Capítulo 1 - parte 1 (não revisado)

"O coração tem razões que a própria razão desconhece."

Blaise Pascal.


– Por favor – Carlos pede para Henry, o dono do bar – eu queria uma água tônica.

– Caraca – espicaça uma das garotas da turma – todo mundo na ceva e o nerdinho vai tomar água, ainda por cima uma bem amarga...

– E daí se eu gosto de água tônica, Sheila? – Riposta este, vendo os sorrisos nos rostos dos amigos que antegozam uma boa discussão. – Eu bebo pouco e você sabe muito bem disso, sem falar que tomei três latinhas o que, para mim, já está mais que bom ou por acaso você é dona da minha vontade?

– Pronto, já ficou todo nervosinho. Não se pode falar nada, que o coitadinho vem logo com duas pedras na mão.

– Juro que ainda vou ver vocês dois apaixonados, namorando e casando. – Mauro dá uma risada enorme e provocante. – Até já parecem marido e mulher! E pior, daqueles que estão casados há uns cinquenta anos, pelo menos.

– Tá maluco! – A garota vira-se, zangada. – No dia que eu beijar ou namorar esse esquisitão, me mato. Nem que seja o último homem do mundo eu faço isso!

Mauro é um sujeito de dezoito anos, quase dezenove, bonachão e bem humorado, mas nada calmo. Não é alto nem belo, porém tem um charme natural que atrai e encanta as garotas, sendo muito raro vê-lo sem um par, o que ocorre no momento. Ele e Carlos são amigos inseparáveis desde os cinco anos, mas o mais curioso é a diferença entre ambos, pois Carlos é todo comportado e calmo, enquanto Mauro é mais explosivo e desleixado. Sheila olha nos seus olhos e vê um ar debochado que a irrita, pois sabe da grande amizade com Carlos, sendo que Mauro sempre o defenderá incondicionalmente e a qualquer preço. Ambos já saíram por uma noite, meses antes, mas Mauro não deu sequência e ela não fez questão de continuar.

– Que maldade, Sheilinha. Assim você magoa Carlos, sem falar que ficaria muito solitária se ele fosse o último homem do mundo. Nunca diga "desta água não beberei". Além disso, você um dia pode vir a morrer de sede, o que será um grande martírio e desperdício.

– Que bobagem...

– Quem sabe vocês param de discutir. – Pede Ana, já um pouco aborrecida. – Caraca, isso já está ficando um saco. Parecem mesmo dois namoradinhos birrentos e adolescentes.

– Nem pensem nisso. – Retruca Sheila, bem exaltada. – Esse cara nem deve saber beijar, quanto mais namorar. Ou algum de vocês já viu ele com uma garota?

Chateado com o comentário, Carlos afirma, sempre calmo:

– Agora você está apelando, Sheila...

– É mesmo, Carlos? – Interrompe ela, que está muito zangada e tresloucada, embora não tenha motivo algum para isso. – Então me diga quando foi que você beijou uma garota? Nem duvido nada se você for gay ou o maior prego. Aposto que fica só em casa no seu computador e jogando pela internet, o eterno nerd.

– Você não vive comigo para saber a minha vida particular, Sheila. Não me provoque que se pode arrepender.

– Opa, agora sabemos que Carlos tem uma vida particular, secreta, fora dos livros e computadores!

Divertido, o rapaz continua, sabendo que ela vai-se dar mal:

– Se você deseja saber, eu sei beijar e muito bem. Treinei no espelho do banheiro e depois comprei um manequim para praticar melhor. É que eu não gostava de beijar a minha própria boca. Claro que não dá pra transar com um manequim, mas aproveitei para beijar. – Os amigos dão uma risada enorme e a garota fica desconsertada, rubra. – Eu devia ter comprado uma daquelas bonecas infláveis dos sex shops, já que assim também aprendia a transar. Mas tudo bem, uma coisa de cada vez. Por quê? Quer experimentar um beijo meu? Garanto que vai ficar apaixonada na mesma hora, pois ninguém beija melhor que eu, não mesmo. Você vai cair derretidinha aos meus pés e se arrastar implorando o meu amor. Quer provar?

– Já lhe disse que prefiro morrer...

