Capítulo 4 - parte 3 (não revisado)

No sábado, o casal sai de casa bem feliz. Dormiram até tarde, pois abusaram muito, mas a alegria está estampada nos seus rostos juvenis.

– Sabe amor, aquela camisinha de ação prolongada é danada. Quarenta e cinco minutos sem parar!

– Eu nem sei como você aguentou, Ana. – Carlos dá uma risada debochada. – Eu contei umas vinte vezes que você se acabou.

– Acho que foi bem mais, uma verdadeira delícia e fiquei de perna bamba! Olhe a Sheila na mesa, bebendo sozinha e lendo.

– Ela está muito abatida, Ana. Será que o que me disse foi verdade? Que ela me ama mesmo?

– Foi sim, amor, a mais pura verdade. – Ana fica séria. – Ela o ama e muito.

– Então por que me trata daquele jeito? – Questiona, muito espantado. – Ela bem podia ter tido uma chance antes, se demonstrasse esse amor.

– Sheila é impulsiva, anjo, e não quer admitir que o ama, ou não queria, pois agora já se entregou. Eu acho que ela demorou foi para admitir a si mesma.

– Você quer ir para outro lugar, Ana?

– Não, ela está deprimida e precisa de superar isso. Acho que a companhia dos amigos pode ajudar, mesmo nós.

Sentam-se com ela que os cumprimenta. Henry traz a cerveja do casal e os três bebem em silêncio.

– Tá tudo bem com você, Sheilinha? – Ana é a primeira a romper o silêncio.

– Tudo bem. Estou esperando Carlos. Ele gostou daqui e da turma. – Ela fecha o livro.

Sartre. – Constata Carlos ao olhar a capa. – Posso ver?

Sheila passa o livro, olhando nos seus olhos e vendo que não há nenhum tom de deboche. Este folheia o volume parando em algumas páginas.

– Eu li este livro há uns seis anos, mais ou menos. – Dá um sorriso simpático. – Ele é complexo e interessante. Entretanto, não sou muito fã desse homem.

– Realmente tenho tido alguma dificuldade em entender certas coisas. Por que foi ler uma obra destas aos treze anos?

– Faço parte de uma irmandade que estuda e debate certas coisas. Filosofia é uma delas.

– Carlos me disse que é Maçom.

– Ele não devia ter falado, mas tudo bem. Por falar nele, aí está.

O jovem chega e abraça Sheila, beijando-a rapidamente.

– Oi. Vocês não quiseram ir para a danceteria? – Pergunta, animado. – Estava muito bacana.

– Nós já tínhamos combinado jantar fora dias antes e eu fiz as reservas na quinta. – Carlos mente. – Fica prá próxima.

– Por falar em comer, amor, vamos almoçar? – Pergunta Ana, segurando a mão do namorado. – Estou morta de fome!

– Claro. Vocês já almoçaram?

– Sim, vão vocês – responde Sheila – nós vamos dar um passeio. Lá pelas seis voltamos.

– É amor, parece que ela vai cumprir o que disse, mas vejo claramente que aquele cara vai dar xabu.

– Também noto isso, Ana. Quer comer o quê?

– Amor, você está gastando toda a sua grana e nunca me deixa pagar nada! – Exclama. – E você só vai a restaurantes caros. Assim, eu me sinto mal!

– Não se preocupe, Aninha. Eu sou muito rico e gosto de levar você para lugares bons. Infelizmente, os bons são os caros; mas, já que posso pagar, não se preocupe.

– Como você é rico? – Ela dá uma risada. – Quer dizer que tô dando o golpe do baú? Oba!

– Eu herdei uma grande fortuna do meu avô e sou milionário. Fiquei com um terço do nosso patrimônio que é apreciável. Então, não se preocupe que eu gosto de levar você para lugares bons, como já disse antes. Escolha o que quiser.

– Você é um doce, Carlinhos, mas hoje você escolhe.

Enquanto comem, Carlos comenta:

– Estou preocupado com Débora. Eles deviam ter tomado essa decisão somente após falarem com os pais. Sei que é uma barra discutir isso com eles, mas era o certo a fazer. Eu teria feito isso.

– Eu também, só que os meus pais são muito legais e liberais. Aceitariam uma conversa dessas sem explodir. Claro que eu iria ouvir, e muito, mas aceitariam.

– A maior parte das clínicas clandestinas de aborto nem sequer têm condições mínimas de higiene. Só espero que não dê nada errado.

– Eu também. – Concorda Ana, batendo três vezes com os nós dos dedos na mesa. – Nem me fale nisso.

