Dezessete

Era quase uma hora da manhã quando caminhei pelo corredor enormemente branco do hotel, indo em direção ao quarto do piloto novato. Mas no trajeto a única coisa que estava em minha mente era a conversa que tive com meu pai poucas horas antes.

Logo depois da premiação o veterano das pistas, Dylan Turner tomou um banho no vestiário do autódromo e me levou à um restaurante. Nesse momento em que já havíamos nos reconciliado o clima entre nós estava melhor, não digo perfeito, somente melhor do que antes.

Ele estava bem interessado a respeito da aliança presente em meu dedo, óbvio que sabia do que se tratava. Afinal William já tinha postado o anúncio do nosso noivado em suas redes sociais algo que me deixou um pouco desconfortável. Nunca me agradou ter a vida exposta na Internet, porém naquela situação não tinha nada a ser feito.

A primeira pergunta de meu pai foi justamente quando Will havia feito o pedido, onde e como. Eu lhe expliquei tudo e mais um pouco, o patriarca por sua vez achou meio cafona e um pouco preguiçoso da parte de meu noivo ter feito tudo em minha casa. Segundo papai o correto seria me levar para sair e fazer o pedido em um lugar chique, entretanto para mim o pedido perfeito seria proferido junto à uma torta de morango. Esse sempre foi meu doce favorito, todos sabiam e achar a aliança lá dentro dele teria me dado uma sensação incrível cada vez que pensasse no doce.

Não é que o pedido de Will não tenha me agradado, não é isso! Só achei meio impessoal, sem nada de especial que me faça suspirar de emoção a cada segundo que a recomendação me vem à cabeça.

Foi exatamente isso que meu pai reclamou, ele me conhece bem demais e entendeu logo de cara meu incomodo. Em seguida pediu que lhe mostrasse o anel, exaltando o fato do diamante ser pequeno. De fato o tamanho da joia não importava para mim, mas Dylan Turner encontrou oportunidade para brincar com a situação falando "Se você acha que o tamanho do negócio não importa, quem sou eu pra julgar?". Confesso que aquela piada boba me fez rir um bocado, principalmente por não estar esperando algo tão malicioso vindo de meu pai. Quer dizer, seria um comentário típico da senhora Liliam, contudo nunca imaginei que meu próprio pai seria capaz de fazer esse tipo de brincadeira.

Aproveitei também para contar à ele que estava com um encontro marcado com o jovem genro dele no dia seguinte, então meu pai disse que queria ter uma certa conversinha com Will Bain. Eu fechei a cara e revirei os olhos enquanto meu velho falava que iria apenas "trocar um lero" com ele, nada de mais.

Porém eu sabia que não iria ser só isso, desde que comecei a namorar com William, meu pai nunca simpatizou muito com o rapaz. Todas as vezes que meu noivo tentou divertir o veterano de pistas com qualquer piada idiota ou pegadinhas - feitas principalmente em mim - meu pai jamais representou reação. Eles não se odiavam, é que dificilmente um pai julga alguém merecedor da mão de sua filha.

Eu pensei em dizer que se Dylan tivesse percebido ainda no aeroporto aquele anel teria o direito de intervir, contudo achei melhor não abrir novamente essa ferida. E quando ele falou que minha mãe adoraria estar ali naquele momento senti um aperto no coração, de novo meu pai tentava trazer esse tema a tona.

Mesmo eu não querendo falar sobre ela, o piloto veterano insistia no erro. Pra falar a verdade nem sabia porque evitava dizer o nome dela ou qualquer outra coisa que a envolvesse, mas era incomodo e dolorido. Dessa forma cortei o diálogo mais uma vez e nem vi as horas passando.

Quando enfim notei o relógio era meia noite e então pedimos a conta no restaurante e fomos ao hotel. Ainda no carro olhando pela janela desejei ter mais dias para conhecer Londres inteira, entretanto sabia que meu último dia ali seria o próximo. Pelo menos o clima mais quente que o do Canadá era reconfortante, como estávamos em março a primavera enfim chegava na Inglaterra e com ela as chuvas.

A chuva daquele dia foi milagrosa para meu amigo, não sei se ele teria alcançado o segundo lugar sem ela. Entretanto essa posição não era o suficiente para ele, o Senhor Carter era perfeccionista em seu ofício. Suponho encarecidamente que seja a única situação a qual ele se dedicava inteiramente sem permitir bagunças ou coisas mal feitas. Gosto de pensar que esse perfeccionismo dele se assemelhava ao meu modo de organização, talvez seja por isso que o garoto nunca me julgou seriamente a respeito de meu modo controlador.

Pois toda vez que pilotava tinha em mente apenas uma coisa: ele deveria ser o melhor. O rapaz que se deu bem na chuva costumava treinar bastante e uma falha em seu carro não o pararia, não mesmo. Contudo não era prudente que gritasse com seus superiores como fez assim que saiu da pista na corrida daquele domingo ou no tribunal quando foi julgado.

Ter de chamar a atenção dele para esse tipo de atitude me fazia parecer com uma babá ou coisa que o valha, segundo o mesmo eu estava mais para sua mãe. Mas nem mesmo os comentários dele poderiam me parar, de modo algum o piloto me xingava por o proteger, só zombava um pouco a situação.

