Capítulo 2 - parte 1 (não revisado)

"Felicidade é ter algo que fazer, ter algo que amar e algo que esperar."

Aristóteles.


– Nossa, amor, ela nunca me contou nada!

– Pois é. Desde esse dia, Sheila trata-me assim. Acho que não me perdoou o fora que levou.

– Você não está comigo só pra se vingar, não é?

– Claro que não. Jamais fui vingativo, Ana. Se fosse, já teria arranjado outra garota há mais tempo. Eu gostei demais de você. Caramba, que beijo!

– Que beijo digo eu. – Ana abana-se, rindo. – Nunca tinha sido beijada assim, amor. O mais delicioso que já tive.

– Nesse caso, Aninha, acho que foi recíproco.

O casal entra num bar muito aconchegante e tranquilo. É espaçoso, de luz moderada mas sem ser excessivamente escuro e com uma decoração simples, de bom gosto. O lugar já tem bastante gente, a maioria absoluta de casais de todas as idades, mas ainda há várias mesas disponíveis, embora algumas tenham marcas de reservado. No meio deste e sentado em um banco alto, um músico toca o seu violão e canta com uma voz bastante agradável. O par pede um petisco e um vinho, quando Ana aponta um casal num dos cantos.

– Olhe, amor, o escritor e a esposa. Esse é outro que é um gato, uma verdadeira perdição!

– Assim, vou ficar com ciumes!

– Deixe de ser bobo, Carlinhos. Achar ele um gatão não quer dizer que eu estou a fim dele. Mas que ele é um cara lindo e pra lá de sarado, lá isso é. – Ela beija-o e dá uma risada. – Afinal, você também é lindo demais e sempre fui atraída por si. Sabe, eu comprei o livro dele e estou amando. O cara é bom como poucos!

― ☼ ―

Sheila já está bem alta, mas a irmã não nota porque diverte-se em beijar um rapaz por quem é meio a fim há algum tempo. Passou metade do tempo tentando fisgá-lo e agora só tem olhos para ele, ficando aos beijos e abraços. Vários pares já se formaram e os que não o fizeram divertem-se conversando entre si, sendo uma turma agradável e sadia.

– Acho que estou bêbada e preciso tomar um ar lá fora. – Diz Sheila, levantando-se e quase caindo um tombo, agarrada por Carlos, que a apoia. Ela sente-se sufocada, dentro do bar.

Carlos ajuda-a, afirmando:

– Acompanho você, senão ainda se esparrama no chão. E com essa saia ultracurta, vai acabar dando um show e tanto; sem falar que passará um rico vexame.

Ela dá uma risada meio fora de tom e o jovem segura seu braço, enquanto saem do bar, um local meio escuro e esfumaçado. Sheila veste uma saia bem curta e uma blusa decotada que chama a atenção de muitos, mas já viram que ela não está a fim de ninguém. A moça passa o braço na cintura do Carlos, deixando vários dos rapazes com inveja, e caminha ao seu lado, já com muita dificuldade, esbarrando constantemente no acompanhante.

– Sheilinha, minha querida, você tá que tá. Tá pra lá de Marraquexe. Melhor ficar na água mineral a partir de agora, senão acaba em coma alcoólica ou vomitando sem parar.

Ela volta a rir e tropeça. Este segura-a de frente, enquanto Sheila o abraça pelo pescoço e diz carinhosamente, ainda rindo:

– Ai, Carlinhos, você é tão doce quando quer. – Puxa o novo amigo para si, e beija-o com ardor. Ele permite por pouco tempo e afasta a moça, arquejante. – Acho que amo você. Sempre amei. Será que não consegue ver isso, que eu preciso de você, que o amo loucamente?

– Esqueceu que eu sou gay?

– Des... hic... desculpe. Foi sem querer. Acho que estou demasiado bêbada e... hic... carente.

– Sheila, não era este Carlos que você beijou e sabe bem disso, não é?

– Não sei de... hic... nada. Estou completamente confusa. Eu o amava muito... hic... mas fiz uma grande besteira. Detesto... hic... soluços. Isso foi há quase... hic... um ano. Depois disso, sempre que a gente se vê... hic... eu e ele brigamos.

– Vocês ainda se veem?

– Somos da mesma turma de amigos. Logo... hic... nos vemos muitas vezes. Mas ele agora tá namorando uma amiga minha. E tem o... hic... Juan, o cara da internet que falei. Ele mexeu demais comigo... hic...

– Não queria estar no seu lugar, Sheila. Como dizia o meu ex, você vai arrumar o maior perrengue. Vamos caminhar um pouco para dissipar esse álcool.