― ☼ ―

Após passearem grande parte da tarde, retornam para o Cantinho e encontram os amigos, nada menos de doze, com Jorge sempre no violão. Denílson trouxe um bongô e toca junto. O clima está agradável e Sheila não implica com Carlos, mas não tira os olhos dele, observada de soslaio pela amiga que morre de pena dela. Mas, ao que tudo indica, Carlos não a deseja mais e nem olha para ela. O horário de verão é gostoso, pois ainda é dia e aproveitam para curtir o entardecer. Meia hora depois, surgem Rui e Débora. Ela está com o semblante abatido e muito pálida. Irritado, Carlos levanta-se e aproxima-se do casal, antes que alcancem a turma.

– Cara, pelo que vejo ela fez o aborto. Deveria estar em repouso! – Afirma, meio irritado. – Vocês são malucos ou suicidas?

– O médico disse que não tem problema, pois tinha menos de dois meses. Só não deve fazer esforço.

– Eu não mando em vocês, mas acho que estão cometendo uma grande leviandade.

O casal senta-se com os amigos. Ana nota que Rui está alegre e aliviado, mas Deby está demasiado abatida.

– Amor, eu não estou gostando do rosto da Deby!

– Acabou de fazer um aborto. A sua consciência religiosa deve estar acabando com ela. Vai precisar de tempo para se recuperar. Só que ela deveria estar em repouso. Que cabeçudos!

– Não, Carlinhos, tem algo de muito errado. Ela está cada vez mais pálida!

– Tem razão, Ana...

– Deby – questiona Sheila, que também nota seu estado – por acaso você está passando mal?

– Não sei, eu me sinto um pouco tonta...

Como se fosse um gatilho, a moça cai de lado, desfalecendo. Assustados todos levantam-se das mesas, voando cadeiras para tudo que é lado, mas Carlos é o mais veloz por estar praticamente ao seu lado. Quando a pega ao colo, vê que há uma poça de sangue na sua cadeira e a calça está completamente encharcada. Dando-se conta do perigo, reage instantaneamente.

– Rápido, Rui – grita, aflito – ela precisa ir imediatamente para o hospital ou morre. Venha comigo!

Desamparado, o rapaz segue o amigo, acompanhado de Ana. Para sorte deles, o carro está estacionado em frente, do outro lado da avenida Lúcio Costa. Muito a custo, Ana faz sinal para os carros pararem e correm a atravessar a rua.

– Pegue a chave no meu bolso, amor, e abra o carro. Rui, sente-se no banco de trás que vou deitar Débora no seu colo. Segure-a bem firme que vamos correr muito. – Mal liga o veículo, uma viatura da PM passa por ele e para no sinal, a vinte metros. Encosta ao lado e pede. – Policial, abra caminho para nós, pelo amor de Deus. Precisamos chegar ao hospital o quanto antes, que a minha amiga está com uma hemorragia enorme. Qualquer segundo perdido pode significar a sua morte.

– Siga-nos. – Ligam a sirene e ambos os carros saem em alta velocidade, só parando na emergência. Desesperado, Carlos salta porta fora e pega na moça ao colo, correndo para a entrada.

Dois enfermeiros veem aquilo e apressam-se a levar uma maca, saindo em desabalada correria para a emergência. Os policiais descem da viatura e aproximam-se dos garotos.

– O que houve?

– Não sei – mente Carlos – estávamos no bar bebendo e tocando violão, quando ela desfaleceu e eu vi uma poça de sangue.

– Preciso dos vossos nomes e endereços para o registro do socorro. E da moça, também.

Cada um dá as informações solicitadas e os policiais retiram-se, dando um cartão onde Carlos pode mandar lavar o estofamento em um lugar especializado.

– Rui, ligue já para os pais dela que isto é gravíssimo. Lembre-se que meu pai é cardiologista e já ouvi uma ou outra história sobre essas hemorragias.

– Cara, ele vai matar a gente!

– LIGUE AGORA, PORRA. NÃO ESTOU BRINCANDO E ELA PODE MORRER EM POUCOS MINUTOS.

– Tá bom, não grite. – Tremendo muito, obedece, embora deixe cair o telefone duas vezes.

Os três aguardam os pais do casal, uma vez que ele teve o bom senso de também ligar para os seus. Carlos está todo sujo de sangue e muito preocupado, pois é o único que tem a real noção da gravidade da situação.

Ana e Rui sentam-se, aguardando, enquanto Carlinhos anda de um lado para o outro, quando um médico aparece.

– Vocês estão com a moça? – Pergunta, olhando o jovem com as roupas manchadas de sangue.

– Sim – Carlos mantém o sangue frio e toma a iniciativa – nós a trouxemos.

