Capítulo 3 - parte 1 (não revisado)
"O homem não é nada mais do que aquilo que faz a si próprio."
Jean-Paul Sartre.
Ainda bastante abatida, Sheila chega e entra no quarto, encontrando Bia que a fita muito séria.
– Feche a porta, Sheila, que quero conversar muito sério com você.
A irmã obedece e senta-se na cadeira da sua secretária. Enquanto olha para a Bia, liga o computador. Pela cara desta, já sabe que a irmã lhe quer dar uma bronca daquelas.
– Sheila, você tem que dar uma parada e refletir muito, antes que destrua sua vida. Hoje, você teve uma grande decepção amorosa e eu entendo tudo isso. Mas essa sua reação e desespero não pode ser só o tal do Juan. Ontem você tomou todas, coisa que nunca vi fazer, e hoje, quando chego em casa e felizmente sozinha, encontro a minha irmã dormindo completamente pelada e enroscada nas pernas do Carlinhos, também peladão. Por sinal, ele é lindo de morrer e você desvirtuou o meu amigo!
– Ele é bissexual...
– Isso não me importa. A vida é sua e você faz o que quiser, mas bem podia ser a mãe ou o pai entrando. Sem falar na vacilada de deixar a camisinha no banheiro. Eu fechei a porta e saí de novo. Quando voltei, por sorte que precisei colocar um absorvente e vi. Já pensou se fosse outra pessoa?
Sheila baixa a cabeça envergonhada, reconhecendo que a irmã tem toda a razão, embora já seja maior de idade.
– Bem, mal a tiro para dar um sumiço nela, encontro outra. Pego essa e tem mais outra! Caraca, Sheila, tinha cinco preservativos usados! Depois, dei de cara com mais um em baixo da cama e outro em baixo do travesseiro. Por causa disso, acabei revistando o quarto inteiro! Que rica festinha hein? Desse jeito até tô pensando seriamente em dar uns amaços no Carlinhos...
– Você não se atreva; já chega Ana! – Grita sem pensar. Logo depois, começa a chorar. – Que droga, Beatriz.
– Ah! Agora vejo a luz. Eu falava do meu Carlinhos. Que merda, Sheila, por que não assume logo isso tudo e acaba de vez com esse sufoco que só lhe faz mal? Você mesma melou tudo com ele. Ou assume o seu amor e luta por ele, ou sai definitivamente fora do caminho e para de implicar com o pobrezinho...
– Como sabe que implico com ele?
– Você mesma disse, hoje de manhã, esqueceu? – Sheila baixa a cabeça e a irmã abraça-a, afagando os seus cabelos. – Caramba, irmãzinha, você nem parece a minha mana, sempre alegre e extrovertida. Agora, levante esse nariz e volte a ter sua vida. Bem, eu vou sair com o Leandro. Que gato! Você vai estar bem?
– Vá sim, mana. Estarei bem. Divirta-se.
Sozinha no quarto, Sheila entra no chat, na vã esperança de encontrar Juan. Vários outros tentam conversar com ela, que os ignora totalmente. Triste, muda seu nick para Flor de Coração Partido. Na caixa de mensagens particulares dele, escreve um poema:
"Onde foste com o meu coração?
Em que outro lugar te encontrarei?
Tu que me acalentaste e alumiaste por meses,
estás agora desaparecido;
talvez pela eternidade afora.
Onde está a tua estrela
que iluminava o meu ser,
que fazia o meu coração disparar
e os meus olhos brilharem
de alegria e felicidade?
Oh, gentil-homem que jamais conheci
e que talvez nunca venha a ver;
me diz que meu coração não está errado;
me diz que este dia foi apenas um pesadelo
e me acorda com um beijo nos lábios.
Me arrebata para o teu mundo
que quero ser o teu sorriso.
Anseio pelos teus olhos castanhos
e pelos teus braços na minha cintura,
pois eu te amo, meu Don Juan."
Chorando, desliga o computador. Ao fim de uns minutos recompõe-se e o seu fone toca. Ela olha e reconhece Carlos.
– Alô? Oi, Carlinhos.
– "A sua voz está demasiado triste, Sheilinha, e me preocupa demais."
– Você bem sabe como estou, Carlinhos.