– Eu quero. – Interrompe Ana à queima roupa, decidida a acabar com a discussão e rindo da amiga. – Posso? Afinal, sempre achei você o maior gato; e, se beija tão bem, quero provar!

– Poder você pode, mas Sheila vai ficar muito enciumada.

– Caraca! Por mim, vocês podem até transar que não me importo nem um pouquinho. Mas haja mau gosto, Ana. Logo um nerd!

– Posso emprestar o manequim para você, Sheila, mas é feminino. – Novamente riem-se dela que fica muito vermelha. – Quer?

Sheila não responde e Ana, que está sentada ao lado do Carlos e muito sapeca, vira o rosto para ele sorrindo de forma angelical. Esta, que já tomou algumas cervejas a mais e está bem altinha, aproxima-se. O rapaz olha nos seus olhos, pois acha a moça lindíssima e seu sorriso é cativante, parecendo que ri com seus olhos castanhos muito expressivos. Sem que alguém espere por isso, ele sorri, pega no seu queixo puxando-lhe o rosto e começa a beijar Ana que, perante o olhar abismado dos demais, dá um gemido, chegando mais perto e agarrando o amigo, beijando-o ardente e completamente entregue.

Quando se afastam, Ana está corada e ofegante.

– Minha nossa – afirma, abanando-se e rindo – que beijo maravilhoso! Sheila, você nem imagina o que está perdendo. Meu Deus, fiquei mesmo apaixonada! Quero mais, Carlinhos, você é o maior gato do mundo.

Ela senta-se mais próxima ao garoto e beija-o novamente, abraçando sua cintura. Ambos esquecem dos amigos e ficam só aos beijos, pois Carlos ficou literalmente encantado com ela.

– Eu, hein! – Mauro dá uma gargalhada estrondosa e vira o rosto para a outra amiga. – Isso foi o início de namoro mais doidão que eu já vi! Sheila, acho que você se deu mal, muito mal mesmo. Afinal, sei de algo mais...

– Eu ia-me dar mal se tivesse a fim dele, coisa que não ocorre. Só porque ele sabe beijar, isso não implica em que eu vou ficar apaixonada. Um nerd? Nem pensar!

– Saber beijar é uma coisa – Ana sorri deliciada, parando para tomar fôlego. – Carlos é um mestre nessa arte!

– Diga uma coisa, Sheila: por que você não tira os olhos do Carlinhos? – Mauro questiona, debochado e provocador. – Eu tô é achando que tá rolando um ciuminho danadaço!

– Larga de ser Mané. Apenas estranhei isso, como todos vocês. Bem, preciso ir que tenho um compromisso. Até mais.

A garota afasta-se e observa um homem sentado com um notebook na mesa, escrevendo.

Casualmente, esse homem sou eu mesmo, o vosso narrador. Ela passa rente a mim, olhando-me atentamente e eu dou um pequeno sorriso que é correspondido. Caminha para a calçada e atravessa a Lúcio Costa, cortando caminho pela praça que está do outro lado da avenida. Sheila vai revisando o acontecimento do dia, estranhando muito tudo o que ocorreu.

– "Um gato?" – Pensa, enquanto anda. – "Ana só pode estar delirando em achar Carlos um gato. Mas que aberração!"

Caminhando tranquilamente pelas ruas da Barra os dois quilômetros que a separam do apartamento onde vive com os pais e a irmã, volta aos seus devaneios, pensando no rapaz dos seus sonhos, alguém que ela sequer conhece pessoalmente. Já há alguns meses vem-se comunicando com ele em um chat da internet e sente-se apaixonada demais. Vai andando rápido, sem prestar atenção a nada do que a rodeia e louca de vontade de chegar logo a casa. Mal entra no quarto, liga imediatamente o computador, enquanto olha o relógio. Nota que ainda é muito cedo para ele se conectar, faltando mais de uma hora. Ansiosa, loga-se no chat e aguarda, sempre vendo se o amigo virtual está online. Seu nickname é Juan e, enquanto espera, troca de roupa. Seu quarto, que compartilha com a irmã, é espaçoso, simples e bem decorado. Em um canto, fica a cama da irmã e no outro a sua, cada qual com uma mesinha de cabeceira ao lado. Entre as camas, uma cômoda com espelho e aos pés da cama da Sheila a mesa do computador, bem de frente para a janela cuja vista dá para uma rua arborizada e muito tranquila. Ao lado há uma porta para o banheiro delas e, de costas para as camas, um armário espaçoso mais algumas estantes de livros e uma televisão com aparelhagem de som.