– Muito bem, quero saber uma coisa simples e a vida dela vai depender da verdade: o aborto foi natural ou provocado? E se provocado, que droga ou método foi usado?

– Não foi natural e não sei se foram usadas drogas. Foi uma clínica clandestina.

– Muito bem, vou acrescentar exames de sangue, para possíveis infecções, e HIV. Entretanto, este último e se ela sobreviver, deverá ser refeito em um mês. O que vocês tinham na cabeça para fazer isso em qualquer lugar?

– Não foi por falta de aviso da minha parte, doutor. Acha que ela se pode safar? – Carlos nota que Rui está no limite do desespero.

– Com sorte sim. Porém, mais cinco minutos e vocês estariam trazendo um cadáver. Ela precisa de sangue e temos pouco no banco. Para piorar tudo, é "O" negativo. Algum de vocês pode doar?

– Eu sou desse tipo, doutor e estou disposto a doar o que for necessário.

– Também doarei, doutor. – Ana dá um passo em frente. – Mas sou AB negativo.

– Mesmo assim a sua doação é bem vinda, filha, pois o seu sangue é o mais raro de todos. E o senhor, está disposto a doar? Sabe o seu tipo?

– Do... do... doarei s... sim. N... n... não sei o t... t... tipo.

– Tem medo de quê?

– Tenho pavor de agulhas!

– Devia ter pensado nisso antes do aborto, Rui.– Ana está severa e Carlos pega no braço dela, pedindo calma.

– Venham comigo.

– Doutor, os pais do casal devem chegar em breve. Pode providenciar alguém que os recepcione?

– Não. Estamos lotados e sem gente. Um de vocês espera aqui.

– Você fica, Rui.

Quando estão doando e a enfermeira vai retirar a agulha do Carlos, este diz:

– Não pare, deixe mais um pouco.

– Ficará fraco, moço.

– Eu sou atleta e devo me recuperar rápido. – Insiste. – Tire mais.

– Só se me prometer que avisará se ficar tonto.

– Prometo.

Carlos está meio tonto, mas insiste mais um pouco, até que avisa que não se sente bem. A enfermeira tira a agulha e dá um suco de laranja para o rapaz, que segura o copo com as mãos tremendo muito.

– Caramba, você doou praticamente o dobro do normal para um homem da sua compleição! Tem certeza que está bem?

– Não, mas precisava de fazer isto para salvá-la. – Levanta-se devagar, muito tonto. – Tenho o mesmo tipo dela e o doutor disse que não tinham mais sangue.

Com cuidado, sai da sala de doação e anda como se estivesse bêbado. Chegando ao saguão, encontra todos os amigos, que estão preocupados e aguardando. Dá um passo e tropeça, quase caindo de cara no chão. Com dificuldade, volta à posição ereta, mas Ana vê o seu estado e corre a apoiar o namorado, que está muito fraco. Com cuidado, leva-o até um banco e fá-lo sentar-se ao seu lado.

– O que houve? – Pergunta Sheila, alarmada ao ver o estado de fraqueza do seu bem-amado. – Você está prestes a desmaiar, Carlos!

– Ele estava doando sangue e não deixou a enfermeira parar. Deby tem o mesmo tipo de Carlos e é difícil encontrar doadores desse tipo. – Responde Aninha.

– Qual é o tipo? – Ana responde e a moça grita. – Enfermeira, eu tenho o mesmo tipo sanguíneo da minha amiga e quero doar.

Mal termina de dizer isso, os demais amigos oferecem-se para ajudar com doações. Carlos permanece sentado no banco e, de tão fraco que está, adormece encostado ao ombro da namorada. Nesse meio tempo os pais do casal chegaram e Rui conversa com eles, sempre muito aflito.

Uma hora depois, Carlos acorda e fala ao ouvido da namorada:

– Amor, vamos embora que estou passando muito mal. Amanhã a gente vem ver Débora.

– Quer ficar na sua casa? – A garota pergunta, preocupada com ele e, ao mesmo tempo, decepcionada. – Você está fraco demais e estou muito apreensiva!

– Não. – Sorri para Aninha, enquanto anda devagar apoiado por ela e tropeçando mais de uma vez. – Quero ficar com você, mas estou imprestável. Só vou passar em casa para trocar de roupa.

Despedem-se e saem com Ana apoiando Carlos.

– Por que será que ele ficou assim? – Pergunta-se Sheila. A enfermeira, que passa para chamar o próximo doador, informa:

– Ele doou o dobro do que um homem da sua estatura deveria, moça. Nunca vi alguém se sacrificar assim. Deve ser um jovem fora de série e um grande atleta.

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