Vinte
Eu não deveria estar surtando, certo? Afinal era só uma aparição em um canal de YouTube que nem era tão grande. Respirei fundo pensando "Calma Cath, se controla garota". Não funcionou.
Olhei novamente para o rosto de Will e suas trancinhas presas para trás, também notei que a garota que iria nos entrevistar o encarava com interesse, mas que vaca! Quer dizer, eu sou um pouco ciumenta admito, no entanto observar o meu noivo daquele jeito e me ignorar já era de mais.
Maggi pediu que William tirasse seu paletó e a gravata, ela tinha solicitado que ele fosse bem arrumado, todavia o jogador acabou exagerando. A própria jovem se ofereceu para afrouxar o nó da gravata dele e me contorci por dentro quando o olhar dos dois se cruzou.
"Okay, eu devo estar ficando neurótica, se acalma" foi o que passou pela minha mente. A youtuber tinha apenas dezessete anos pelo que eu sabia, deveria ser apenas aquela paixonite pelo seu maior ídolo que estava se manifestando. Todos tivemos essa fase, me lembro que Luana Stone era perdidamente apaixonada pelo baterista da nossa banda de rock favorita, confesso que o rapaz era um tremendo músico e um homem muito bonito, mas mesmo assim tinha cinco anos de diferença entre nós e o baterista.
Desviei o olhar do meu noivo e da jovem, decisão horrorosa. Pela segunda vez o emaranhado de fios que se escondia atrás das câmeras começaram a me irritar. Tive vontade de ir lá arrumar tudo, eu tinha que ir, os fios precisavam de mim! Porém se eu os arrumasse teria a possibilidade de acabar desconectando alguma coisa.
Então decidi que o campo de visão menos apavorante era Will e sua fã. Caraca como aquele lugar me incomodava, se eu pudesse sair dali sem magoar ninguém com certeza teria escolhido essa opção. Correr o mais veloz que minhas pernas permitissem para me manter longe da bagunça e da situação constrangedora a qual estava inserida. Todavia refletindo bem acho que um de meus grandes defeitos é não contar o que penso aos outros, sei que parece difícil de acreditar pelo fato de estar narrando tudo aqui, mas essa história tem um propósito e logo o explicarei, aguarde mais alguns capítulos.
Na maior parte das vezes espero que as outras pessoas saibam o que se passa dentro do meu coração sem ter de contar, ou simplesmente não quero incomodá-las com meus sentimentos. Dessa vez se aplica o segundo caso, meu medo de desapontar os dois era imenso. Pude ver a felicidade da garota por estar no mesmo recinto de Will Bain, o famoso artilheiro do Artin Paris Futebol Club. Logo imaginei que as minhas idéias mirabolantes e ciumentas não passaram de uma invenção da minha cabeça.
- Está pronta Cat? - O rapaz de pele chocolate brilhante questionou, mais como um aviso de que iríamos começar a transmitir do que uma pergunta.
- Sim - Menti.
Queria poder dizer como tudo começou, todavia não me recordo. Sei obviamente que tratei de colocar um sorriso no rosto durante todo o momento e pensar nos fios a cada instante. Devem ter se passado uns cinco minutos desde o início da transmissão até eu sair de meu transe.
Ouvi meu nome um pouco distante, isso foi o suficiente para me deslocar de minha própria mente, quer dizer pelo menos uma parte de mim foi deslocada, já a outra continuava a se intrigar.
- Pode repetir por favor? - Pedi meio sem jeito e com receio de aparentar desinteresse.
- Claro - Respondeu a jovem de cabelo extremamente encaracolado e se me permite opinar, muito belo - Estávamos falando de seu noivado, então quais são as expectativas?
Eu não tinha me preparado para ir nesse evento então responder se tornou mais difícil. Contudo a Senhora Liliam sempre fazia perguntas a respeito da minha união com Will, nesse caso ela me salvou.
- Não há muito o que falar, a expectativa é ser feliz - Disse tentando soar meiga para William.