– "Queridinha, eu estou sozinho e gostaria muito de me distrair neste sábado tão gostoso. Sua irmã me convidou para ir junto, mas eu não quis, já que ela está acompanhada e cheia de primeiras intenções. Acho que você também precisa se distrair. Então, estou aqui em baixo esperando que desça para sairmos a algum lugar bacana e nos divertirmos um pouco."
– Você é um doce, Carlinhos, mas não creio que seja boa companhia.
– "Sheilinha, você é a melhor companhia do mundo e tem duas opções: Ou desce por bem, ou eu vou aí em cima sequestrar você. O que escolhe?"
– Tá bom, Carlinhos. Por você eu vou. Me dê dez minutos para trocar de roupa.
– "Beijo, meu coração. Estou esperando em frente ao prédio."
– Beijo.
Sheila põe uma camiseta e uma saia simples, pois não tem vontade alguma de se produzir e nem maquilhagem usa. Desce pelo elevador, encontrando Carlinhos à sua espera. Este beija levemente a garota e estende-lhe um pacote.
– Oi, Sheilinha, trouxe um presente para você.
Ela sorri e abre o pacote, vendo um livro. O título: "O Ser e o Nada" de Jean-Paul Sartre. Em baixo, entre parênteses, está o título original. "L'Être et le Néant".
– Sheilinha, é uma leitura difícil mas ele vale muito a pena. Espero que goste.
Ela abraça o rapaz e dá um pequeno beijo nos seus lábios.
– Obrigada, Carlinhos. Vou ler com muito carinho, prometo. Eu adoro ler. Você leva mesmo a sério esse lance de filosofia?
– Levo, sim. Os filósofos que mais gosto são os franceses. Tanto que aprendi francês só para ler os originais. Apesar de Sartre ter sido esquerdista, o que me desagrada bastante, sempre apreciei as suas ideias. Também gosto de Déscàrtes e Pascal. Sócrates, Aristóteles e Platão, gregos, são outros muito bons. – Pega na mão da garota e leva-a para o seu carro, um golzinho antigo e muito bem cuidado. – Quer ir a algum lugar em especial? Que tal um barzinho gostoso aqui perto e que tem música ao vivo? Escolha, minha princesa, que a noite lhe pertence.
– Você escolhe. Do jeito que andam as coisas para mim, qualquer escolha que eu fizer vai dar errado. Murphy eu creio.
Carlos dá uma risada.
– Não se castigue assim, meu coração. Você é muito especial.
Antes de ligar o carro, puxa a garota, abraça-a e beija-a com paixão. Ela consente por algum tempo até que se afasta delicadamente, para não ferir o amigo. Carlos afirma:
– Sheilinha, acho que você me enfeitiçou totalmente. Desde que saí do seu apartamento, esta tarde, não penso em outra coisa que não você. Como diz a sua irmã: você me desvirtuou total e completamente.
– Carlinhos, podemos só sair? – Ela suspira. – Estou perdida, desesperada e muito carente. Eu só tenho feito besteira nestes últimos meses e não quero que você sofra por minha culpa. Você também é muito especial e, além disso, não pense que não gostei do que aconteceu hoje. Foi gostoso demais e eu não fazia amor há muito tempo, mas preciso me achar.
– Claro que entendo, coração. Só que gosto de ser sincero e desejo que saiba a verdade.
– A última pessoa que me disse que era sincera, Carlos, rebentou comigo de tal jeito que ainda não me recuperei. E isso me deixa demasiado deprimida.
– Pode ter rebentado, Sheila, mas teria sido muito pior, se tivesse mentido e iludido você, não acha? Agora só falta você ser sincera consigo mesma, meu amor – liga o carro e vão rodando para o bar que ele sugeriu – que isso a vai ajudar a parar de sofrer ou, no mínimo, a você se achar.
Triste e cansada, Sheila encosta a cabeça no ombro dele, que dirige devagar. Quando estaciona, pega no seu queixo e beija-a docemente, enquanto acaricia o seu corpo.
– Carlinhos, eu adoro os seus beijos e carícias mas não quero que se envolva e você já parece bem assim.
– Envolvido? – Ele ri. – Que hilário, um gay completamente apaixonado por uma linda loira de olhos verdes que está triste e perdida pra mais de metro!
– Gay? Você não disse que era bissexual?
– Sou bissexual e apaixonado por você, Sheila. O amor não escolhe sexo nem preferências.
