Capítulo 4 - parte 1 (não revisado)
"A razão, por mais que grite, não pode negar que a imaginação estabeleceu no homem uma segunda natureza."
Blaise Pascal.
A semana é difícil pelo grande volume de provas do final de semestre e os amigos não se veem muito. Certa vez, Carlos encontra Sheila no bar, esta sempre muito deprimida e quieta. Ao vê-lo, levanta-se e sai. Ele respeita o seu desejo e sabe que é melhor assim. Logo depois, Ana aparece.
– Oi, amor. – Beijam-se intensamente. – Andava com saudades. Tenho tido tantas provas que a gente quase não se vê direito!
– Eu também, Carlinhos, uma semana cheia pra caramba. Agora mesmo passei por Sheila, que saía daqui, e ela estava muito abatida. Vocês brigaram de novo?
– Não. Eu cheguei e ela saiu. Também acabei de chegar. Acho que vocês devem conversar uma hora destas. Ela deve estar muito arrependida do que fez. Tanto, que nem me cumprimentou. Naquele domingo, encontrei o Carlos que sai com ela e ele disse que Sheila apareceu na sua casa chorando copiosamente.
– Ela jogou sujo, amor. – Ana fica muito séria. – Você sabe disso.
– Sim, sei. Mas também sei que uma amizade como a vossa pode aguentar um abalo desses.
– Concordo, mas prefiro que a iniciativa venha dela, amor. É um direito que me cabe.
– Tem razão, Aninha, mas pense nisso. Não destrua uma amizade tão antiga por uma fraqueza dela.
– Vou pensar, Carlinhos. – Acaricia o namorado no rosto. – Eu, às vezes, estranho você.
– Por quê?
– Por defendê-la...
– Há muito que a perdoei, Ana, mas nem por isso vou voltar a amar alguém que me tratou daquele jeito. Seria pedir para arrumar confusão.
– Não era exatamente isso que queria dizer, mas tudo bem.
– Ela, no fundo, é boa pessoa. Demorei a ver isso e foi Miguel Almeida que me mostrou. Além disso, sei que você sofre com essa distância, amor. Só lhe peço que não conte nada do que eu disse. Ela pode ter ideias e alimentar esperanças. Bem, amor, vamos sair na sexta?
– Claro, meu gato. Tô com saudade de uma gostosa saída e do que vem depois disso. Acabou o meu intervalo. Vamos? – De mãos dadas, ambos seguem pelo corredor. – Por falar no Miguel, jamais imaginei que ele lutasse daquele jeito. Amor, você comparado com ele é um santo!
– Ele é tricampeão mundial de Kung-fu. Eu assisti o mundial onde foi sagrado tricampeão. Nenhum oponente durou mais de quarenta segundos.
– Caramba. E ainda assim é um cara tão calmo e pacato!
– Eu também sou, não sou? Amor, a maioria absoluta das pessoas que praticam artes marciais e levam isso a sério são naturalmente pacíficas. Têm medo de ferir ou matar alguém.
– Tem razão, gatinho. Aqui está a minha sala. Agora é aula de química. Até mais, amor. – Despedem-se com um beijo.
A semana continua normal até sexta, quando se encontram no Cantinho. Mauro aparece com a Rita, muito satisfeito e apaixonado. Denílson, que já se acostumou a ver a irmã namorando o amigo, leva a namorada, uma mulata muito simpática e amiga deles. Ana aparece com Carlos, Rui com Débora, ambos de cara preocupada, e Jorge, colega de Rui que faz letras, também está lá. Enquanto este último toca violão, Carlos dá discretamente um envelope para Rui, que agradece. Pelas dezoito horas, Sheila aparece com o outro Carlos. Ao me ver, traz o jovem até mim.
– Miguel, este é o meu amigo Carlos. Ele queria muito conhecê-lo, pois é seu fã.
– Ah, o filósofo! – Eu sorrio para ele e aperto a sua mão. Parece um sujeito simpático e tem aperto firme. – É um prazer, Carlos. Soube pela Sheila que aprecias Sartre.
– O prazer é meu, Miguel. Nunca gostei das preferências políticas de Sartre, mas gosto da sua filosofia.
Conversamos mais uns minutos e minha esposa aparece. O casal despede-se e vai para os amigos, com Sheila apresentando Carlos para todos Os dois homônimos fazem um sinal maçônico como se falassem em código.
– Sheilinha, como a esposa daquele escritor é bela!
– É sim – ela dá uma risada curta – todos babam por ela.
– Você nada lhe deve, meu coração. – Carlos beija a moça que não corresponde mas não impede. Ana e o namorado observam o par, cada qual pensando uma coisa diferente.
– Podíamos sair para jantar fora, Aninha, o que acha? – O namorado pergunta tão baixo que apenas Ana escuta.
