algo que ele nunca perdoará. Jamais! – O rapaz vê lágrimas nos seus olhos e abraça a moça, beijando sua testa. Depois conforta-a, dizendo:
– Ele perdoará, Sheila, o que quer que seja. Carlos não é vingativo e sempre perdoa. Não se martirize à toa e dê tempo ao tempo. Eu conheço Carlinhos desde o segundo grau. Bem sei que não é tanto tempo quanto Mauro, mas é o suficiente para o conhecer bem. Sabe, uma vez, tinha um colega nosso, um mulato bolsista e pobre. Ele odiava Carlos porque este é rico, embora nunca ostente. Vivia maltratando e provocando Carlinhos que nunca revidava, embora pudesse matar o sujeito só com uma mão. Um dia, esse rapaz cujo nome era Marcos conseguiu um dos seus grandes sonhos: comprar uma bicicleta. Infelizmente, dois brutamontes do terceiro ano e metidos a bestas, destruíram a bicicleta do Marcos só por pirraça. Ele ficou arrasado, pois era incapaz de lutar contra os dois, bem um palmo maiores que ele. Furioso, o quatro olhos deu uma surra tão grande nos dois que precisaram de ir pro hospital. No dia seguinte, Carlinhos apareceu com uma Mountain Bike de vinte e uma marchas, novinha em folha, e deu para Marcos. Esse, Sheila, é o verdadeiro Carlinhos, e não o nerd que você acredita ser.
– Nossa! E o que aconteceu com esse Marcos?
– Algo horrível. A partir desse dia, tornou-se amigo incondicional do Carlinhos. No ano seguinte, ele se transformou. Acabou em más companhias e viciado em crack. Uma vez pediu para Carlos dinheiro emprestado, uma quantia elevada. Este deu; todavia, na segunda vez Carlinhos descobriu que era por causa das drogas e recusou-se a ajudar. Ele chegou a tentar assaltar o quatro olhos, que precisou de colocar Marcos nos eixos. Dois meses depois, Marcos foi assassinado por uma dívida de drogas e Carlos ficou muito arrasado com isso, sentindo-se culpado por não ter dado o dinheiro.
– As drogas são uma merda mesmo. Tive uma amiga de infância que se tornou viciada aos onze anos e se prostituía para conseguir droga. Ela nem tinha corpo de mulher, nem mesmo de adolescente, mas dava por qualquer mixaria. Morreu de AIDS, ano passado, pois não se quis tratar. – Faz uma pausa e continua, mudando de assunto. – Acha mesmo que eu teria uma chance, com ele?
– Acho sim. Apenas aguarde e não sofra à toa. Aposto o que quiser que, em breve, ele vai-se desculpar para você.
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