– Se ele não fosse tão nerd, nada disto teria... hic... acontecido. O Carlos é sempre quieto, estudando... hic... e muito sedentário. Já o Juan é delicado, gentil, apaixonante... hic... e um atleta. Ele vai participar da meia maratona, mês que vem... hic...

– Bem, esse aí eu queria para mim. Um gato saradão!

– Nem... hic... pense nisso. – Fica empertigada. – O que... hic... será que Carlos e Ana estão fazendo agora?

O seu acompanhante sacode a cabeça e sorri, vendo o que a moça não enxerga.

― ☼ ―

– Amor, vamos embora? – Ana pede. – Depois de duas garrafas de vinho, acho melhor não bebermos mais que até já estou meio tontinha.

– Tem razão, anjo, senão acabo não conseguindo dirigir com segurança e não desejo ter um acidente nem ver você ferida. – A caminho do carro, ele pergunta. – Que tal irmos pelo litoral?

– Boa ideia. E tem um motel bem bacana no caminho, o que acha? – Ana, sapeca, caminha abraçada à cintura do namorado, bem apertada e feliz.

– Se você quiser...

– Desde o primeiro beijo que eu desejo. – Ela ri. Vão para o motel e entram no quarto aos beijos, já tirando as roupas um do outro. Quando Ana vê o corpo do namorado, enlouquece. – Ai amor, você é o gato mais gostoso e sarado que eu já vi! Por que se esconde com roupas tão folgadas? Acho que nem aquele escritor é tão perfeito!

Empurra o namorado para a cama e sobe nele, beijando-o muito, deliciada com o que vê: um tórax e abdômen musculosos, tronco em V e ombros muito largos com braços bem fortes.

Mais de duas horas depois, Carlos deixa a namorada em casa e vai dormir.

― ☼ ―

Quando Sheila e Carlos retornam da caminhada, encontram a turma saindo do bar. A irmã olha para ela e diz, bem debochada:

– Caraca! Você pisou na jaca, mana. Bebeu demais e, se não se cuidar, vai levar a mó bronca. Onde se meteu?

– Precisava tomar ar para aliviar a tonteira. Carlos me acompanhou.

– Vê se não vai desvirtuar o Carlinhos. – Afirma, vendo ambos bem abraçados. – Você tá que tá!

– Não se preocupe. Ele foi um boa companhia. – Ela beija o novo amigo nos lábios e despede-se.

Ao chegarem a casa, a irmã ajuda Sheila a ir para o quarto, de modo a não dar vexame e acordar os pais. Esta cai na cama e adormece instantaneamente, só acordando no outro dia de manhã. Levanta-se e liga o computador, mas nada do Juan. Vai para a cozinha beber água, pois tem uma pequena ressaca e sente uma sede danada. Quando volta ao quarto, procura não fazer barulho para não acordar a irmã.

Mal olha a tela, fica eufórica.

"Juan: Oi, Flor, você está aí?"

"Flor: Oi, Juan. Estava com muitas saudades. Faltou luz no meio da nossa conversa e depois não entrou mais! Achei que ficou chateado comigo. O que estava fazendo?"

"Juan: Não se preocupe. Aqui também faltou luz e o meu micro pifou. Agora de manhã cedo, eu fui correr por uma ou duas horas. Depois, tomei um banho e vim falar com você."

"Flor: Você me deixou triste por tanto tempo longe."

"Juan: Desculpe. Tenho estudado muito porque é época de provas na facul e também treinado bastante, pois desejo vencer a maratona. Só hoje consertei o micro. Queimou a fonte."

– "Flor: Ontem saí com a minha irmã e um amigo, Carlos, disse que devia ser por isso que não aparecia."

"Juan: E quem é esse Carlos?"

"Flor: É amigo da minha irmã. Não se preocupe que ele é gay, mas muito querido."

– "Juan: Florzinha. Tenho algo chato para te contar. Ontem de noite saí com uma amiga e acabou rolando um lance meio forte. Nós começamos a namorar e eu não quero magoar você. Por isso, acho que vou dar um tempo aqui."

"Flor: Puxa vi..."

Sheila desanda aos prantos, acordando Bia.

Esta, de olhos sonolentos, levanta a aproxima-se da irmã. Após ler a conversa, abraça Sheila.

"Juan: Flor, você está aí?"

"Flor: Juan, sou irmã dela. Olhe, a mana está chorando muito, então deixe para conversarem depois."

"Juan: Tudo bem. Diga que sinto muito, mas eu sou sincero e não desejo enganar sua irmã, pois ela é uma das pessoas mais queridas que conheço."

"Flor: Ok. Tchau que vou desconectar."

"Juan: Tchau, irmã da Flor."

– Puxa vida, Sheila, pare de chorar. Você nem o conhecia!

