Vinte e Dois

Meu pai me encontrou dormindo encharcada pela chuva em minha cama assim que retornou ao hotel. Ele me acordou preocupado, ainda não sabia o que tinha acontecido, mas supôs que era ruim pelo estado que me viu.

Eu levantei sonolenta despertada pela voz dele, meus olhos, vermelhos sangue de tanto chorar, ardiam como nunca antes fizeram. Pude ver claramente a preocupação na face de Dylan Turner, porém eu não queria ter de relatar tudo aquilo, meu desejo era evitar sofrer.

Dessa forma apenas o abracei molhando a roupa dele e soluçando em seu ombro. Assim que nos distanciamos senti uma inveja tremenda dele por ter tido tantos momentos com minha mãe, deve ter recebido milhares de conselhos dela.

Não lhe disse isso obviamente, ninguém segreda que sente inveja. É um pecado e não se revela que o sente. Por fim entreguei meu celular à ele e indiquei que pesquisasse o canal de Maggi para se informar, enquanto eu tomava banho.

Os dias seguintes a esse foram todos tristes e pouco falei com Ward, Liliam e meu pai. Meu único e real interesse era organizar e limpar, realizei diversas vezes o mesmo processo em casa. Tirar tudo do lugar, arquitetar o melhor espaço para colocar os objetos e executar, só que mesmo que eu tentasse mudar a posição dos moveis sempre era a mesma. Nem um milímetro era alterado, acredite eu perceberia se saísse do padrão.

No entanto, não pense que deixei de fazer o meu trabalho! Jamais permitiria que isso acontecesse, então continuei a divulgar a carreira de meu amigo e em fim marquei o dia para a gravação do comercial de pneus.

Quanto ao que a imprensa falava de mim, bom, eu não quis saber. Tive medo, raiva e ódio pois já tinha conhecimento de que provavelmente seriam críticas ou elogios embrulhados em maldade. Nunca tinham falado bem de mim e supôs que não seria agora que falariam, afinal eu estava contra um jogador famoso.

Enfim, no dia da gravação da propaganda Liliam nos acompanhou. Minha vizinha foi a convidada de honra de Ward, a primeira coisa que fez ao retornar da Inglaterra foi contar à idosa sobre o contrato e chama-lá  para observar a filmagem de perto. Ela, por sua vez, sempre puxou saco do piloto, entao não exitou em aceitar a proposta.

Colocou a melhor vestimenta que tinha e inclusive passou maquiagem, algo que ela raramente fazia. O resultado final ficou digno de Calçada da Fama, ainda que apenas a equipe da produção estaria lá para acompanhar a gravação.

Meu amigo claramente se sentiu a última bolacha do pacote. Nesse dia ele nem ousou caminhar, seu ego estava tão inflado que ele flutuava. E para minha surpresa não estava usando os habituais óculos em formato de coração, ainda bem, não queria que ele causasse uma má impressão aos patrocinadores.

Ao receber o roteiro, Ward o mostrou à minha vizinha e ambos começaram a rir de alguma fala que era ridícula na concepção deles enquanto um maquiador trabalhava na pele do piloto. Ele aparentava ter nascido para estar naquela posição pela postura que tinha no set de filmagem, decorou suas poucas falas tão rápido quanto as leu.

Eu e Liliam apenas observávamos o grande mestre em ação, sorria para câmera e, por fim, deu uma piscadinha para a mesma, me recordando da primeira vez que o vi pilotar. De modo geral foi tudo bem prático, era só seguir o roteiro, só que logo que a filmagem estava para acabar, uma das produtoras se aproximou de mim.

- Bom dia - Ela começou de forma simpática - Você poderia tirar uma foto minha...

- Com Ward? - Perguntei cortando a fala dela supondo que sua resposta seria positiva.

- Não, com você!

De início pensei que pudesse estar brincando com a minha cara, depois voltei o olhar para meu amigo a fim de ver se era algum tipo de pegadinha dele. Como se mostrou distraído julguei que não fosse, e muito menos seria ideia de Liliam, ela não perderia o tempo precioso de suas novelas planejando isso.

Então cheguei a conclusão de que se tratava de um pedido verdadeiro, demorei um tempo a aceitar a solicitação da moça de modo que ela talvez me ache louca por observá-la pensativa por alguns bons instantes. Alias caso você meu caro leitor conheça ou seja essa mulher alegre, saiba que minha intenção não era enrolar e travar na frente de uma fã.

