Capítulo 1 - parte 4 (não revisado)

Mauro termina a prova e entrega-a, saindo às pressas da sala para dar de cara com Sheila que lhe segura o braço.

– Mauro, eu...

– Você tem ideia do que fez, garota? Eu nunca vi Carlos daquele jeito. Você literalmente acabou com ele, que nem a prova conseguiu responder e vai levar um zero! Como pôde fazer uma coisa dessas? Nunca imaginei que você fosse assim, Sheila!

– Não fiz por mal, eu juro. É que fiquei atônita, sem falar que tínhamos nós. Eu fiquei sem reação, só isso.

– Não tínhamos nós coisa nenhuma, Sheila. Se eu soubesse sobre o que ele sentia, nem teria rolado nada anteontem, pode ter a certeza. Nós somos amigos desde os cinco anos, Sheila, e nunca vi o meu melhor amigo sofrendo desse jeito. Você nem tem a menor ideia do que ele deve sentir por si. Maldita hora que lhe fui apresentar o Carlos!

– Pelo menos tente fazer ele falar comigo para eu me desculpar. Pelo amor de Deus, me ajude.

– Você fez a cagada, Sheila, agora vire-se para a limpar. O melhor que tem a fazer é sumir da vida dele e deixar que se recupere. Você jamais esteve tão errada em relação a alguém quanto com ele. E pare com essa idiotice de nerd que ele nem é perto disso.

Vira as costas, deixando a garota aflita e sem saber o que fazer. Segue para o bar mas o amigo já tinha ido para casa, pois nota que o carro não está no estacionamento. Vai procurá-lo e a empregada diz que ele saiu a pé, sem hora para voltar.

― ☼ ―

Carlos caminha até à praia, carregando um livro na mão. Senta-se no quiosque e pede uma cerveja. Na mesa ao lado, um homem está compenetrado no seu computador portátil: eu. Enquanto bebe, inicia a sua leitura e, mal lê duas páginas, suspira e desiste, pousando o volume na mesa e voltando à cerveja. Eu pergunto:

– Tu não gostaste do livro, tchê?

Sem olhar para mim, responde:

– Não é isso. Todos os livros deste homem são fabulosos e tenho vários. Apenas é muito difícil mergulhar na leitura quando se tem o coração completamente destroçado. A concentração fica impossível, pois os meus pensamentos voltam sempre para outro lugar.

– Tens toda a razão, tchê. Já passei por isso recentemente e cheguei a ficar sem conseguir escrever mais nada. Esse aí foi bem no meio desse período. Talvez por isso o ache um tanto fraco.

Espantado, Carlos olha para mim, me avaliando. Eu dou-lhe um sorriso delicado.

– Bem que achei o seu rosto conhecido, senhor Almeida, pois aparece na contracapa do seu primeiro livro, mas nunca me liguei!

– Podes chamar-me de Miguel. Olha, quando estamos no teu estado, o melhor a fazer é erguer o nariz e recomeçar. Entregar-se ao sofrimento não vai ajudar em nada.

Carlos levanta e estende-me o livro.

– Obrigado pelo conselho. Poderia dar-me o seu autógrafo?

– Claro.

Devolvo o livro autografado quando a minha esposa aparece para almoçarmos ali mesmo, apenas um petisco. Notei logo o fascínio que teve ao vê-la. Modéstia à parte, minha Denise é belíssima. Ele agradece, cumprimenta-nos e volta para a sua mesa, bebendo e olhando para o mar. Fiquei com imensa pena, pois noto perfeitamente o quão profundamente ferido ele foi.

― ☼ ―

Ao chegar a casa, encontra Sheila aguardando em frente ao portão, pois, muito a custo, conseguiu arrancar do Mauro o endereço do Carlinhos.

– Carlos, por favor...

Ele nem responde. Desvia para o lado e apoia a mão no muro, saltando sobre este com tanta agilidade e facilidade que a moça olha abismada. Entra em casa, deixando-a parada na rua. Pela janela do quarto observa-a discretamente, enquanto lágrimas voltam a escorrer dos seus olhos. Ela permanece alguns minutos, na esperança que Carlos volte, mas é em vão. Baixando a cabeça, Sheila vai embora.

Por muito tempo ela tenta uma aproximação mas é sempre repelida, geralmente com Carlos saindo de perto. Este, inclusive, para de sair com a turma para evitá-la.

Um mês depois e ainda se afastando sempre dela, ambos encontram-se, pois a garota acha-o no bar da faculdade, lendo tranquilamente.

– Carlos, isto não pode continuar assim.

O jovem pousa o livro e olha para ela, sem nada dizer. Naquele horário não há ninguém no bar, pois estão todos na aula. Carlos tinha acabado a sua prova rapidamente e ido para ali de modo a relaxar um pouco.

– Não vai falar nada, já que não saiu correndo?

Com um suspiro, ele questiona:

– Muito bem, o que deseja que eu diga?

– Carlos, eu sei que te magoei, mas juro que não fiz por mal. Apenas fiquei desconsertada, sem reação. Por isso a risada. Pelo amor de Deus, me perdoe.

– Você fez uma coisa horrível, Sheila, algo muito difícil de se perdoar...

Sheila toma coragem e interrompe, suspirando e tremendo um pouco, mas olhando dentro dos seus olhos:

– Carlos, desde aquele dia que você não sai da minha cabeça. Nem sei dizer como ou porquê, mas eu estou apaixonada por você desde aquilo, totalmente. Não consigo pensar em mais nada que não você! Por favor, me perdoe. Eu realmente desejo sair com você, só nós os dois, anseio ardentemente por você.

– Mas você é mesmo petulante, Sheila. – A reação do colega é tudo menos o que ela esperava. – Primeiro, acaba comigo, dizendo que não temos nada a ver, que sou um nerd e sei lá quantas outras coisas horríveis. E agora vem dizer que está apaixonada pelo mesmo nerd que você espezinhou e estraçalhou! Você não me conhece, Sheila; porque se conhecesse, jamais teria coragem de chegar em mim depois disso. Está agindo como uma garotinha egoísta e mimada. – Sem se segurar, ela começa a chorar. – Não pense que me vai sensibilizar assim porque não vai. Sabe qual é o seu problema? Você não aguentou que eu superasse isto. A sua reação é tipicamente a da lei de Lorentz. Se aproximamos um imã de uma espira em curto, ela gera uma força contra eletromotriz e afasta-se do imã. Se afastarmos o mesmo da espira, ocorre o efeito inverso e a espira aproxima-se. Nos cursinhos de pré-vestibular, ensinam isso como sendo a lei das virgens. O rapaz chega nela e é repelido. Irritado, larga-a de mão e ela vem correndo atrás. Por acaso acha que me vou arriscar? Você não vale nada, Sheila; pois, se valesse, jamais teria feito o que me fez. Você acabou comigo!

– Como ousa falar assim? – Exclama furiosa e aos prantos. – Eu fui sincera!

– Talvez da primeira vez, mas não me parece que esteja sendo agora. Sinto muito.

Pega o livro, levanta-se e sai do bar dizendo:

– Eu a amava, Sheila, desde a primeira vez que a vi, mas você destruiu esse amor. Transformou-o numa dor atroz e, depois, em indiferença.

Chorando cada vez mais, ela grita:

– Eu te odeio, Carlos Magalhães, eu te odeio.

Em meio aos prantos, continua, muito baixo:

– Eu te amo. Me perdoa, pelo amor de Deus, eu te amo!

― ☼ ―

Leis de Lorentz: Electromagnetismo. É a mais pura verdade e os cursinhos usam essa alusão para facilitar os alunos a entenderem a mesma.


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