Vinte e Oito
Eu sei que tudo está indo muito lindo, mas não pense, por um segundo sequer, que nosso relacionamento era um mar de rosas. Tenho que ser franca e revelar a verdade e somente a verdade aqui!
Passado um mês da corrida que inaugurou o nosso namoro, comecei a morar na casa de Ward e enlouquecer junto com ele, afinal seu jeito bagunçado continuava o mesmo e minha obcecação por limpeza e organização não haviam mudado. Todos os dias, encontrava um par de meias jogados por algum cômodo e copos sujos no quarto, ou seja, brigávamos de manhã e no final da tarde voltávamos a estar grudados como se nada tivesse acontecido.
Entre surtos e carinhos vivíamos nossa rotina nada calma. Só que após um tempo, decidi que deveria seguir os conselhos de meu pai e procurar um psicólogo, no entanto, o progresso não aconteceu de imediato; visto que limpei a sala do terapeuta em nossa primeira sessão. Gradualmente fui ganhando mais controle e algumas pilulas me ajudaram a controlar o meu TOC, óbvio que nunca me livraria dele pois é parte de quem eu sou. Porém, com o auxilio do doutor, mantinha meus impulsos e espirais de pensamento contidos, controlados na medida do possível. Com o tempo, passei até a gostar das sessões, lá tinha um confidente seguro e as bolachas do consultório eram boas.
Nesses meses, continuei a treinar no carte com meu pai e meu namorado, preparando-me para o ano seguinte. E quanto a rivalidade dos dois? Bom, só aumentou. Acontece que ambos sempre foram extremamente competitivos e, como já disse, tinham seus motivos para querer o Mundial de Pilotos mais do que tudo. O Senhor Carter passou a praticar tanto que, por vezes, se desligava do que acontecia e ia por instinto, quase que um piloto automático sem lembrar as vezes de momentos específicos da volta que dera, sugeri que procurasse ajuda para tratar disso com cuidado também, todavia alegou a falta de tempo.
A pontuação da equipe da RFB se mantinha acirrada entre os próprios membros, dando pouco espaço para outros pilotos que raramente ocupavam o pódio. Meu namorado e meu pai dirigiam o mais próximos a perfeição porque sabiam que o desempenho era resultado da prática constante, mas isso não impedia os sonhos de Ward. Ou pesadelos melhor dizendo, sempre se repetiam ainda mais quando alguma corrida se aproximava. O volante pesado, o motor falhando e o muro... esses eram os elementos que não saiam de sua mente, por mais que tentasse os expulsar.
Mas mesmo assim, ele desafiava seus demônios e entrava no carro de Fórmula 1. Na medida do possível, as coisas estavam fluindo bem até que novembro chegou. Esse foi o mês que mudou absolutamente tudo na minha vida!
De início ninguém imaginou que tantas confusões tomariam o mesmo rumo que o nosso, mas hoje, analisando bem, suponho que tive muitos avisos e vivenciei momentos que com certeza teriam consequências, só fui tola e inocente o suficiente para não notar. O primeiro desses momentos foi uma entrevista dada por Will Bain em um programa de televisão onde foi questionado sobre nosso termino, afirmou então que possuía cem por cento de certeza de que fora traído por mim e mais de uma vez. Alegou ainda que meu relacionamento com Ward tinha somente uma intenção: a vaga na equipe.
Essa notícia veio ao meu namorado antes de mim e, assim que soube aproveitou que meu ex estava na mesma cidade que nós, por alguma obra do destino e foi tirar satisfações. Sem pensar direito tomou medidas irresponsáveis que logo foram descobertas pelo patrocinador.
A carreira do Raio da RFB estava ameaçada na equipe por seus atos um tanto quanto violentos, então, a corrida seguinte estava valendo sua permanência e a vitória do campeonato. A pressão sob ele era absurda nessa disputa, mas mesmo assim tirou um tempo para rir do rosto machucado do jogador e me presentear com estranhos óculos momentos antes de entrar na pista, ainda em sua sala de preparo.
- Em formato de estrelas? - Perguntei incrédula ao ver os óculos que acabara de ganhar.
- Assim pode combinar comigo! - Ele respondeu colocando seu exemplar e me forçando a fazer o mesmo - Foi feito especialmente para você! Assim vou poder achar mais facilmente o meu caminho nas estrelas...
Ele sabia o quão ridículo eu achava suas lentes em formato de coração e por essa razão decidiu me provocar com aquilo e gargalhou ao vê-los em meus olhos. Mas de repente seu sorriso sumiu e eu quis saber o motivo preocupada com o que estava havendo.