Mas ele não gostou muito do meu modo de falar, achou meio despreocupado, como se estivesse fazendo descaso dele. Sei disso pelo que comentou em seguida ao meu posicionamento.
- Ser feliz claro, porém há muito mais que isso! Pretendemos crescer juntos, ainda somos muito novos e nossa família só tende a aumentar conforme os anos - Ele exibiu essa perspectiva sorrindo para mim, todavia eu podia sentir que não era a felicidade que o guiava - Vamos aprender a viver como casal depois da cerimônia, afinal vamos morar juntos na França!
As idéias dele iam em um sentindo completamente oposto ao meu, tenho noção de que falei à ele que iria pensar no assunto. Contudo parecia que tinha sido há milhões de anos atrás, eu mudei tanto nesse tempo. Mas isso era algo bom ou ruim? Não sabia dizer.
De quem era a culpa? Havia um culpado? Eu como réu primária sendo julgada por mim mesma achava que uma boa porcentagem da culpa era minha, aliás eu nunca neguei a possibilidade de ir morar com ele. Somente adiei e adiei de novo, foi como iludir ele e a mim simultaneamente.
Mas mesmo tendo isso em vista não posso fechar os olhos para a parcela de culpa dele, não mesmo. Quem dera ao rapaz a permissão para responder coisas por mim? Querendo ou não se tratava de uma imposição implícita. Eu já tinha uma noção desse fato, no entanto julgava que eu era mais culpada do que ele por não ter deixando nada claro.
- Na verdade acho que ano que vem continuarei com meu trabalho - Expliquei bem direta, mas vi o espanto na cara de meu noivo e na da youtuber, então resolvi suavizar a fala - Estou gostando do meu emprego e não creio que será isso que romperá nossa ligação, nem a distância pode nos separar, não é mesmo?
- Cat nós precisamos morar juntos, você não pode continuar com essa idéia louca de casamento a distância!
"Uma garota como Catherine Turner pode fazer o que quiser" foi a primeira coisa que veio à mente. Mas já não tinha certeza da veracidade dessa fala, pois se eu pudesse fazer o que quisesse teria tido coragem pra dizer que não moraria com Will e não desistiria do meu ofício por ele. Ser assessora de Ward era o mais próximo das pistas que eu conseguia naquele instante e isso alimentava o único fio de esperança que tinha de um dia voltar a correr.
- Se você pensar bem não é uma idéia tão louca - Balbuciei timidamente com pavor de abalar ainda mais nossa relação - Seremos próximos de coração e distantes geograficamente falando, mas nossas almas estarão juntas! Há tantos casais que sofrem por ter o inverso...
- Você não está entendendo, como acha que nosso filho vai crescer bem longe do pai?
- Como assim? - Questionei ainda incrédula pelo que acabara de escutar.
- Nosso filho vai precisar de mim, a nossa família precisa de uma sede. Ou por acaso você acha que criar ele longe de mim é a melhor opção?
Escutei isso e o discurso que se seguiu calada. Will falou da importância da constituição familiar e da figura paterna, além de exaltar que a minha mudança para a França deveria ocorrer o mais breve possível. Mas não me recordo de termos conversado anteriormente sobre filhos, porque não conversamos.
Na mente dele isso já estava incluso no pacote "quer casar comigo?". Mas veja bem, são duas coisas super diferentes e eu definitivamente não queria ter um filho naquele momento. Nem uma figura materna pra seguir eu tinha ao certo, ficaria perdida naquele mundo! Fora que todas as minhas chances de voltar a pilotar seriam reduzidas a zero.
- Will, eu não quero ter um filho agora.
- Tudo bem - Ele respondeu me deixando chocada, não imaginei que seria tão fácil. Mas a continuação de sua frase pôs tudo por água abaixo - Agora não dá né amor? Tem que esperar os nove meses!
Riu como se não tivesse feito uma piada machista e como se o contexto não fosse impositor. Em um passe de mágica flash de memória vieram à minha cabeça e lembrei da sensação de voar e reconheci que naquele ambiente a liberdade era nula, se não negativa.
