Capítulo 3 - parte 4 (não revisado)
Carlos estaciona em frente à casa do Mauro, que está com o amigo na varanda. Trata-se de um rapaz de um metro e noventa, muito forte e corpo atlético, cabelos negros e olhos castanhos. Sem nem mesmo cumprimentar, vai dizendo:
– Porra, Rui. Você vai deixar Débora descascar esse abacaxi sozinha? Não tem vergonha na cara? Sabia que, quando um não quer, dois não brigam? Ela tá lá na casa da Aninha desesperada e sem saber o que fazer...
– O que você sabe a respeito? – Interrompe o amigo.
– Tudo, mano. Você vacilou feio, cara. Eu e a Ana estamos namorando e estava tomando café da manhã com ela quando Deby apareceu completamente desesperada e arrasada, soluçando e tremendo por todo o corpo.
– Cara eu não tô a fim de estragar a minha vida tão novo.
– PORRA, SEU FILHO DA PUTA, DEVIA TER PENSADO ISSO ANTES DE COMETER A CAGADA. PENSOU COM A CABEÇA DE BAIXO NA HORA DE COMER A MINA. AGORA PENSE COM A DE CIMA. ELA TÁ DESESPERADA E VOCÊ QUERENDO BANCAR O BOM! EU DEVIA DAR UMA BOA SURRA EM VOCÊ, RUI.
– É MESMO? – Grita o outro, também irritado. – ACHA QUE PODE COMIGO OU ESQUECEU QUE SOU FAIXA PRETA DE KARATÊ?
– DANE-SE O SEU KARATÊ, IDIOTA. – Carlos está furioso e exaltadíssimo. – PRA SUA INFORMAÇÃO, EU SOU CAMPEÃO CARIOCA DE JIU-JITSU DESDE OS NOVE ANOS DE IDADE. COMECEI DA MODALIDADE INFANTIL ATÉ À ADULTA SEM JAMAIS SER DERROTADO. QUER PROVAR E LEVAR A MAIOR SURRA DO MUNDO OU VAI ENTRAR NOS EIXOS?
Carlos começa a tirar os óculos quando Mauro põe a mão no seu ombro, apaziguador e preocupado.
– Pelo amor de Deus, não faça isso, quatro olhos. Chega o Gilberto. – O jovem recoloca os óculos.
Carlos acalma-se e Rui olha para ele.
– Me perdoe, Carlos. Não quero brigar com você.
– Também não desejo, Rui, mas se não entrar no meu carro e for ver a sua namorada, eu vou cagar você a pau. Juro por Deus. Ela está desesperada e você praticamente a abandonou. Você já estragou a sua vida, cara. Estamos em 2002, Rui, não nos anos cinquenta ou sessenta. Você sabe muito bem o que é uma camisinha, que se vende em qualquer supermercado ou farmácia. Foi confiar na vossa virgindade, esquecendo que isso só protege vocês de doenças sexualmente transmissíveis!
– Que papo é esse de virgindade!?
– Não me enrole, Rui. Quando eu a alertei que podia ter sido muito pior, ela afirmou que vocês dois eram virgens e, por isso, não usaram preservativo. Que mal há nisso, cara? Todos nós eramos virgens uma vez na vida. Eu deixei de ser aos dezoito, cara, e não tenho vergonha disso. Foi até muito gostoso e especial!
Rui baixa a cabeça.
– Agora todo mundo vai me zoar!
– Por quê? Por ser virgem ou filho da puta? Só eu sabia disso e agora o Mauro, e você sabe que ele não o vai sacanear. Agora, se não quer ir apanhando daqui até à casa da Ana, entre naquele carro e vá falar com ela. Pelo amor de Deus, Rui, caia na real e não me obrigue a brigar com você.
– Tudo bem, Carlos, eu vou. Eu a amo, mas não queria isto.
– Devia ter pensado antes de comer a merenda fora da hora. Agora assuma os seus erros e dê-lhe o apoio que ela precisa. É a Débora que vai, eventualmente, carregar a criança. Você só teve o tesão e o orgasmo. Comeu, gozou e ficou por aí. Pelo menos faça a sua parte, dando apoio e amor.
Entram no carro e Rui olha para o amigo.
– Você realmente brigaria comigo, Carlos?
– Pode ter a certeza.
– E acha que me poderia derrotar?
– Facilmente.
– Duvido muito. – Contesta Rui.
Carlos estende a mão para o amigo.
– Aperte a minha mão com toda a força que tem.
Rui obedece e, quando Carlos revida, ele dá um grito de dor.
– Deu para entender?
– Desculpe, Carlos, jamais imaginei você assim.
– Então, mantenha silêncio sobre isso, por favor. Sabe que detesto chamar a atenção.