– Ótimo – abraça e beija Carlinhos, continuando ao seu ouvido, muito sapeca – depois, os meus pais viajaram de novo e quero que durma lá em casa. É tão gostoso acordar do seu lado!
– Mal posso esperar por isso, amor. – Beija-a com ternura. No seu ouvido, continua. – Temos de comprar preservativos. Me lembre disso. Os outros estavam vencidos.
Antes de sair, eu chego perto do Carlos e estendo-lhe a mão.
– Parabéns, meu jovem. Uma obra maravilhosa, simplesmente apaixonante. – Pego da mochila um volume encadernado. – Toma o teu livro com uma pequena resenha minha. Tomei a liberdade de imprimir uma cópia para ti. Olha, eu gostaria de o apresentar para o meu editor e estou certo que eles vão publicar. Se me deres permissão, farei isso amanhã mesmo.
– Puxa vida! – Responde Carlos, em baixo de uma chuva de aplausos dos amigos. – Não imaginava que fosse gostar tanto assim. Obrigado, Miguel. Claro que pode mandar para a editora.
– Bem, eu vou indo. És um escritor nato, Carlos. Não desperdices esse dom, meu rapaz. Adeus.
– Você escreveu isto, amor? – Ana manuseia o livro, maravilhada e sorridente. – Puxa vida, que legal! Posso ler?
– Parabéns, Carlos – diz o homônimo – escrever um livro é uma coisa bem bacana e deve ser excelente para ter uma aceitação tão especial quanto de Miguel Almeida. Nada mais justo e perfeito que isso.
– Bem, nerd. E depois diz que não é. – Sheila não resiste. Ana olha atravessado para a amiga que baixa a cabeça, arrependida.
– Sabe, Sheila, você gosta de ler os livros do Miguel e este é do mesmo estilo. Isso não é ser nerd e eu adoro escrever. Quem sabe você o lê?
– No momento, estou lendo um livro que Carlos me deu.
– E podemos saber que livro é?
– O Ser e o Nada.
Carlos cai na risada sem que os amigos entendam porquê.
– E eu sou o nerd? – Ri a bandeiras despregadas e já com lágrimas nos olhos, sem conseguir se controlar. – Você está lendo uma obra de Jean-Paul Sartre e eu sou o nerd? Minha nossa, Sheila! Essa foi a coisa mais hilária que ouvi nos últimos tempos.
– Está chamando Carlinhos de nerd? – Pergunta, furiosa.
– Não, meu anjo. – Responde, ainda rindo sem parar. – Estou chamando você.
Sheila explode:
– Se você pens...
– VAMOS PARAR? – Ana levanta-se furiosa, dando um soco na mesa. – Eu não aguento mais vocês dois discutindo, que droga!
Ao ver lágrimas nos seus olhos, Carlos abraça-a, mas esta repele o namorado, levantando-se e saindo. Carlos segue atrás da Ana e para-a na beira da rua, falando com ela.
– Caraca, Sheila. Você, pra variar, mela tudo. – Acusa Mauro. A garota baixa a cabeça. – Quem sabe, você vai pedir desculpas para os dois?
Ela olha para o casal e vê que se beijam, mas Ana vai embora, enquanto Carlos volta para a mesa. Olha bem sério para a moça e diz-lhe:
– Sheila, se você não quer perder uma amiga, talvez a melhor que já encontrou em toda a sua vida, sugiro que vá para a casa dela e converse com Ana. Especialmente depois do que fez no domingo, pois ela viu e ouviu tudo.
– Não se atreva a comentar aquilo, Carlos Magalhães! – Exclama exaltada e muito rubra.
– Eu não sou fofoqueiro, Sheila...
– Sheilinha, Carlos tem razão. Vá salvar a sua amizade. Quer que acompanhe você?
– Não. – Afirma com um suspiro. – Acho mesmo que devo ir só.
– Entregue isto para ela, por favor. – Carlos estende o livro.
– Essa garota implica demais com você, Carlos. – Denílson dá uma risada. – Até parece que morre de ciume! Afinal, o que houve no domingo?
– Isso é entre ela e Ana, Denílson, ok?
– Desculpe. A propósito, obrigado pelo que fez, defendendo Ritinha. Você é mesmo a incorporação do diabo quando está zangado! Ela disse que o Gilberto ficou todo rebentado! Eu nunca mais tinha ouvido falar de você brigar desde Marcos.
– Deixe pra lá que isso foi chato demais. Não gosto nada de brigar e não me lembre Marcos. Tenho muita tristeza até hoje, pois ainda me sinto culpado pelo fim dele.
– Eu sei, meu amigo, mas você não teve culpa e a coisa ia acabar por se repetir indefinidamente. Ninguém gosta de brigar, pelo menos nós...
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