Oito

Catherine não estava em estado de dirigir, mas mesmo assim queria fazer isso. Ward por sua vez teve de convencer a amiga de que aquela não seria uma boa idéia, é engraçado como as pessoas alcoolizadas nunca entendem a gravidade de seus atos. Além do mais a garota nunca tinha bebido como naquela noite, essa foi a primeira vez que bebeu em uma quantidade absurda. 

Eram duas da manhã quando saíram da casa de Ward. A preocupação de Cath era deixar os amigos do piloto sozinhos na casa, porém o mesmo garantiu que seu segurança iria retirar os convidados dali e não permitiria que nada saísse do controle. 

A neve caia pesada na rua e as árvores em formato de cone estavam completamente brancas, entretanto as estradas podiam ser circuladas pois a manutenção estava sendo feita. O rapaz queria levar ela de moto pois esse era um de seus maiores prazeres mesmo nas madrugadas frias de fevereiro. 

- Eu não vou subir nisso! - Catherine protestou com um estranho nervosismo e espanto. 

- Tudo bem Catherine Jones Turner, mas achei que uma garota como você pudesse fazer o que quisesse. 

A ironia era visível no rosto dele, contudo Cath deu um soco de leve no ombro dele dizendo "Quem disse que eu quero andar de moto?".  Ela não sabia explicar o motivo de ter medo de motocicletas, mesmo que a velocidade extrema do carro de corrida a agradasse muito, veículos de duas rodas a assustavam. Claramente um medo irracional que a garota tentava manter escondido. 

Eles foram no carro dela com Ward pilotando, afivelaram os cintos, ligaram o rádio e iniciaram a jornada. Por incrível que pareça ele não corria quando estava fora das pistas, não com Cath ao seu lado, fora dessa situação seus hábitos ao volante eram meio imprudentes. 

O comportamento de pessoas bêbadas costuma ser alterado, geralmente algo agressivo ou engraçado, porém essa não era Catherine alcoolizada. Ela ficava sincera, sincera até de mais. 

- Ward você é gato pra caralho. 

- Obrigada, você também não é nada mal. 

O modo como ele era convencido nunca mudaria, uma característica marcante do piloto. Por um tempo eles nada falaram, todavia podiam se sentir conectados principalmente quando paravam no farol e se encaravam sem nada dizer. Uma das coisas mais agradáveis no mundo é construir uma relação de amizade assim, onde apenas olhar para o outro é o suficiente para alcançar a paz. 

E eles amavam estar na presença um do outro mesmo que se provocassem em diversos momentos, acabavam se sentindo pessoas melhores quando estavam juntos. Ela começou a se sentir entedidiada e por essa razão iniciou uma brincadeira de ficar pulando as músicas do rádio de estação em estação. Isso deixou Ward irritado que desligou o aparelho na primeira oportunidade que teve. 

No terceiro farol vermelho que o carro parou Cath colocou seu rosto para fora da janela sentido o vento cortante em sua face. Observou uma praça vazia com uma porção de árvores, folhas caídas, neve e bancos desocupados, porém não foi isso que chamou sua atenção. Vendo mais adiante percebeu um chafariz que ainda não tinha congelado, logo que o notou percebeu que aquele não era qualquer chafariz e definitivamente aquele local não era qualquer praça. 

Então abriu a porta do carro e saiu correndo deixando o amigo desesperado gritando seu nome, Ward  então estacionou o carro na primeira vaga que encontrou e foi em disparada atrás da garota. Assim que a achou viu que estava com os pés dentro do chafariz pegando uma das moedas que lá estavam depositadas. As lágrimas em seu rosto aumentavam a loucura da situação, Cath não tinha seu estado emocional sob controle. 

Verdade seja dita, ninguém teria um bom controle nesse contexto. A praça a qual estavam foi o marco da infância de Catherine e local que passou o último dia bom de sua mãe. 

Chega! Não posso continuar contando tudo isso como se não fosse a minha própria história, como se eu não fosse Catherine Turner, acho que isso está se tornando pessoal de mais para prosseguir assim. 

