Cinco


O Dr.Jacky chegou no horário certo no dia da audiência, isso deixou Catherine muito mais aliviada. Ela teve de buscar Ward em sua casa para ter certeza de que não se atrasaria como sempre.

Dirigir na frente dele foi uma nova sensação a qual ela não estava adapta, não era como dirigir para o pai pois Dylan tinha conhecimento do talento dela. Mas estar dirigindo para um cara famoso e que nunca usava motorista a deixou um pouco nervosa, contudo não permitiu que isso transparecesse e fez o que estava abituada, pilotou como uma verdadeira obra de arte.

No Fórum o rapaz chegou descontraído pela porta da frente sem dar entrevistas, deixaria aquilo para o final do julgamento se desse tudo certo. Era o primeiro julgamento de sua vida e Ward Carter literalmente esperava que tudo ocorresse como nos filmes.

E se você meu caro leitor tem o mesmo pensamento dele pode esquecer, o julgamento daquele dia frio de Fevereiro no Canadá não foi nada parecido com o que é narrado nas fantasias de filmes ou livros. Muito diferente do Julgamento por Combate de Tyrion Lannister e mais distante ainda do Julgamento de Código de Conduta. Embora não fosse tão espetacular como o piloto desejava o clima estava tenso no tribunal.

O julgado não via a hora de escutar um "Na dúvida absolva o réu" ou quem sabe ver um homem ranzinza entrar no recinto pronto para dar um depoimento surpresa, nada disso aconteceu.

O juiz que realizaria a justiça naquela manhã estava ciente de que se tratava de um famoso sendo punido e já estava familiarizado com esse tipo de gente. O advogado de defesa tinha alertado sobre a intolerância à gracinhas do Juiz e ainda mais a desacatos. Quando entraram na sala de audiência todos os presentes estavam bem agasalhados provavelmente odiando o playboy que os fez sair da cama.

Cath era a mais pessimista em relação à tudo aquilo, afinal ela que teria que arcar com as consequências amenizando tudo para não abalar a carreira de Ward. Assim que viu todos os velhos que estavam ali ficou meio receosa ainda mais por nenhum sorrir.

Os repórteres também marcavam presença com suas câmeras que abalavam a vista do fotografado por alguns segundos. Isso tornava tudo mais difícil pois seria transmitido ao vivo e a cores para todo o país nas emissoras menores.

Ela amaldiçoou mentalmente milhares de vezes o garoto que a enfiou ali e seguiu seu caminho até a parte reservada a quem iria somente assistir, tentando não tropeçar no caminho. Enquanto o rapaz e seu advogado iam ao banco de réus prontos para enfrentar a sentença. O recinto era menor do que Ward imaginou, sua amplitude aparentava ser maior pela televisão, mas não era todo ruim. O chão de mármore exalava um barulho peculiar a cada passo e a estrutura de julgamento como acentos e divisórias feitas de madeira as vezes rangiam quando encostavam neles.

Ward vestia um terno preto escolhido por sua acessora, mas o bom senso dela não conseguiu mudar a excentricidade dele de modo que usava óculos escuros em formato de coração dentro da sala de julgamentos. Para o piloto aquilo não passava de uma grande brincadeira e como ele amava brincar não tirou do rosto o sorriso brilhante nem por um segundo.

O rapaz se sentou no banco e passou a mão no cabelo caramelo bagunçando o penteado para trás com gel que Cath insistiu que fizesse a fim de ficar mais formal. Em seguida o Juiz iniciou a sessão com um tremendo mal humor de quem acabou de levantar.

- Bom dia a todos os presentes nesse tribunal - O homem da lei começou - Hoje será julgado segundo a constituição desse país o canadense Ward Carter Bing, acusado pelo crime de vandalismo ao patrimônio público e privado.

Cath gelou. Ela tinha conhecimento de que o amigo e patrão tinha depravado um muro de uma escola pública na qual estudou, mas o privado era novidade. O que tinha acontecido na noite que se conheceram que Ward não contou? Catherine não sabia e ficou mais curiosa vendo Ward a encarar, ignorando o juiz.

- Senhor Carter!

- Fala meu bebê - O piloto respondeu ao chamado do Juiz.