Uma hora depois, nada do Juan aparecer e Sheila começa a ficar triste, sentindo a sua falta.

― ☼ ―

No quiosque, sobram apenas Ana e Carlos. Ela, sentada no seu colo e bem apaixonada, beija-o a toda hora.

– Você é mesmo um gato, Carlinhos. Jamais imaginei que fosse assim. – Brincando com ele, continua. – Olhe, quando não me quiser mais, me empreste esse manequim. Que professor sensacional esse que você arrumou!

Olhando nos seus olhos, ele sorri e, logo depois, cai na risada enquanto a abraça.

– Você também é uma gata, Ana, muito linda e muito gata mesmo. Eu deveria ter visto isso mais cedo, só que agora preciso ir.

– Vamos sair na sexta?

– Se você quiser, Aninha, podemos sim. Onde deseja ir?

– Ora, podemos pegar um cinema e depois ir a um barzinho bem gostoso. Me falaram que em Copacabana há um com um músico maravilhoso.

– Combinado. – Levantam-se e ela beija-o novamente, coladinha ao seu corpo. Carlos pergunta. – Vai fazer o quê?

– Vou para casa.

– Quer carona? – Pergunta. – Estou de carro.

– Claro, Carlinhos.

Ao sair, o casal olha para mim justamente na hora que a minha esposa chega do trabalho para me encontrar. Carinhosa, ela beija-me e senta-se ao meu lado, sorridente.

– Caramba! – Comenta Carlos. – Estou para ver mulher mais bonita e perfeita que aquela ruiva. O marido dela tem muita sorte. E como os dois parecem tão apaixonados!

– Ele também é lindo demais. – Afirma Ana. – Todos os dias fica sentado ali com o computador, sempre na mesma mesa, quieto. O que será que faz?

– Caramba, Ana, você não o conhece?

– Não! – Responde, muito espantada.

– Já notou que o nome do quiosque é Cantinho do Escritor?

– Sério? – Pergunta, espantada. – Ele é escritor? Então por isso o computador na mesa!

– Exato, Aninha. – Responde rindo. – Seu nome é Miguel Almeida. Você devia ler um dos livros dele, pois o cara é bom demais. No Brasil, acho que ele é o melhor.

– Me dê o nome de um deles – pede Ana – que agora fiquei bem curiosa.

– "Encontros e Desencontros." – Responde imediatamente, como se já esperasse a pergunta. – É excelente e muito divertido. Prepare-se para rir e chorar, pois ele toca na alma da gente.

– Amanhã vou ver se compro um.

– Se quiser, eu lhe empresto o meu.

– Não, gatinho. Prefiro comprar pois gosto muito de ler. E se você diz que é bom, vale a pena ter um exemplar. – Afirma sorrindo e dando mais um beijo no jovem. – Daí eu peço um autógrafo para ele. Será que me dá?

– Claro. Ele é muito bacana e autografou todos os meus exemplares. Se você pedir, até tira uma foto sua com ele. Já o vi fazendo isso com fãs.

Enquanto conversam, sempre abraçados, atravessam a avenida para o outro lado e vão caminhando lentamente. Ana está feliz com o garoto que sempre desejou e sente que tirou a sorte grande. O par entra no carro e Carlos deixa a moça em casa, estacionando em frente. É uma casa grande, de apenas um andar e com terreno espaçoso, que fica em uma rua privativa. Parados, beijam-se e agarram-se mais uns minutos até que ela sai andando nas nuvens, pois jamais imaginou que Carlinhos fosse tão gato. Sempre foi atraída por ele, só que achava que não se interessava por garotas justamente porque nunca o vira com uma. Não chegou a pensar que fosse gay, como a amiga acusou, mas julgava que não teria chance alguma. Além disso, também lhe desagrada as brigas entre Sheila e o rapaz, embora note que ela é quem sempre começa as provocações. Ambos ficam bem mais uns dez minutos aos beijos e abraços, até que ela sai, sorridente.

― ☼ ―


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