Quando eu tinha sete anos minha mãe enfrentava uma doença terrível chamada câncer e mesmo que ela não demonstrasse estar morrendo eu sabia que estava. O meu pai se mantinha ocupado como sempre com as pistas de modo que eu a acompanhava em seus exames, no dia que fui à praça pela primeiríssima vez fiz um pedido naquela mesma fonte. 

Pedi para tudo aquilo acabar, para mamãe parar de sofrer como estava. Ela parou. Parou para sempre e me deixou sofrendo sozinha no mundo com um pai que nunca soube demonstrar a dor que sentia. Ele contratou uma babá pra mim e continuou a pilotar, mas eu não pude evitar de tomar o mesmo rumo que ele. 

Ver aquela fonte foi doloroso e estando com alguns litros de cerveja no corpo nem tentei conter o choro, foi tudo espontâneo. Tocar nas moedas me trouxeram milhares de reordações me fazendo lembrar do quão ingênua eu era por acreditar no poder de uma moeda dentro da água e percebendo que outras centenas de pessoas fizeram o mesmo ritual que eu. 

Naquele instante eu estava lá dentro com a água batendo nos calcanhares, peguei uma moeda e a enfiei dentro do casaco. Estava frio, contudo eu não me importava com o estado de meu corpo, já não me importava com nada. Em minha mente, a manhã que estive lá com minha mãe se passava toda hora como uma lembrança impossível de esquecer, era o dia de uma consulta com um médico canadense para pedir uma segunda opinião do diagnóstico. O doutor que costumava passar nos Estados Unidos já tinha dado a vida de Kelly Turner como perdida. 

Revolver todas aquelas recordações dolorosas me fez perder o juízo e a noção. Me ajoelhei em posição fetal e lá fiquei molhada pelo chafariz que continuava a jorrar água congelante. Do lado de fora Ward me chamava pelo meu nome implorando para que eu saísse de lá, porém não o fiz.  Sequer escutava direito o que ele dizia, isso não me interessava, pois estava presa em meu próprio mundo de sofrimento. 

Bati na água acumulada ao meu redor com força levantando algumas partículas da mesma, o piloto recuou. Contudo logo ele colocou seus pés na fonte dos desejos me oferecendo a mão para levantar o que eu não aceitei de cara. Desse modo Ward se agachou sem encostar nada além de seus pés na água e pousou sua palma no meu ombro quebrando meu devaneio. 

Foi esse momento que olhei através dos olhos de preocupação dele e me dei conta de que lhe devia uma explicação, Ward de fato se importava comigo. 

- Sinto falta dela, sinto muita falta da minha mãe. 

Meu amigo pegou minha mão e deu apoio para que levantasse junto à ele, foi o que fiz. Ele então deitou minha cabeça sob seu peito sem ligar para meus cabelos molhados ou minha roupa encharcada em uma madrugada fria como aquela. Fiquei um bom tempo colada ao corpo dele sentindo seu perfume forte e chorando um bocado. Lágrimas de saudades deixam marcas que não são visíveis a olho nu, porém Ward conseguia ver minha dor, esse era o poder fantástico dele.

Após uns três minutos sob a luz fraca e amarela de um poste velho do local ele quebrou nosso momento tirando seu casaco e colocando em mim na tentativa de cessar meus tremores de frio. Em seguida pegou uma moeda em minha orelha, com aquele ridículo truque de mágica e disse que deveríamos joga-lá ao mesmo tempo. 

- Isso não funciona - Eu expliquei emburrada com meu lábios roxos pela temperatura amena em um biquinho chateado. 

- Não custa tentar - Ward respondeu colocando a moeda na ponta dos dedos - Juntos? 

Eu anui pondo meus dedos sob os dele e assim empurramos o metal para dentro da água, cada um fazendo um pedido. O meu é claro foi algo semelhante a "não me deixe ficar sozinha como antes, não me abandone". Agora o do piloto ele não revelou mesmo com muita insistência, mas não interessa. Quem liga pra pedidos quando ele vê o mundo como eu vejo?

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