Todos os presentes se controlaram para não rir, inclusive Catherine Turner que futuramente negaria isso até a morte. Porém o homem que julgaria a sentença do Senhor Carter permanecia com o rostos sem expressar movimentos, provavelmente anotando dentro de sua mente o ato como um desacato.

- Como eu dizia, Senhor Carter. Temos hoje aqui presente uma testemunha que afirma ter visto o senhor depredando o patrimônio - O Juiz que segundo sua plaqueta de mesa se chamava Watson contou - Por favor tragam o Senhor McMillan.

O nome McMillan não era estranho a Cath, ela sabia que já o tinha ouvido. Todavia quando visualizou o amigo bigodudo de Ward entrando no banco de testemunhas que se localizava no lado direito do tribunal teve certeza de que o conhecia. O sujeito possuía um jeito engraçado de andar, um modo que dava impressão de que tinha o equivalente a um saco de batatas em forma de merda dentro da calça. O cretino ia sempre à casa do patrão de Catherine, não fazia uma semana desde a última vez que foi.

- Ora se não é Luís McMillan, o filho da puta do meu amigo - Ward comentou de forma sarcástica ao mesmo tempo que retirava os óculos escuros do rosto na intenção de ver melhor.

Por incrível que pareça o rapaz não estava surpreso, eis o segredo desse fato: o senhor Ward Carter Bing jamais confiava inteiramente em seus amigos de curtição.

- Por favor respeito no tribunal - Advertiu Watson lembrando a todos que aquilo estava passando na televisão e que por um acaso alguma criança poderia ver - Inicie seu depoimento Senhor McMillan.

- Por onde começo senhores e senhoras presentes? Meu antigo amigo é um homem tão errado que se fossemos julgar por todos os seus pecados passariam o dia inteiro aqui - A testemunha falou fazendo com que Cath se intrigasse sobre até que ponto o explicado era mentira - Bom na noite em que tudo aconteceu Ward me disse que não tinha bebido muito e que no final das contas estava sóbrio. Isso foi uma mentira e tanto pois o homem estava bêbado pra diabo, disse então que tinha que fazer algumas coisas por vingança e que eu o ajudaria.

- PROTESTO MERITÍSSIMO! - Ward gritou pedindo direito a defesa, porém foi negado.

Enfim ele cumpriu um de seus sonhos de tribunal, gritar "protesto" no meio de toda aquela gente foi no mínimo prazeroso para o piloto, embora estivesse sendo acometido pelo azar.

- Ward me forçou a dirigir pra ele porque estava com medo de ser parado pelos guardas! Não me orgulho disso mas fui cúmplice desse homem deplorável.

- Senhor McMillan poderia nos contar o que fizeram exatamente?- Pediu o promotor de justiça se manifestando pela primeira vez.

O promotor era o mais jovem dentre os funcionários do Estado, seu rosto bem marcado pelas espinhas que teve na juventude não conseguiam esconder o quão cretino era. Não digo isso por ter um ponto de vista suspeito, aquele homem era mesmo um cretino e isso ficou comprovado meses depois quando descobriram que tinha envolvimentos com sistemas operacionais corruptos. Mas por hora sigamos com a descrição do julgamento.

- Bom, para iniciar, o senhor Carter pediu para que o levasse até a escola onde estudou quando criança e assim permiti que ele vandalizasse o muro. Depois disso fomos à casa de uma antiga amiga em comum e Ward jogou ovos na casa dela inteira além de ter quebrado os vidros do carro da garota.

O réu pôs um meio sorriso irônico no rosto e começou a gargalhar em pleno tribunal. Todos começaram a cochichar provavelmente falando que o acusado era um lunático, não podiam estar mais errados.

- Ordem no tribunal! - O Juiz pediu batendo seu martelo - Tem a palavra senhor Carter.

- Eu vandalisei um muro, um carro e uma casa? Puxa acho que tenho estado bem ocupado ultimamente, não acha? Tem certeza que ainda tenho tempo de cuidar da bosta da minha vida? - Ward questionou ainda de maneira sarcástica sem perder a pose se quer por um segundo - Talvez tenham pensado em investigar a dona da casa ou só querem uma boa manchete pra porra de um jornal?

- Peço que não fale palavras de baixo calão no tribunal por favor.