– Você não entende. Eu gostava dele. Parecia que o conhecia e muito bem. Este ano tá tudo dando errado comigo. Primeiro o Carlinhos e depois o Juan.

– Ora, você acabou de conhecer o Carlos!

– Não é desse Carlos que falo. – Conta tudo para a irmã.

– O que esperava depois do jeito que o tratou, Sheila? Essa nem parecia você! Que horror, você já pensou o quanto fez ele sofrer? Você devia colocar-se no lugar dele e ia entender melhor o que ele passou.

– Eu sei, e me dei mal por isso. Afinal, fiquei no lugar dele. Agora, quando estamos perto, nós só brigamos. Ele começou a namorar a Aninha, há três dias. E agora o Juan começou com outra ontem! Só eu que me dou mal.

– Olhe, faça o seguinte: ponha um short, uma camiseta e um tênis e, depois, vá dar uma boa corrida. Enquanto faz isso, pense em tudo e garanto que se vai sentir melhor, pois eu sempre corro quando me sinto assim. Sem falar que vai acabar com a sua ressaca. Você tá com um bafo de matar um defunto!

– Como alguém pode matar um defunto se ele já está morto?

– Então você mata um zumbi. Garanto que mata. Basta soprar nele! – Bia ri.

Sheila faz o que a irmã sugeriu e corre por menos de meia hora, pois cansa-se rápido. Para em frente ao Cantinho e senta-se numa mesa. É cedo e o lugar ainda está vazio. As duas únicas pessoas que lá se encontram, sou eu e ela, que nem me viu sentado, escrevendo. Ela cruza os braços sobre a mesa e baixa a cabeça, voltando a chorar em silêncio.

– Pelo que noto, tu já começaste a sofrer as consequências de certos atos irrefletidos. – Chateada, ela olha para mim e cumprimenta-me com a cara triste e olhos vermelhos, inchados.

– Por que acha isso? Você nem me conhece!

– Aí é que tu te enganas redondamente, querida. Eu venho observando a vossa turma há bastante tempo e estou com muita vontade de escrever um livro sobre vocês. Então, vais assumir que amas aquele garoto, o mesmo que deixaste escorrer das tuas mãos, tchê?

– Eu já o amei... há alguns meses. Mas depois brigamos feio e foi tudo minha culpa. – Baixa a cabeça.

– Que tal tu me contares? Isso pode ajudar a tirar o peso da consciência. – Ela fica reticente, mas acaba revelando tudo.

– É, minha querida. Isso foi horrível e ele sofreu muito. Uma vez, encontrei-o aqui, sozinho e chorando bastante. Entendes agora o que disse sobre os nossos atos? Só que tem uma coisa: aquele rapaz tem uma compleição física similar à minha. Nenhum nerd, como sempre dizes, teria um corpo daqueles. Ele deve praticar esportes regularmente. Absolutamente ninguém tem um físico assim, se ficar sedentário e não te iludas com as roupas folgadas. Afinal, sei muito bem o que digo.

– Você pratica esportes?

– Se prometeres que não dirás nada, eu conto.

– Prometo.

– Fui tricampeão mundial de Wushu e ainda pratico regularmente, para manter a forma.

– O que raio é isso?

– É o nome chinês do Kung-fu. Mas não digas a ninguém porque não gosto de chamar a atenção. Sabes, se tu ainda gostas do Carlos, terás de ser rápida e cuidadosa. Ontem, eu vi os dois num bar e ele está cada vez mais interessado na tua amiga, mas sei que ainda há uma chance.

– Nem sei se ainda o quero. Sem falar no Juan. Ando muito confusa e preciso pôr a cabeça no lugar. A sua esposa não veio com você? Vejo que são tão harmoniosos! Quem me dera ter alguém assim!

– Somos sim. Ela foi visitar uma tia no hospital. Pensa bem. Carlos é palpável; físico; real. O outro é imaginário; virtual. E lembra-te sempre que nós somos os nossos atos. Essa frase foi dita por um grande filósofo francês chamado Sartre. No teu caso, ela nunca foi tão acertada.

– Bem, vou para casa. De tarde, voltarei para encontrar a turma. Adeus e obrigada pelos conselhos.

– Até mais, tchê. Te cuida, lindinha.

A garota vai para casa, caminhando. Só então se dá conta que parou no Cantinho para beber água e esqueceu completamente. Enquanto anda, pensa no que o Miguel lhe disse. Chateada e triste, caminha ao acaso por mais de duas horas, até que retorna. No quarto, encontra a irmã e o garoto com quem ela ficou, além do Carlos. Este, ao vê-la, sorri.

– Oi, Sheila, vejo que está melhor.

– Nunca estive pior. – Responde ela, muito abatida e com a voz sumida. – Mas deixe pra lá.