- Eu não quero e não vou me mudar pra França, muito menos ter um filho nos próximos meses - Pronunciei seria tentando defender o meu ponto de vista, tomando coragem nem sei da onde.
Verdade seja dita: eu não sou tão corajosa quanto Ward dizia, ele punha muita fé em mim, mas nos meus piores momentos quando a sensação de submissão ameaçava me consumir tal energia e esperança do piloto me ajudavam. Ele e suas frases dramáticas serviam como lenha para a pequena fogueira que eu era, porém não subestime a capacidade de um pequeno feixe de fogo, ele sempre pode aumentar.
- Então por que aceitou o meu pedido de casamento? - William quis saber irado pelas minhas recentes revelações.
- Eu não sei! - Silabei as palavras lentamente mais para informar a mim mesma do que ele - Achei que estava aceitando um matrimônio comum, mas você só queria a minha posse. Perdão, você "quer a minha posse".
- Isso é ridículo!
Ao protestar à minha opinião reparei pela primeira vez em muito tempo na garota, Maggi estava surpresa. Tovadia a cima de tudo estava feliz por ter nossa briga em modo exclusivo, eu poderia ter surtado por aquilo ou coisa que o valha. Mas nem liguei, a bagunça dos fios e a do meu relacionamento eram muito mais importantes.
- Se estou mentindo, me diga, por que a minha mudança foi sempre a pauta? - Questionei deixando escorrer uma lágrima pois sabia que o pior estava por vir - Nunca podemos pensar em uma maneira de agradar as duas pessoas? Por que você é sempre o foco?
- Nunca deixei de pensar em você, Cat. Se quero te trazer para perto é para que seja a minha mulher. Sem que eu tenha que compartilhar a atenção dela com um piloto qualquer!
Então se tratava disso? Ciúmes. Era engraçado ouvir aquilo, afinal eu rejeitei Ward e escolhi dar prioridade para William. Eu poderia ter feito uma ótima decisão beijando o piloto na noite em que o mesmo me mostrou "O Caminho até Mim" no céu e permanecido com ele.
Mas não foi essa a minha escolha, resolvi continuar com meu namorado e dar uma oportunidade a mais, tentar pela última vez e mais forte do que nunca restaurar o que vivemos, falhei.
- Eu quero que você se foda, Ward é meu amigo - Respondi agora com a firmeza na voz endireitando minha postura, me preparando para ir embora - Conheço ele há poucos meses e mesmo assim sei mais sobre o piloto do que você sabe sobre mim!
Me levantei e estava pronta para sair caminhando, contudo ele segurou meu pulso e fez com que me sentasse novamente. Olhou no fundo dos meus olhos e questionou audaciosamente se eu estava terminando com ele. Assim que obteve o "sim" gritou que sempre se tratou de Ward e minha infidelidade.
- Estou fazendo isso por mim, não por Ward Carter - Lhe disse secamente, achei estranho pois doeu mais do que pareceu. Mas mesmo assim era a coisa certa a se fazer, todos já tinham reparado somente eu não quis ver antes - Espero que fique bem William...
- Você chegou a me amar?
- Amei, amei aquele garoto que eu conheci em uma festa em Paris como ninguém jamais amou, no entanto ele não existe mais. E acredite sinto muito por isso...
Com o coração partido fiquei a observar ele por um tempo calado, até o instante que urrou com a fã mandando ela parar de transmitir. Na verdade o que mais o deixou bravo foi ter descoberto que Maggi ainda não havia parado de publicar nossa briga, para ele nada estava sendo gravado.
O observando na beira do abismo da ira reconheci que tinha feito a melhor escolha. Saí de lá certa de que meu noivado realmente não tinha concerto, mas se eu tinha feito realmente o correto por que a dor de não ter arrumado os fios visíveis e os invisíveis aos olhos permaneciam dentro de meu peito?
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