Ambos chegam em dois minutos à casa da Ana, pois é muito perto. Entram e Carlos leva Rui para o interior. Na cozinha, encontram Ana e Sheila acalmando a amiga, que ainda chora muito. Esta, ao ver o namorado, fica calada e séria.
– Deby – a sua voz é baixa, sumida – se puder, me perdoe. Eu agi errado e estou arrependido. Amo você e quero estar ao seu lado.
A garota levanta e agarra-se ao Rui, chorando.
– Acho que vocês deviam dar um passeio lá no jardim e conversar bastante, mas com a cabeça fria. Depois, veremos o que decidiram. Saibam que estamos aqui para vos apoiar. – Diz Carlos, muito sério.
Ambos vão para fora conversar, isolados.
– Preciso de ir ao banheiro – informa Ana, saindo da cozinha.
Carlos baixa a cabeça sobre os braços e suspira, bem chateado.
– Você não se sente bem, Carlos? – Sheila fica preocupada com o amigo. – Tá tudo bem?
– Eu quase briguei com ele! Perdi o controle e falei coisas horríveis. Cheguei a ameaçar de bater nele. Sinto-me muito mal.
– Ele poderia ter dado uma surra em você, ou esqueceu que é faixa preta?
– Não me faça rir. Ele não é nem nunca foi páreo para mim, Sheila. – Carlos ri para a garota. – Você tem que parar de me rotular pela minha aparência. Mas me sinto mal em ter perdido o controle. Eu o teria machucado muito.
Ela põe a mão no seu braço e sente o tremor dele. Suavemente, acrescenta:
– Você fez uma coisa boa, Carlinhos. Fez eles conversarem.
– Sheila – Carlos suspira – por que motivo você me trata tão mal? Já notou que é sempre você quem me agride?
– Quer realmente saber a verdade?
– Sim, sempre quis.
– É porque eu o amo acima de tudo neste mundo, mas você me repudiou e nunca acreditou em mim! Não tem nem ideia do que eu sofri por isso.
– O que esperava de mim, depois do que me fez?
– Sei que errei, mas você jamais me deu uma chance de...
– E em vez de tentar provar para mim que estava errada, você brigava comigo, me afastando cada vez mais...
– Agora você está com a minha melhor amiga, Carlos, e ela está apaixonada por você. Também vejo que você está por ela e não vou ficar no caminho, mas saiba que eu amo você desde o maldito dia em que fiz aquela besteira, embora você não acredite. Muito mesmo. Sei que estraguei tudo e agora é tarde. Por muito tempo me iludi achando que tinha esquecido, mas bastou ver vocês juntos para me dar conta do que sinto.
– E ainda assim, me agride!
– Desculpe, acho que é um mecanismo de defesa. Eu simplesmente morreria por você, se quer saber.
– Esqueça, Sheila, você matou o meu amor naque...
– Então por que tremeu quando toquei no seu braço?
– Eu tremi ou você quis ver isso?
– Tremeu sim e não me engane. Como sempre, você nunca me dá uma única e miserável chance de provar o que sinto, tá ligado? Acho melhor ir embora.
– Talvez seja melhor sim, Sheila, pois está prestes a brigar de novo. – Com um suspiro, Carlos vai pegar água.
Ela também suspira e levanta-se, preparando para sair. Ao passar ao lado de Carlos, para.
– Amo você. – Com as duas mãos puxa seu rosto e beija-o. Ele cede por poucos segundos até que a afasta violentamente e muito abalado.
– Nunca mais faça isso, Sheila. Entenda que você destruiu a sua chance ao me escorraçar daquele jeito e eu...
– Para quem dizia que eu não podia estar mais segura do que com você, os seus atos não o demonstram. – Ana está parada na porta da cozinha, de braços cruzados e muito séria. A sua voz é grave e baixa. – É melhor você ir embora, Sheila.
– Tem razão, Ana, me perdoe. Foi por impulso. – De cabeça baixa a garota sai, já com lágrimas correndo pelo rosto abaixo.
Ana senta-se na mesa e suspira. Carlos nota a sua irritação e comenta:
– Pela sua cara, não foi só o beijo que você viu, amor.
– Não. Eu não fui ao banheiro. Apenas queria saber o que ela tem na cabeça. E você? Tremeu ou não tremeu?
– Se tremi, foi involuntário porque não notei. Posso garantir isso.
– Mas deixou-se beijar.
– Caramba, amor, ela me pegou totalmente desprevenido e jamais esperava que fizesse isso, especialmente na sua casa. Afinal você viu a minha reação. Não acredito que vai brigar comigo por isso!