Gentil, o rapaz abraça-a e pergunta:

– Vamos dar um passeio, Sheilinha? Eu fico sem jeito, segurando vela, e você bem que precisa de uma companhia para se distrair.

– Preciso sim, Carlos, obrigada. – Enquanto ambos perambulam pelas ruas do centro da Barra, a garota comenta. – Engraçado, mas você não parece um gay!

– Sheila. Eu sou gay mas não sou uma dessas bichas desvairadas que tem por aí. Eu não gosto de escândalos nem de aparentar o que não sou. Nem todos os homossexuais são assim. De fato, somos pessoas normais, mas mais sensíveis, apenas isso. Para falar a verdade, já tive algumas namoradas, pois também gosto muito de mulheres, embora nem tanto quanto de homens.

– Como assim!?

– Simples. Eu sou o que se chama bissexual, ou gilete no popular, mas prefiro homens, só isso. Entretanto, eu já saí e fiquei com várias garotas. Até dormi com algumas e gostei delas de verdade. Jamais fico com alguém que não gosto, seja homem ou mulher. Afinal, os riscos são demasiado altos e eu tenho amor pela minha saúde. – Ele dá uma risada leve.

– Você é lindo, Carlos, e acho isso um desperdício.

– Não escolhi ser assim, Sheila, e preferi assumir a minha condição sexual, mesmo sendo muito reprimido. É melhor isso do que viver uma vida falsa e de sofrimento. Felizmente para mim, os meus pais são super compreensivos.

– Você foi muito corajoso, Carlinhos. Eu, no seu lugar, não sei se seria capaz de fazer o mesmo.

– Há quem diga isso. A turma da sua irmã, com quem eu saio, é a única lá da escola que me aceita e compreende. Sabe, Sheila, a Beatriz é demasiado especial, pois foi ela que me trouxe para os seus amigos e, ainda por cima, me fez ser aceite por eles.

– Sim, a Bia é especial. Ela sempre foi a cabeça de nós duas, mesmo sendo quase dois anos mais nova que eu. Sabe, eu amo muito a minha irmã. – Enlaça a cintura do amigo e encosta a cabeça no seu ombro. – Mas agora estou muito perdida e nem ela me pode ajudar.

– Está perdida porque quer, Sheilinha. Você reprime os seus sentimentos e se entrega a ilusões para fugir da realidade que a assusta muito. Sheila, lembra-se que me beijou ontem? Lembra-se do que disse?

– Tenho uma lembrança meio enevoada. Desculpe, mas estava muito bêbada. Acho que nunca tinha bebido tanto.

– Não precisa se desculpar. Para falar a verdade, adorei aquele beijo e jamais alguém me beijou de forma tão gostosa. Olhe, eu não lhe vou dizer o que você fez e disse, pois até que foi inocente e não há o que se envergonhar, mas vou dizer outra coisa, uma frase muito especial e que vale mais do que mil palavras: nós somos os nossos atos.

Para espanto do rapaz, ela começa a soluçar senta-se no chão chorando copiosamente. Os soluços são intensos e ele agacha-se de frente, olhando para a garota. Esta tem o short muito curto, que não esconde grande coisa, e é dona de um corpo fora de série. Naquela posição, ele vê muito mais do que deve e descobre-se desejando a moça. Aproxima-se dela e puxa-a pelos ombros, acalentando-a. Ela ergue os braços, envolvendo o seu pescoço, e enterra o rosto no peito do amigo, chorando sem parar. Carinhoso, Carlos afaga os seus cabelos.

– Pronto, Sheilinha, acalme-se. – Carlos ergue a moça, que abre os olhos e vê que está a poucos centímetros do seu rosto e da sua boca. Sem pensar, beija-o com sofreguidão. Ele permite e corresponde, acariciando a garota, que fica muito excitada.

– Me leve de volta para casa. – Abraça-o pela cintura. – Logo cedo, outra pessoa me disse essa frase. Ele é escritor.

Jean-Paul Sartre é o dono dessa frase, um filósofo. Eu pretendo fazer filosofia, pois gosto muito.

– Já não sei mais nada. Tudo o que sei é que estou muito perdida e os meus atos cada vez mais me afastam do meu caminho. Eu não faço de propósito, mas tudo sai errado.

Mal entram no elevador, ela volta a beijar o rapaz encostando-se e insinuando-se a ele.

– Sheila, você sabe perfeitamente que não sou eu quem deseja. Está infeliz e carente, procurando acalanto em mim, mas pode vir a se arrepender.

Ela não o ouve e continua agarrando e beijando o novo amigo, que acaba cedendo e retribuindo as carícias cheio de desejo, percorrendo o seu corpo com as mãos e lábios.

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