- O sonho de ontem foi diferente - Ward começou a explicar tremulando a voz - Era mais... Real que das outras vezes e por alguns segundos eu pensei que tudo realmente estivesse acontecendo. Eu não sei se quero continuar com isso...
- Cadê sua confiança?
- Catherine Turner não se trata mais de confiança, eu estou com medo.
- Uma pessoa muito chata e extremamente irritante um dia me disse que só podemos ser corajosos desafiando nossos medos - Eu falei recitando a frase que ele me disse na noite em que ganhei asas - Você não pode desistir de tudo que batalhou para alcançar agora, não mesmo!
- Você fala de mais - Ele comentou revirando os olhos enquanto bufava em sinal de entediamento, recuperando sua vaidade - Eu vou entrar naquela pista e pilotar como se não houvesse o amanhã e depois disso você namorará um grande Campeão!
- Eu já namoro um grande campeão!
Então nos beijamos e ele sorriu ao mesmo tempo que encostava seus lábios aos meus, em seguida segredou um "eu te amo" e ficou indiguinado por eu não o responder a altura. Fiz isso para zanga-ló e garanti que afirmaria o amar quando o mesmo saísse do carro de corrida com ou sem taça, no fundo, meu coração estava dividido a respeito de quem torcer por isso mencionei esse "com ou sem taça", mas esse fato não vem ao caso. Caminhamos juntos pelo corredor até os boxes, a partir daí ele seguiu sozinho.
Eu o vi partir com seu capacete na última corrida do ano, mas antes de entrar no carro, retirou a proteção da cabeça olhando seriamente para mim, correu e me abraçou. Antes que eu pudesse reagir já estava sendo contraída contra seu peito, porém foi tão breve que mal consegui sentir seu perfume.
Em seguida Ward voltou ao seu automóvel e deu a volta de apresentação, dessa vez largava em quarto lugar para a felicidade de meu pai que era o dono da Poli Position. No entanto não demorou para que o novato grudasse ao lado dele como um chiclete de baixo da mesa.
Sua velocidade estava maior do que o esperado, quebrando recordes da pista que até então pertenciam a lendas do automobilismo. Facilmente ultrapassou meu pai e se manteve constante na liderança, o que ele não esperava era que na vigésima volta houvesse um acidente. Calma, meu namorado não estava nele!
Dois pilotos colidiram forçando a entrada do saffety car, dessa forma todos os outros participantes da corrida foram forçados a diminuir a velocidade. Algo um pouco difícil para carros desse tipo que não foram feitos para velocidades baixas.
Nesse caso em especial demorou para que retirassem os colididos da pista, piorando a situação. Só sei que, quando tudo normalizou, Ward Carter começou a gritar por seu equipamento de transmissão, o chef de equipe desesperadamente perguntou o que havia acontecido e sem delongas a resposta veio. A caixa de câmbio tinha se quebrado, o piloto não conseguia realizar a troca de marcha. Estava aguentando tudo em sexta e o motor logo lhe pediu a mudança realizando pressão.
Suas pernas doíam ao ponto de mal poder mudar a posição nos pedais. Disseram então que sua saída deveria ser imediata da competição, mesmo sendo doloroso perder o campeonato. Valia a pena desistir do troféu por sua vida afinal das contas, valia muito.
Seria complicado para ele parar o carro, mas por sua habilidade eu tinha certeza que conseguiria. Não queria acreditar que o amor da minha vida estava numa situação tão arriscada e que eu o incentivara a estar ali. A cada berro de dor que ele dava era uma fisgada no meu coração, a angústia já me dominava ao ponto de morder o próprio lábio.
Foi assim que vi a curva mais fechada do circuito e o Senhor Carter bater em cheio nela, saindo das barreiras de proteção. Fumaça saia do escapamento e eu olhava freneticamente para o telão aguardando Ward sair desapontado pela derrota.
Me recusei a acreditar no que estava vendo, a equipe de socorros entrar em pista e ir até ele na maior velocidade que o corpo humano é capaz de alcançar. Nem me dei conta que eu estava de joelhos no chão e que lágrimas amargas saiam de meus olhos, em seguida todos os sorrisos murcharam ao ouvir o comentarista esportivo dizer que a corrida fora cancelada. Isso só acontece por um motivo na Fórmula 1.
A equipe de mecânicos que estava ao meu lado era amiga de Ward e foram obrigados a me segurar assim que tentei ir para o local do acidente provar a todos que ele estava vivo, pensei que poderia ter ocorrido algum engano ou coisa que o valha. Foi o ato mais cruel que o destino me trouxe, sabe? A gente nunca está preparado, até que acontece.
O pior é que eu nem pude dizer a ele o quanto eu o amava.
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