Dezoito

Eu tinha um encontro marcado naquele dia e não era qualquer encontro. Meu noivo estava em Londres pois sua partida pelo Artin Paris Futebol Club acontecera no mesmo horário que a corrida, de modo que foi a oportunidade perfeita para que nos víssemos.

Me lembro como se fosse ontem de nosso primeiríssimo encontro, logo depois da festa de Poul onde conheci Will. Trocamos telefones ainda no aniversário e quando eu já tinha dado a possibilidade de receber uma ligação como perdida, ele ligou meio sem jeito. Percebi o nervosismo em sua voz e duvidei que um rapaz lindo como ele tivesse dificuldades em chamar uma garota pra sair, quer dizer, com uma aparência como a dele poderia jurar que já tinha feito aquilo milhares de vezes.

Mas eu gostei de sua forma desajeitada a qual se enroscava com as palavras e confesso que aproveitei para prolongar um pouco mais o sofrimento dele, não aceitei logo de cara o pedido por telefone. Contudo não o deixei tanto tempo esperando, por fim ri e anui ao seu pedido.

William veio me buscar no meu quarto de hotel, estava tremendo um pouco e ficou ainda mais ansioso assim que viu meu pai. Para falar a verdade o único motivo por eu ter ido à Paris naquela semana foi meu pai e sua vasta amizade com Poul, se não fosse por isso jamais teria conhecido meu grande amor. Devo meu noivado à eles.

Mesmo sem apreciar futebol eu tinha conhecimento da carreira de Will, naquele tempo ele estava começando no esporte. Tinha sido trazido de uma categoria de base da Espanha, seu país de origem, o qual ele mencionava a cada duas frases. Foi seu primeiro ano como profissional, todavia ainda não tinha tido muitas oportunidades para mostrar o seu potencial.

Enquanto eu estava progredindo no carte e quando as competições enfim começassem estaria na Fórmula 2, a temporada que se seguiria seria a melhor da minha vida, pena que durou pouco. Entretanto ninguém dá muita atenção pra um inexperiente jogador de futebol e uma piloto de base, de modo que não fomos parados por fãs nenhuma vez em nosso primeiro encontro, isso não seria possível nos dias de hoje. Meu noivo já não é a mesma pessoa que anos atrás, não mesmo.

O jovem já tinha planejado a noite para nós dois, eu tinha apenas que seguir o roteiro. O problema é que não costumo me dar bem com roteiros produzidos por outras pessoas, gosto de imaginar que sou a roteirista de todas as minhas próprias produções. Então acabei por nos atrasar quando parei em frente de um banco a fim de escutar o músico que tocava saxofone. No começo somente apreciei a melodia, no entanto com o passar da música me soltei e iniciei uma mexida de cabeça no ritmo da canção. William me olhou com uma expressão bobona e colocou as mãos no bolso olhando o que eu fazia, contudo comecei a me sentir julgada e parei. Não é que ele tenha me criticado, não é isso, só acho que a maneira que o jogador me observou trouxe um desconforto até mim.

Decidi que iria me comportar como uma pessoa normal a partir de então e seguimos com a noite, entrei no roteiro dele nessa noite e em todas que estivemos juntos. Ele me levou à um restaurante chique e famoso perto da Torre Eiffel, sinceramente odiei! Eu sei que isso parece ingrato, pois dá para ver que o rapaz estava fazendo o possível e o impossível para me agradar. Mas quando as coisas ocorrem de forma genérica deixa de ser especial, milhares de casais já estiveram no mesmo restaurante chique tendo as mesmas conversas furadas, não me parece mágico.

Logo fiquei feliz, assim que o gerente nos disse que as reservas de William Bain estavam vencidas, porque as tinha recebido de um colega que, por alguma eventualidade da vida, não as usou. Saber desse fato o deixou realmente envergonhado, ele me pediu desculpas várias vezes e insistiu que poderíamos procurar outro lugar com o mesmo nível, já que este estava lotado. Mas para sua surpresa a minha resposta foi não, contei que queria andar na rua e conhecê-lo.

Então fomos caminhar sob a luz do luar e acima da estrada de paralelepípedos. Nenhum de nós havia levado casaco e, quando começou a chover, entramos no primeiro estabelecimento que vimos aberto, se tratava de uma cafeteria vinte e quatro horas, a Love Coffee. Eu queria falar que nossa relação com aquele lugar foi amor a primeira vista, mas estaria mentindo!

Eu abri a porta correndo na intenção de me livrar das gotas pesadas que caiam do céu e me deparei com mais de quatro mesas sujas. Pensei em sair correndo, porém Will me olhava sorridente sem imaginar o que se passava em minha mente. Tentei então fingir que nada estava acontecendo e sentamos em uma das mesas com restos da comida das pessoas que já haviam saído. 

