Dois

Faltavam apenas algumas horas para que começasse a primeira corrida do ano, três dias após a festa. Dylan estava nervoso, mesmo depois de tantos anos de prática a primeira corrida sempre o deixava tenso, parecia, na visão de Cath, um garoto da mesma idade dela.

Eram três da manhã quando eles saíram de casa, o pai deixou que sua filha dirigisse pois gostava de vê-lá se exibindo para ele. Como sempre, Cath afivelou bem o cinto e dirigiu na velocidade máxima da pista, a verdade é que a garota sentia falta de pilotar e sabia que provavelmente não voltaria a fazer isso profissionalmente. Mas gostava de sonhar, então respirava profundamente no volante fingindo que estava no autódromo com seu carro de corrida na mais pura potência.

A luz do luar batia em seu rosto aumentando a sensação de liberdade e nostalgia que tanto gostava, porém mesmo aproveitando na medida do possível seguia as leis de trânsito. Catherine Turner era uma mulher muito responsável, jamais ganhou ao menos uma multa mesmo adorando sentir a adrenalina em seu corpo e a pulsação acelerada nas veias.

Seguiu na direção do autódromo da cidade para levar seu pai, Cath viu o nervosismo dele mas não sabia o que fazer para quebrá-lo.

- Está confiante com Ward em sua equipe? - Ela tentou.

- De novo essa implicância com o garoto? - Dylan perguntou revirando os olhos e bufando - Já lhe disse que a intenção dele não era te ofender!

Ambos sabiam que aquilo era mentira, o novato da equipe RFB era orgulhoso e arrogante. A intenção dele era sim ofender! Porém Cath não queria brigar com o pai de modo que apenas anuiu a afirmação dele.

- Acho que ele tem potencial - O pai confessou - O mesmo potencial que vi em você, no duro!

Ele amava falar "no duro", era uma gíria antiga que Catherine tentou várias vezes cortar do vocabulário do pai, contudo não adiantava. Parecia as vezes que Dylan queria continuar vivendo nos anos oitenta.

- O mesmo potencial que viu em mim? - Cath perguntou debochando da fala do pai e a cima de tudo de si mesma - Eu perdi meu patrocínio, espero que ele não tenha o mesmo potencial que eu.

- Sabe que o que aconteceu com você foi diferente.

- Realmente.

Daí para frente nenhum dos dois ousou falar mais alguma coisa. A despedida das pistas para Catherine ainda era recente e sofrida.

Quando chegaram ao destino, Dylan desceu do carro enquanto Cath ia manobrar, ele entrou rapidamente no autódromo pela porta da frente e foi se preparar para sua próxima batalha. Cath posicionou o carro em uma vaga no segundo andar do estacionamento, ela podia ter colocado na vaga reservada. Mas na realidade não queria ter de enfrentar o aglomerado de repórteres que estariam lá esperando qualquer informação a respeito do pai dela.

A garota desligou o veículo e permaneceu alguns instantes no acento do motorista, tirou a chave do contato e se perguntou quando se tornou tão sozinha. Não era como se ela não conhecesse ninguém, para falar a verdade ela conhecia bastante gente, todavia não eram amigos e no fundo ninguém conhecia ela. As últimas amigas de verdade que teve estavam há kilómetros de distância e provavelmente bravas de mais com Cath por nunca telefonar. Essa é a pior situação do mundo: estar cercada de pessoas e se sentir sozinha, como se fosse um ser a parte do universo vivendo em uma epopéia solitariamente própria.

Tomou um gole de coragem, limpou o carro por dentro e desceu do automóvel preto de seu pai, logo percebeu que o pneu direito estava meio murcho e que teria de encher mais tarde. Caminhou até a entrada com seus óculos escuros a fim de não ser reconhecida, como ela não era tão importante no mundo da fama, passou despercebida.

Catherine teria um lugar de honra naquele dia, poderia assistir a corrida junto com a equipe dos pilotos. Todos os funcionários que faziam reparos nos carros durante o pit stop já estavam posicionados quando ela entrou no recinto. Viu os veículos em suas marcas para a corrida e sentiu que queria estar ali mais do que tudo na vida. Seu pai estava com a roupa adequada esperando o momento certo para entrar em ação.