- Ah vá à merda - O réu urrou com impaciência, o cansaço de ser acusado o atingira com força - A dona da casa por um acaso é a ex-noiva da sua testemunha, não lhe parece suspeito? Mas tenho certeza que não investigaram, nada que preste é feito nesse maldito tribunal mesmo. Por sorte as conversas daquela noite ainda estão registradas prontas para provar que quando eu me encontrei com a testemunha os crimes por ela cometidos já haviam sido feitos, senhor meritíssimo. Meu advogado tem uma copia para o senhor.

Catherine conduziu o carro mais cedo tendo certeza de que Ward era culpado, mas agora não sabia mais em que acreditar. Pela vida que levava não seria impossível que o ricasso fizesse coisas do tipo, entretanto as provas que apresentou ao juiz eram boas. Lógico que ela se perguntou o motivo do piloto não ter esclarecido nada à ela, todavia pode escutar como em um passe de mágica a voz rouca dele sussurrando em seu ouvido um convencido "Se eu te contasse antes teria acreditado em mim? ".

Ela cometeu o mesmo erro que Ward no dia em que se conheceram, não perguntou à ele uma vez sequer o envolvimento do rapaz nos crimes. Aparentemente o julgamento precipitado sem prova alguma fazia parte da relação entre eles estabelecida.

O Dr.Jacky se levantou para levar um conjunto de folhas grampeadas que continham a conversa de WhatsApp de Ward e McMillan nas últimas semanas autenticadas por cartório. O Juiz analisou o que tinha em suas mãos por um tempo, contudo fechou a apostila de papel e perguntou se o acusado tinha mais alguma coisa em sua defesa.

- Tenho sim, a minha palavra. Sei que nos dias de hoje é difícil acreditar na palavra de um homem, todavia eu dou a minha ao senhor.

- Temos também outro argumento - Interveio o advogado de defesa com pressa - Pelos registros escolares podemos confirmar que o Senhor McMillan estudou na instituição de ensino depredada, juntamente com o meu cliente.

O Juiz pareceu confuso pensando no que acabou de ouvir. A decisão final merecia um estudo isolado do caso, o meritíssimo estava pronto para dar quinze minutos de recesso e voltar com a sentença, porém o promotor impediu que isso acontecesse alegando que tinha algumas perguntas a fazer ao réu.

Ward estava impaciente com tuda aquela confusão, Catherine podia sentir isso de longe. Pelo modo que os olhos acinzentados dele permaneciam cerrados teve a certeza de que o rapaz pensava algo como "Não acredito que acordei cedo para ouvir esse monte de idiotas". Ele já não era alguém muito paciente e modesto, ainda mais com sono em uma manhã fria como aquela.

-Já perdeu uma hora de sono com isso?

- Adoraria perder mais uma contigo, meu bem.

- Qual é, uma piada ruim misturada com uma cantada brega?

- Eu não tenho muita criatividade, mas pode ter certeza que esse seria o nome ideal pra minha biografia. Se quiser começar a escrevê-la tem meu total apoio!

Isso fez com que o promotor se controlasse e prosseguisse com as perguntas mais perigosas ao mesmo tempo que o rosto malicioso do piloto era transmitido na televisão. Aquilo obrigava sua amiga a desviar um pouco de sua atenção para pensar no quão estúpido alguém seria para ler a biografia de Carter.

- O Senhor Ward Carter afirma ter visto a testemunha vandalisando uma casa e uma instituição de ensino pública?

- Não senhor, quando cheguei ele já tinha feito isso. Me encontrei com o senhor McMillan na frente da casa de Judith, a ex-noiva dele por pedido do proprio. Estava chorando como um bebê tinha de ver, foi um bocado engraçado mas eu o ajudei como manda o manual dos bons amigos.

- Entretanto a Senhora Judith não veio depor, há algum motivo em especial? - O promotor arquitetou.

Se tratava de um daqueles momentos no tribunal onde o réu começa a se enrolar em sua própria história. Sendo ou não o fato verdadeiro o acusador tenta de todo modo achar um "furo" no que foi contado a fim de favorecer o que ele quer que achem verídico. A manipulação estava em jogo agora e com demasiada potência.