– Não vou, amor. – Ana sorri para o namorado. – Mas queria ter certeza. Eu estou ficando muito apaixonada por você e não quero ficar magoada. Eu disse para ela que, se realmente o amasse, eu sairia do caminho, mas Sheila não aceitou, alegando que não adianta só ela o amar. Você também teria de a amar. Você ainda sente algo, Carlos? Pois às vezes até parece, garanto que parece.
– Amor, você ouviu o que eu disse para ela. Isso não é suficiente? Eu também estou me apegando demais a você. – Aproxima-se dela e beija-a. Mal terminam, o outro casal aparece e senta-se com eles.
Calados, Carlos e Ana olham para ambos, que estão sérios mas não mais brigando.
– Débora disse – começa Rui – que você nos daria o dinheiro para tirar.
– É isso mesmo que os dois decidiram?
– Acho que é melhor – concorda Deby – um filho agora pode acabar com as nossas chances de terminar a faculdade e arrumar um bom emprego. Sem falar que nenhum de nós é rico.
– Vocês já pensaram em falar com os vossos pais? – Questiona Ana, muito séria. – Não seria bom se aconselharem?
– Meu pai ia-me matar, Ana. – Responde a garota. – Ainda mais ele que é ginecologista e obstetra.
– Muito bem, quando pretendem fazer isso? – Carlos olha sério para ambos. – Eu darei o dinheiro, mas acho que estão cometendo outro erro, e muito grave, em não falarem com os pais de vocês. Sinceramente, acredito que eles até iriam bronquear, mas depois conversariam numa boa e seriam bem compreensivos. Afinal, todos nós podemos errar.
– Pagarei quando puder, Carlos. Obrigado. Acho que é melhor no sábado que vem. Os pais dela viajam e só voltam de noite.
– Não precisa de pagar. Depois me informe a quantia que pegarei o dinheiro no banco. Já sabem onde fazer?
– Obrigado. O meu irmão me deu um endereço de uma clinica que faz. Vocês poderiam ir conosco para dar apoio?
– Não iremos. – Carlinhos recusa, taxativo. – Darei o dinheiro mas não me peçam para fazer uma coisa com a qual não concordo. Iria, se falassem com a vossa família. Clínicas clandestinas são muitíssimo perigosas.
― ☼ ―
Pensativo Carlos caminha sozinho pela praia, enquanto Ana fica em casa, estudando para uma prova. O jovem deixa o carro na sua residência, aproveitando para passear. Não esperava o que Sheila fez e pensa nela. Ele sabe que aquele beijo mexeu consigo e o abalou muito, mas não teve coragem de confessar para a namorada. Pensa no passado, quando era tão perdidamente apaixonado pela moça e como isso se transformou em algo que, hoje, ele se sente incapaz de avaliar. Achava que ela o odiava e ficou surpreso com a revelação inesperada, deixando de entender as atitudes da Sheila. Afinal, se ela tivesse realmente demonstrado o amor que sente, teria tido a sua chance, pois ele demorou muito a enterrar esse sentimento.
Está ciente que não ama a Ana, pois ainda não houve tempo para isso, mas está cada vez mais apegado a ela e nem quer pensar em romper com a namorada. Repentinamente, ouve passos ao seu lado. Olha e vê que é Carlos.
– Oi. Passeando? – Pergunta este. – Coincidência vê-lo aqui, irmão.
– É, pensando na vida. Boa tarde.
– Pensando na Sheila?
– Entre outras coisas. Ela é maluca, totalmente.
– Não é não. Apenas ama alguém que não a quer mais e isso não é ser maluco. Você deveria repensar sobre Sheila, irmão, pois ela sofre muito.
– Se soubesse o que Sheila me fez há uns meses, entenderia.
– Eu sei, pois ela me contou tudo. Olhe, eu estou perdidamente apaixonado pela Sheilinha mas o que mais desejo é que ela seja feliz. Pense bem; pois, se ainda sente algo por essa garota, está na hora de assumir. Não sei o que aconteceu hoje, mas Sheilinha apareceu no meu apartamento chorando sem parar. Algo de muito errado que fez com a sua namorada.
– Engraçado. Eu podia jurar que você era gay.
– Eu sou bissexual, Carlos, e você é bom observador. Infelizmente para mim, fui totalmente enfeitiçado por ela, pois sei que não há reciprocidade e também sei que ela fica comigo pensando em você. Já que está meditativo, pense nisso. Bem, eu vou indo.
– Que o Grande Arquiteto o acompanhe.
– Digo o mesmo, irmão.
Carlos volta a andar, pensando na garota e na namorada. Pergunta-se a si mesmo se ainda sente algo pela Sheila, mas acredita que não, pois sente-se cada vez mais apaixonado pela Aninha. Por isso, o beijo da Sheila fez com que ficasse verdadeiramente confuso e abalado.
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