Dylan soava frio por dentro, ela sabia, mas tentava dar confiança aos novatos fazendo uma pose de veterano durão. A cor do carro de formula 1 dele era dourado assim como todos os carros da equipe. A maioria dos pilotos já estavam lá, porém ela não pode deixar de notar que o novato não se encontrava ali.

Olhou em todos os arredores procurando visualizar Ward Carter e teve certeza que de fato ele não estava nos boxes. A ausência dele também era notada pela equipe que começou a se desesperar visto que faltavam dez minutos para tudo começar.

Cinco minutos se passaram e nada do playboy metido aparecer, a esse ponto os comentaristas esportivos já tinham conhecimento do ocorrido e apontavam que o caçula da RFB tinha desistido do compromisso. Aquilo não era do feitio dele, Ward era marrento e jamais desperdiçaria a chance de mostrar o seu valor, se bem que rir da cara dele por perder a oportunidade por causa de um atraso agradaria Cath.

Quando os funcionários se colocaram na pista para retirar o possante do garoto dali os sons do autódromo começaram a funcionar. A música de um filme de ação invadiu o local juntamente com o piloto atrasado. Ele estava convencido de que a vitória seria facilmente dele, Ward passou por uma câmera e acenou mandando um recado para suas fãs, em seguida caminhou por entre os preparadores do evento e pegou seu capacete. Mas logo antes de o enfiar na cabeça reservou uma piscadinha provocantemente ironica para a filha de Dylan.

- Vou dedicar essa corrida a você - O pai prometeu a Catherine.

- Pode deixar que eu ganho por ela, sua filha me deve uma boa dose de Tequila! - Disse o caçula das pistas dando um tapinha nas costas do veterano, interrompendo o momento familiar.

A relação dos dois aparentava ser muito divertida, Dylan sempre dava conselhos a Ward principalmente porque via um pouco de si no novato. Ambos entraram em seus respectivos carros, a posição que estavam os favorecia e Cath torcia para que seu pai derrotasse o exibido.

Foi dada a largada pouco tempo depois, a primeira volta foi para aquecer os motores. Logo tomaram as posições iniciais e esperaram a partida reiniciar, a primeira volta oficial de uma corrida de Fórmula 1 é a mais tensa e geralmente aquela em que os acidentes ocorrem. Catherine rezou para Dylan não fosse atingido pelo azar e assim não foi.

Outros dois carros se chocaram forçando uma equipe a entrar lá para retirar os veículos, foi uma batida feia. Por seus conhecimentos avançados de automobilismo Catherine teve certeza de que um dos carros teria de ser totalmente concertado, já o outro provavelmente merecia reparos no lado esquerdo.

Voltas e mais voltas se seguiram, muitas ultrapassagens se sucederam. Na quadragésima volta o pai de Catherine já estava em terceiro lugar e o novato de sua equipe em quinto. Ward porém tentou ultrapassar o carro da frente, eles estavam em uma velocidade média de 300km/h em uma curva aberta. O caçula das pistas desenvolveu uma manobra de ludibriagem e avançou quando o piloto do quarto lugar fechou de mais sua curva. Contudo assim que acelerou, o carro com o qual disputava o fechou.

Os pneus dos dois se bateram e o de Ward estourou, ele estava fora do jogo assim como o adversário .O carro dourado foi lançado para fora e por alguns segundos a torcida se desesperou, a fumaça saia do veículo e o piloto não respondia no rádio. Entretanto pouco se passou antes dele retirar o sinto e sair do possante.

Ele estava bravo era evidente, caminhou até o outro carro onde o piloto que batera também estava saindo. "Estou vivo" foi a única coisa que disse para o chefe da equipe pelo equipamento de comunicação.

Catherine já havia vivido aquele momento um ano antes, acontecera a mesma coisa a ela. Aquele foi o exato instante que a tirou das pistas para sempre e sentiu que Ward estava pronto para seguir os passos dela. Cath outrora tinha ido até o veterano da Fórmula 2 para bater nele e isso não foi bem visto pelo patrocinador, retirando dela seu prazer absoluto de pilotar.