– Gosto de você, Carlos – ela beija-o e deixa-se acariciar – muito mesmo e tive um prazer fantástico. Não transei muitas vezes, mas nunca tive tanto prazer como hoje. Só que estou desorientada e perdida!
– Vamos, minha princesa, hoje é dia de relaxar e esquecer tudo o que a apoquenta. Mas saiba que terá sempre o meu ombro e muito mais que isso quando quiser e precisar. E sabe o mais engraçado de tudo?
– O que é tão engraçado?
– É que eu sou um nerd, meu amor, um autêntico nerd, e você nem deu conta disso.
Espantada, afasta-se dele e olha-o arregalada, boquiaberta.
– Afinal, Sheilinha, o que tem de errado em ser nerd? Você ficou comigo sem se atinar para isso e gostou! Você mesma disse que gostou de mim.
– Mas nerds são tão babacas!
– Eu sou babaca, Sheila? – Sorri amargo. – Só porque gostamos de pensar, ver o mundo à nossa volta e discutir o que está errado? Nós não somos sarados nem superatletas, meu amor, mas lutamos por um mundo melhor. Usamos os nossos dons, assim como jogadores de futebol usam os seus.
– Desculpe, Carlinhos. – Abraça o amigo e beija-o carinhosamente. – Eu sou uma inútil que só sabe magoar as pessoas, como Bia disse. Acho que nem mereço a amizade da Ana. Você nem imagina o que ela falou para mim.
– O que foi? – Sheila conta tudo, inclusive o atentado sofrido e o salvamento pelo escritor. – Isso é amizade pura e verdadeira, coração, e você não encontrará muitas mais assim. Então você conhece Miguel Almeida? Precisa me apresentar esse cara, pois eu adoro os seus livros. Sempre quis ser escritor, sabe?
– Ele usou a mesma frase de Sartre esta manhã. Por isso eu comecei a chorar e desmoronei, quando você a citou.
– O que aconteceu no seu passado não pode ser mudado, mas não repita os seus erros, meu amor. Sabe, estou realmente apaixonado por você.
– Gosto de você, Carlinhos, muito mesmo, senão não estava neste carro deixando você me acariciar assim. Sem falar que, se você continuar com isso, vai me incendiar. Eu quero apenas sair, pelo menos por agora.
Quando entram no bar, encontram Ana e Carlos saindo colados um no outro.
– Oi, Sheila – diz esta, radiante – tudo bem?
– Tudo. Este é Carlos. Carlos, Ana e Carlos.
O rapaz aperta a mão do homônimo e tem uma surpresa. Carlos solta a mão e diz:
– Prazer, meu amigo. Que o GAU ilumine o seu caminho, irmão.
O casal sai e Sheila olha para ambos, seguindo-os pelas costas.
– Então esse é o Carlos da sua história! Nossa, que gato mais lindo! Você é cega, por acaso?
– Não se atreva! Já chega ela! – Começa a chorar. – Que droga, o que tá havendo comigo?
Ele espera que se acalme e beija-a nos lábios, enquanto esta retribui sofregamente.
– Quando vai parar de ficar cega e enfrentar o que tanto teme? Você ama aquele sujeito e devia assumir de uma vez por todas. Lute por ele e, antes que magoe a sua amiga, aceite a oferta dela.
– Esqueça.
– Você sabia que ele é Maçon?
– Nem sei o que é isso!
– Você é mesmo alienada, amor. A Maçonaria é uma irmandade secular que possui uma influência política enorme. Dedicam-se, entre outras coisas, às ciências ocultas.
– Como você sabe que ele é Maçom?
– Simples, minha bela, um Maçom sempre reconhece outro pelo cumprimento. Sinais ocultos. Mas ele é superior a mim, que sou apenas grau quatro.
– Como pode saber?
– Dividimo-nos em trinta e três graus. O cumprimento muda de grau para grau. Quando eu o cumprimentei, usei o sinal do grau um. Ele correspondeu e depois fez o sinal do dois. Eu respondi e ele fez o três. Novamente respondi e ele fez o quatro, que foi o último que respondi por não saber reconhecer. Assim, sei que ele é acima de quatro, mas não conheço o dele.
― ☼ ―
Joseph Murphy – As famosas leis de Murphy que dizem, entre outras coisas: Se algo pode dar errado, certamente dará e justamente na hora em que menos se espera.
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