Por isso decidi ir ao quarto dele depois de ter chego do jantar com meu pai. Contudo assim que abri a porta do cômodo dele me arrependi de tê-lo feito, o cenário que lá dentro se encontrava me chocou além do que posso expressar.

Habitualmente o quarto de Ward estava bagunçado, porém nem de longe chegava ao que vi. Parece que a raiva o motivou a destruir boa parte do ambiente, suas roupas estavam fora da mala dispersas por entre cacos de vidro e as taças que um dia estiveram inteiras em cima da mesinha já não existiam.

Quanto ao próprio autor da ocasião eu não sei como ele estava, me envergonho de dizer isso mas minha preocupação primordial foi a sujeira no chão.  Aquilo era uma calamidade, principalmente porque antes do surto de meu patrão o lugar se encontrava impecável com as cortinas brancas perfeitamente alinhadas e o jogo de cama bem arrumado.

Vendo toda a zona meu coração palpitou mais rápido e eu imediatamente sai dali correndo a procura de materiais de limpeza, não sem antes observar uma pessoa na cama se levantar com uma lágrima no rosto. Uma lágrima de ódio, nervoso e ansiedade, mas não consegui me conter e ir lá ajudá-lo.

Não é como se eu não quisesse, só não consegui voltar e dar o apoio que Ward merecia e precisava. Antes o ambiente precisava ser limpo por mim, mesmo que a funcionária do hotel tenha dito que limparia de bom grado, nada me garantia que a organização dela seria tão boa quanto a minha.

Sendo assim retornei ao quarto desesperada e recolhi todos os cacos de vidro, os jogando fora embrulhados em jornal para não machucar ninguém. Em seguida me ajoelhei no chão catando todas as roupas excêntricas de meu amigo, sem reservar um olhar se quer para ele.

Enfim quando terminei de dobrar tudo já havia se passado pouco mais de vinte minutos e Ward não havia pronunciado nenhuma palavra também. Ele estava constrangido pelo que percebi, mesmo sendo egocêntrico as vezes - poucas que sejam - sentimentos como vergonha e constrangimento ainda o atingiam.

Sentei ao lado dele na cama e vi que a lágrima secara e apenas um rosto inconformado permanecia em sua face. Sem saber o que fazer, pois sou péssima em auxiliar os que sofrem, somente encostei a cabeça dele em meu ombro e pedi desculpas. Foi um pedido sincero que precisava ser feito, no entanto ele não me respondeu.

Ficamos naquela posição por um bom tempo sentido e apreciando o respirar um do outro. Várias possibilidades de quebrar o silêncio vieram em minha mente, mas não usei nenhuma com medo de estragar tudo e magoar ainda mais o coração de Ward.

Então deixei a chance de conversarmos por responsabilidade dele e graças à Deus fiz isso, desse modo o rapaz só falou quando se sentiu a vontade para o fazer.

- Eu sei que não deveria ter falado daquele jeito, sei também que não deveria ter quebrado as coisas do quarto. Foi isso que você veio tratar comigo, né? - O homem falou com voz e jeitinho de menino pequeno.

Vi que o que ele acabara de apontar era verdade e me arrependi disso, me preocupei mais com a imagem dele do que com seu bem estar. Jamais se passou pela minha cabeça que Ward surtaria daquela forma ou se perturbaria com um segundo lugar.

- A gente pode falar sobre isso depois, hoje vamos conversar sobre a corrida incrível que você fez! - Eu disse tentando amenizar as coisas ainda sentindo a respiração lenta dele.

- Eu não fiz nada incrível hoje, teria sido incrível se eu tivesse ultrapassado seu pai.

- Mas você ultrapassou!

- Só que não valeu.

Me vi obrigada a fazer alguma coisa para ajudar, qualquer coisa. Não suportei ver o rapaz assim de modo que menti para ele.

- Meu pai ficou surpreso com o que fez!

- Sério mesmo? - Ward perguntou com o ânimo de uma criança.

Eu me  desgrudeidele e anui com a cabeça, pude ver o seu sorriso crescer e permanecer em seus lábios. Essa foi a primeira vez que vi a máscara de orgulhoso e convencido dele cair, óbvio que foram poucas as vezes que o senhor Carter permitiu que isso acontecesse. Contudo, o simples fato de seu ídolo ter se orgulhado dele fez com que Ward Carter dormisse com um sorrisinho no rosto, mas pouco antes de fechar seus olhos deitado na cama recém arrumada por mim ele me confessou um desejo:

- Espero que eu não tenha lhe dado nenhuma dor de cabeça.

Ele tinha sim, mas por algumas pessoas vale a pena sentir esse incomodo. Depois de Ward ter adormecido me deitei ao seu lado na cama e abri meu email pelo celular, vi a confirmação de um contrato publicitário de pneu que meu amigo participaria e me surpreendi ao ler que o motivo principal da contratação eram as atitudes dele. Ri ironicamente ao saber que a razão da minha insônia tinha garantido o contrato que eu trabalhava há semanas.

Aí olhei para ele dormindo calmamente e ergui uma meia lua no rosto, logo antes de também me permitir ser levada pelo sono.

***

Recadinho rápido pra você que está lendo: Sim, eu sei que tá demorando pra sair capítulo novo! Massss em breve pretendo recompensar vocês postando mais 🙃

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