Éramos os únicos clientes no café e nenhum funcionário veio nos atender, aumentando ainda mais o meu desespero em relação à sujeira. Passado uns cinco minutos comecei a me beliscar a fim de diminuir o estresse e nada dos atendentes aparecerem, sequer tinha um ser humano no balcão.

William começou a falar que aquilo parecia a cena de um filme que ele vira onde alienígenas abduziram os trabalhadores de um estabelecimento, eu por minha vez disse que não havia lógica na fala dele ao mesmo tempo que olhava incansavelmente os restos.  Entretanto, para tudo tem limites e o meu veio rapidamente, cansei de esperar e fui ao balcão chamar alguém e foi aí que vi os dois funcionários do café dando uns amassos nos fundos da loja. Eles se separaram e vieram até mim fingindo que nada tinha acontecido e fizeram suas funções normais do dia a dia. Enquanto o homem moreno atendia meu pedido, o loiro arrumava as mesas.

Dei graças à Deus pelo rapaz de cabelos louros ter lavado as xícaras manchadas pelo café e passar pano nas mesas, pois se ele não o fizesse eu teria feito. Voltando ao meu assento tentei conter a risada ao perceber que William se via na mesma situação constrangedora que eu, toda fez que atrapalho algum casal me sinto assim.

Mas dessa vez não posso assumir culpa alguma, ali não era o local ideal e nem o momento certo. Ambos estavam no horário de trabalho, eu jamais faria uma coisa do tipo.

Pelo menos depois dos dois arrumarem o ambiente pareceu um café bacana, sem a sujeira aparentava ser até outro local. Daí em diante foram só maravilhas e risos, principalmente após a chegada de nossas bebidas que nos deram mais energia para conversar. Penso que tal vigor para lá ficar tenha irritado os funcionários, já que nos olharam de forma ranzinza durante o pagamento.

Bom, nem ligamos! O triste foi ter de ver aquela noite acabar e a maravilha dela ir junto, toda vez que eu ia à Paris nos encontrávamos lá a partir desse dia e nos entreolhavamos quando os atendentes apareciam. Mas com o tempo isso foi perdendo a graça, a piada começou a ficar velha e ao tentarmos formular uma nova, um fã de Will aparecia e cortava a conversa. Já não éramos mais os mesmos, nossos gostos e interesses haviam mudado. Perder minha oportunidade de correr me tornou outra pessoa, só William não viu.

Ganhar títulos, dinheiro, prêmios e popularidade também alterou ele. De modo algum dispunha de tanta atenção para mim como fazia quando nos conhecemos, eu via isso, porém fingia que não ligava.

A senhora Liliam me alertou como doía e o que eu tinha de fazer para cessar a dor de ver a pessoa que eu amo sem conhecê-lá ao mesmo tempo, mas eu não podia crer que era o fim. Tinha de estar errado, se não tudo o que vivemos teria sido em vão e eu jamais permitiria que isso acontecesse.

Alias se meu relacionamento estivesse condenado ao fracasso o que eu seria? Quais outros vínculos eu tinha? Só a amizade de Ward e Liliam, além de meu pai, três pessoas. Eu queria preservar meus relacionamentos e amores, sem machucar ninguém, sem me machucar.

Assim tudo dependia do encontro que se seguiria e eu ia tornar ele perfeito mesmo que tudo apontasse para o oposto, não sou uma pessoa que desiste facilmente. Enquanto houvesse um fio de esperança de salvar o meu noivado, lá estaria eu lutando por cada segundo junto à ele. A verdade é que o medo de ficar sozinha me consumia e me movia a essa dedicação. Eu tinha um encontro a ir e uma missão a ser cumprida quando acordei de manhã, pelo menos foi nisso que pensei assim que abri os olhos e vi Ward se encarando de óculos escuros no espelho.

Me amaldiçoei por ter dormido ali no quarto dele, ver aquele rosto exibido logo de manhã era triste. Mas isso não importava tanto, nem mesmo os óculos em formato de coração dele, afinal os corações que eu tinha de restaurar eram outros. E eu havia me deitado na mesma cama que o piloto por uma boa causa, o garoto estava triste no dia anterior, eu tinha feito o certo, né?

Não sabia, nem mesmo hoje em dia sei. A única certeza que tenho é que o grande momento se aproxima, logo terei de narrar um fato não tão agradável e isso me chateia pra diabo. Todavia não me resta outra opção se não me adaptar ao passado, bom então já volto para lhe contar o que aconteceu. Só tenho de me preparar antes, sugiro que faça o mesmo! Não será fácil para nenhum de nós...

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