- A Senhora Judith não quer arrumar mais problemas com o escroto do ex-noivo dela, essa foi a razão dela não ter vindo - Explicou Ward com serenidade na voz ao mesmo tempo que afrouxava a gravata - Fora isso não queria que os pais soubessem o que aconteceu, aliás bom dia senhor e senhora Grimes, como vão? Aposto que estão na torcida para que eu tenha de pagar uma boa quantia pra vocês pelo que seu querido genro fez.

O casal que observava tudo no canto do tribunal não sinalizou nada em resposta à Ward Carter, o choque estampado em suas faces não permitia que o fizessem.

- Assim vocês me magoam, não me deixem no vácuo!

- Senhor Carter! - O promotor retomou a conversa bancando o tira malvado dessa vez - Sabe o que eu acho divertido?

- Não estou a fim de entrar em suas intimidades, meu colega da lei. Sinceramente não me interesso pelo que faz depois do trabalho!

Ao final de sua fala todos riram sacando muito bem o que ele queria dizer, entretanto o acusador bateu na mesa do réu tomado pela fúria de ser ridicularizado perante o tribunal, seu local de trabalho, sem contar os telespectadores.

- Você fica aí se achando senhor Carter, mas tem algo que ainda não notou. Se sabia dos atos do senhor McMillan, isso se o que diz for verdade é cúmplice dele.

- Como?

- Procurou a polícia quando soube do ocorrido, senhor Carter?

- Não.

- Acho que já entendeu então.

O recesso enfim ocorreu. Catherine foi até o amigo querendo matá-lo por fazer piadas durante seu próprio julgamento, não há palavras para descrever o quão nervosa estava pela situação. Contudo apenas endireitou a gravata vermelha do rapaz e pegou para ele um copo d' água.

- Está bravo?

- Não, já imaginava que ele viria nunca confiei no babaca.

- Está ansioso?

- Me conhece melhor do que imagina, Catherine Jones Turner - Ward respondeu com um olhar camarada enquanto suas bochechas se contraiam - Sei que as chances de eu ser preso são realmente muito baixas, mas me preocupo com o que as pessoas vão pensar de mim. Acha que eu sou culpado?

- Vindo pra cá tinha certeza, agora não mais.

- Bom, agora pelo menos vai poder parar de jogar na minha cara que a julguei de maneira errada naquela noite.

- Quem disse que vou? - Cath perguntou o fazendo rir um pouco descontraindo sua tensão, pena que o alívio durou poucos segundos.

O meritíssimo voltou à seu posto ciente de qual seria sua decisão. O Juiz Watson tomou seu lugar na maior lentidão possível, revolveu os papéis e ainda escreveu um bocado de coisas só para deixar os outros esperando. É gozado como as pessoas importantes fazem isso com frequência, fazer com que os meros mortais sofram esperando talvez seja um prazer para esse tipo de gente.

Aquilo dava mais fogo para a labareda que era o caos pairando no coração de Cath. Ela odiava ser coadjuvante sem poder auxiliar em nada para a decisão do juiz ou até mesmo para o depoimento.

- O tribunal chegou a um consenso - Watson iniciou - O réu foi julgado culpado por omissão de informações à autoridade quando não telefonou à polícia informando os crimes do senhor McMillan. Por isso deve pagar dez horas de trabalho voluntário ao Estado.

- Chupa sociedade! - Ward comemorou pulando nos ares com seus óculos escuros em formato de coração de volta ao rosto.

- Entretanto, terá de pagar mais trinta horas por desacato ao tribunal.

- Meu Deus, eu só me ferro nessa vida.

Cath sorriu para ele se alegrando com o modo como Ward reagia à tudo isso. Ela amava a maneira engraçada que ele saia das situações difíceis e pode imaginar os telespectadores fazendo montagens bizarras tirando sarro da cara do piloto para postar na Internet.

- Já o senhor McMillan terá de pagar treze mil dólares à família Grimes, além de cumprir quarenta horas de trabalho voluntário.

Embora fosse sádico e Catherine soubesse disso sentiu uma espécie estranha de felicidade assim que soube que Luís McMillan seria condenado justamente por seus crimes. Ninguém podia trair seu amigo daquele modo.

***

Recadinho rápido para você que está lendo: E então, o que está achando do livro? Se estiver gostando vota e comenta bastante pra me deixar felizinha, por favor? ❤

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top