Ward Carter andou cada vez mais bravo até o carro adversário, suas mãos estavam cerradas e o Chefe da Equipe e o Acessor do rapaz nada falaram pelo rádio. Cath teve pena dele, o desespero para que ele não cometesse o mesmo erro dela a moveu a roubar o equipamento de comunicação.

- WARD NÃO FAZ ISSO - Ela berrou pelo equipamento torcendo para que o caçula da RFB seguisse seu conselho.

- Eu não posso... ele destruiu minhas chances!

- Se bater nele vai destruir suas chances para sempre!

Aquelas foram as últimas palavras que conseguiu dizer à Ward, pouco antes de ser contida pela equipe. Arrancaram os equipamentos de Cath e a levaram para uma área mais reservada onde não tinha contato com o piloto.

Homens de terno ficaram com ela em uma sala esperando as próximas ordens dos superiores, mas enquanto estava lá só conseguia pensar no novato. Afinal por que estava ansiosa para saber o que tinha acontecido a ele? Catherine Turner não sabia dizer. Talvez fosse apenas identificação ou um tipo de compaixão, ela não sabia de fato.

Os minutos que passou ali pareceram horas, Cath andou de um lado para o outro ignorando totalmente o pedido dos seguranças para que ficasse quieta. Quando levou uma bronca daquelas se sentou em um puff que ali estava e balançou rapidamente a perna, estava muito nervosa e com vontade de socar o primeiro que aparecesse ali.

Decidiu então que iria sair da sala mesmo estando sob ordens para ficar lá, foi em direção à porta o mais veloz que suas pernas permitiam. Infelizmente não eram tão rápidas, mas dessa forma tentou e quando pôs a mão na maçaneta a porta foi aberta pelo outro lado.

A madeira se chocou contra a garota, porém não ligou para a dor a fim de descobrir quem entrou no recinto. Pela força que aplicou na porta era evidente que a pessoa estava furiosa, era Ward.

- Catherine Turner vamos, não sei o que esses idiotas tem na cabeça pra te prender aqui!

Ela o seguiu exibindo um sorriso convencido para os guardas. Assim que saíram dali seguiram para o aposento de preparo do piloto pelo caminho mais longo, evitando a imprensa que provavelmente viriam como urubus em busca de carniça para cima de Ward.

- Obrigada - Ward Carter disse meio sem jeito, não estava em seu manual agradecer ou pedir desculpas.

- Acho que não ouvi bem - Cath respondeu brincando com a situação - Você me agradecendo? Nunca pensei que sobreviveria para ver isso!

- Catherine...

- Cath, por favor - Ela pediu, quando a chamavam de Catherine tinha a sensação de que estavam zangados com a garota.

- Catherine Jones, o que você fez hoje salvou minha carreira. Se não fosse você ninguém teria feito, obrigada!

- Ninguém teria feito porque você tem um bando de aproveitadores ao seu lado. O mundo é um lugar podre, achei que já sabia isso julgando pelo modo que me tratou quando nos conhecemos. Talvez pudesse parar de tratar as pessoas como indigentes contribuindo para a poluição da sociedade, o ódio que você semeia será multiplicado se não fizer nada e continuar julgando os outros como me julgou naquela noite.

Ward ficou constrangido, sabia que tudo o que a filha de Dylan dizia era verdade e se envergonhava por isso.

- Quando te conheci achei que o que falavam a seu respeito era verdade, principalmente por você não trabalhar.

- Eu trabalhava. Eu amava o meu emprego, mas não posso mais exerce-lo.

Nunca houve frase mais verdadeira que aquela, Cath vivia por seu emprego. Trabalhar pilotando e disputando era o que a fazia levantar da cama todos os dias e terem tirado isso dela foi como arrancar sua própria alma.

- Ótimo, já que está disponível será minha nova acessora! - Ward contou engrandecendo o cargo como costumava fazer com seu jeito convencido - É uma oportunidade de ouro!

- Você não muda, não é mesmo?

- Se eu mudasse deixaria milhões de garotas decepcionadas, meu amor.

***

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