Sorri e tirei a foto ainda meio descrente e sem entender o que se passava, em seguida ela agradeceu dizendo "Você me impulsionou a sair de uma relação bem difícil, obrigada" e assim voltou a fazer o seu trabalho. Esperei que o papel de Ward ali terminasse para questionar a ele o que tinha acontecido e o motivo.

- Você realmente tem estado na sua própria bolha, não é Catherine Turner? - Foi sua única rebatida à minha dúvida.

Sendo sincera essa foi a primeira vez que escutei sua voz com interesse no dia inteiro, mesmo tendo buscado ele quase de madrugada em sua casa. Não que ele estivesse fazendo questão de falar comigo, longe disso, desde que eu terminei com Will, Ward deixou de conversar como fazia antigamente. Além disso nas poucas vezes que tentou o diálogo logo eu o interrompia e respondia somente o necessário.

- Anda fala logo!

- Okay, Catherine Turner - Ele comentou pegando suas coisas para irmos embora ao mesmo tempo que Liliam ia atrás de um café - Estão falando na Internet que você foi muito corajosa ao terminar com o pivete espanhol e está ajudando centenas de mulheres, até mostraram você pilotando! Por que não me contou que mandava tão bem?

- Espera, você nunca tinha me visto... pilotar?  - Perguntei em choque pois na minha concepção não se conhece verdadeiramente um piloto sem o ter visto dirigir em sua potência máxima!

- Não...

Parei e respirei me tocando que ele nunca teve o interesse em me ver fazendo o que mais amava. Aguentar o ego de meu melhor amigo já tinha se tornado parte do meu dia a dia, no entanto perceber que Ward me via como todos ao ponto de nem se mostrar disposto a pesquisar sobre minhas corridas era mais do que eu poderia aguentar.

No final das contas eu não passava de uma interesseira, como ele mesmo apontou no dia que nos conhecemos, né? Supus que o tempo que passamos juntos e os momentos maravilhosos que para mim foram tudo não significaram nada para ele. Só pude mergulhar mais fundo na decepção.

Como o garoto que me fez voar nunca quis saber qual era o meu maior sonho na vida? Eu tive esperanças de que o piloto fosse a única pessoa do planeta capaz de compreender o meu mundo, mas aparentemente foi somente um engano meu.

- Calma Catherine, eu fiz alguma coisa de errado? Só estava te elogiando!

- Você nunca parou pra pensar que as outras pessoas tem sentimentos? - Questionei - Eu pensei que você se importava comigo!

- E me importo!

- Não o suficiente para se informar sobre o meu maior sonho.

- Não foi minha intenção te chatear - Ele me disse com um arrependimento notório na voz.

Tenho certeza que realmente ele não fez por querer, mas eu estava confusa. Primeiramente, me faltava saber o que o beijo dele despertara em mim. Segundamente, o término com Will era muito recente e pensar nele me doía muito. Como se todos esses motivos já não bastassem, lhes apresento a terceira razão para minha falta de sanidade naquela manhã: eu não imaginava quem eu era sem Will.

Quer dizer, Ward me ensinou a viver, porém somente o pontapé inicial e tantas duvidas se passavam em minha mente a respeito disso. Eu não fazia idéia de como seguir minha vida, como reorganizar o futuro e os insanos planos os quais nem tive a oportunidade de planejar. 

E ainda por cima, descobrir que pessoas falavam de mim como um bom exemplo na Internet aumentava a minha pressão interna. Desse modo nem pensei muito antes de descontar toda minha raiva no piloto, afinal ele não merecia uma bronca daquelas. Seria preciso um puxão de orelhas, sem dúvidas, contudo uma lição de moral foi o que dei a ele!

Meu coração ferido nem sequer exitou antes de gritar para Ward que ele era um egoísta mesquinho. Em seguida saí do estúdio e entrei em meu carro pronta para deixar ele e minha vizinha lá. Porém Ward me seguiu e se posicionou na frente do veículo dizendo "por favor, precisamos conversar".

Era incomum ver um "Por favor" na boca dele e isso me paralisou por alguns poucos segundos, mas não abandonei minha convicção e dei ré no automóvel. Eu o abandonei ali e, quando mais tarde bateu em minha porta não permiti que entrasse.

Na primeira semana ele foi todos os dias na frente de minha casa, porém eu não tive coragem de permitir que ele entrasse para acertarmos tudo. Algumas vezes fingi que não estava, em outras pedi que ele fosse embora.

Na segunda semana o rapaz viajou para pilotar, mas também não vi seu desempenho pela televisão. Só soube o péssimo resultado que teve quando Luana Stone me ligou após uma solicitação de meu pai.

No fundo Dylan sabia que a garota seria a única que eu atenderia, afinal nem Liliam fora capaz de me tirar de casa. Conversei com Luh por horas, assim ela pôde me contar tudo o que perdi de sua vida.

Soube que ela tinha se formado em biologia marinha, seu sonho desde a infância e que conseguira um bom trabalho nesse ramo. Também me falou com muito custo que estava interessada em seu colega de apartamento, Cristian.

Mas chegou um momento de nossa ligação que ela julgou ser o ideal para tratar do que Dylan Turner lhe pediu. Eu tentei adiar tal assunto, porém ninguém consegue parar alguém tão determinada como Luana.

- Seu pai está preocupado contigo, Cath - Ela informou mostrando que o sentimento de preocupação não era só de meu pai - O que tem feito aí trancada?

- Eu estou bem! Não é como se estivesse louca, no tempo que passei aqui já organizei a mobília mais vezes do que posso contar, assisti todos os filmes bons de nosso tempo de escola e devorei os livros que tenho.

- Sabe, eu tenho que te falar uma coisa... Não sei se você vai gostar de ouvir - Ela contou fazendo sua típica parada dramática - O seu amigo foi muito mal no último GP.

- Eu não me importo com ele, afinal ele não se preocupou comigo igual Will.

- Você não está entendendo, ele chegou em penúltimo colocado! Seu pai disse que o garoto mal tem falado ou comido ultimamente.

- Que supere!

Fui dura com ele e comigo mesma, mas não via outro modo de agir se não esse. Justamente porque não sabia exatamente quem eu era naquele momento, achei que me afastar dele faria bem a nós dois. Então Luana não tocou mais nesse tema, somente me convidou novamente para visita-la em sua casa e eu prometi que pensaria no assunto.

Sem saber o que fazer após ter desligado o telefone voltei à faxina, mesmo tendo prometido à Luh que pararia. Okay eu menti, mas não consegui evitar pois meu descontrole era maior do que minhas forças.

Era aproximadamente seis horas da noite quando parei de conversar com Luana, porém só fui encerrar a limpeza oito horas da manhã do dia seguinte, mesmo com o apartamento sendo minúsculo.

Sinto em lhe dizer que cabeça vazia é realmente a oficina do diabo. No instante que terminei a organização olhei para o frasco de cândida e imaginei que nesse processo todo a sujeira que tirei de casa poderia ter entrado por minha garganta. Tirei a tampa do frasco e quando estava para engolir o líquido que me causaria bons danos ouvi uma voz familiar em minha porta.

Não era Ward, se tratava do meu pai. Ouvindo os pedidos dele para que eu destrancasse a porta, não resisti e o obedeci. O vi chorar e fiz o mesmo que ele, ficamos um tempo ali olhando um para o outro enquanto nos acabávamos em lágrimas.

Permiti que ele entrasse e contei absolutamente tudo que aconteceu desde a filmagem até a cândida que a poucos segundos parecia ser minha única solução. Dylan ficou chocado com minha revelação, no entanto para sorte de meus olhos ambos já tínhamos parado de chorar.

- Cath eu tenho pensado há um bom tempo e acho que nós precisamos tomar providências quanto ao seu TOC.

- Pai, esse é o menor dos meus problemas atualmente!

- Mas mesmo assim é o que te põe em perigo - Ele protestou tentando me alertar sobre o grande risco que eu era para mim - Muitas pessoas passam no psicólogo, acho que deveríamos tentar, no duro.

- Se eu for promete que para de falar "no duro" ?

- Por você eu paro.

Daí em diante conversamos mais um bocado até a hora que ele teve de partir para sua casa, mas antes de ir abriu seu casaco e pegou uma carta. Reconheci a caligrafia infantil do piloto novato e jurei a mim mesma que jamais iria abrir, contudo meu pai sugeriu que desse uma chance a ele.

Era algo para se pensar muito bem, uma decisão que dependia mais de minha coragem do que do bom senso.

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