Capítulo Trinta e Um
Marlon Shipka:
Um mês depois...
Hoje, finalmente, acontecerá o tão aguardado torneio. Os cavaleiros se enfrentarão em duelos ferozes, testando suas habilidades até o limite, arriscando-se a se machucar na tentativa de provar seu valor e conquistar o respeito dos outros. É um espetáculo de força, estratégia e determinação, onde o orgulho e a honra estão em jogo.
Como estou me sentindo? Uma mistura de ansiedade e excitação corre pelas minhas veias. Mal posso esperar para ver meus alunos entrarem na arena. Treinamos intensamente para este momento, cada golpe, cada defesa meticulosamente ensinado por mim, Steven e Arthur. Assistir ao resultado desse esforço, observar como aplicam os métodos que passamos a eles, será como ver um pedaço de nós em cada movimento, em cada olhar de concentração.
Mais do que um simples torneio, este evento representa a jornada que percorremos juntos – as quedas, os erros, as superações e, principalmente, o crescimento. Não são apenas lutas; são histórias sendo contadas, sonhos sendo defendidos a cada espadada, cada passo dado no campo de batalha.
O peso da responsabilidade como instrutor se mistura com o orgulho. Hoje, estarei na arquibancada, com o coração na boca, torcendo para que cada um deles mostre a força, a técnica e a determinação que cultivaram ao longo de incontáveis horas de treino. A adrenalina cresce à medida que o torneio se aproxima, e estou pronto para testemunhar não só o confronto de habilidades, mas também o triunfo do espírito daqueles que treinei.
Eu me arrumei com o traje adornado com o símbolo da família real, ajustando cada detalhe com cuidado. Sabia que a ocasião exigia formalidade e presença. Quando terminei, fui direto para a carruagem onde Otto já me aguardava, junto com as crianças e os outros membros. Ele me recebeu com um sorriso sereno, sempre imponente mesmo em momentos casuais, e me sentei ao lado deles.
Enquanto a carruagem começava a se mover, retirei da bolsa o livro que Solomon havia me emprestado. Ele só pôde ficar por pouco tempo, já que precisou retornar rapidamente para as torres, sempre tão ocupado com seus deveres. Senti uma pontada de saudade ao pensar nisso, mas a leitura ajudava a me distrair.
De relance, notei as crianças fascinadas com a paisagem que desfilava pela janela, os olhos brilhando a cada campo, colina e bosque que passava. Havia algo quase mágico na simplicidade daquilo, no modo como elas apreciavam o mundo lá fora com a curiosidade e a alegria típicas da infância.
Ao chegarmos à entrada do local reservado para a família real, o cenário mudou drasticamente. Uma multidão se aglomerava do lado de fora, ansiosa para ver quem desceria da carruagem imperial. Senti o peso dos olhares, misturados entre curiosidade e reverência. Mesmo acostumado a ocasiões formais, ainda é um pouco intimidante ter tanta atenção voltada para nós.
No fundo, desejei que Max estivesse aqui. Ter alguém com quem pudesse conversar sobre como agir com a elegância e o protocolo esperados de um membro da realeza teria sido um alívio. Mas entendo sua decisão de não viajar. Com sete meses e meio de gravidez, preferiu ficar em casa, cuidando de si e do bebê. Uma escolha sensata, mas sua ausência certamente se faz sentir.
A atmosfera ao redor já começava a mudar. Logo, estaríamos imersos no protocolo, nos sorrisos ensaiados, nas palavras calculadas. Mas, por um breve instante, aproveitei o calor da companhia das crianças e a familiaridade de Otto ao meu lado, sabendo que momentos assim, por mais curtos que sejam, têm um valor único.
Entramos na arena, onde o ambiente transpirava uma atmosfera de grandeza e expectativa. O caminho até os assentos reservados para a família imperial era longo, passando por um extenso corredor adornado com tapeçarias e uma escadaria imponente. Sofia, sempre atenta e eficiente, abriu as portas com precisão e nos guiou até o interior do espaço.
Otto se acomodou em um dos assentos centrais, sua postura firme e imponente como sempre. Eu me sentei ao seu lado, enquanto Dennis e Alice tomaram seus lugares logo atrás de nós. Uma empregada se aproximou com uma bandeja repleta de lanches, servindo primeiro para eles e depois para mim e Otto. O aroma suave dos petiscos preencheu o ar, mas minha atenção estava focada na arena abaixo.
Eu sabia que em poucos instantes o grupo de cavaleiros iniciaria a competição. Seria um longo dia de lutas intensas, intercaladas por apresentações vibrantes de bardos, mostras de magia que prometiam encantar a multidão, exibições precisas de arquearia e outras demonstrações de habilidades. A diversidade e o talento dos participantes garantiriam um espetáculo memorável.
Enquanto observava a arena, notei que alguns dos participantes cochichavam entre si, lançando olhares em nossa direção. Desde o anúncio do meu casamento com Otto, esses sussurros e olhares curiosos tornaram-se uma constante em minha vida. Já me acostumei com o peso dessas atenções, mas ainda é desconcertante em certos momentos. Ao longe, avistei Elza e sua irmã acenando para mim, e retribuí o gesto com um sorriso discreto.
A competição começou com uma explosão de energia. Lila foi a primeira a se destacar. Sua agilidade era notável; em um movimento rápido, lançou um feitiço certeiro contra uma cavaleira, atingindo-a diretamente no abdômen. A força do impacto fez a adversária voar para trás, colidindo violentamente com o ombro de Lopes, que, desequilibrado, errou seu próprio feitiço. Guilherme, por sua vez, avançou com uma determinação inabalável, desferindo ataques constantes e implacáveis. Ele derrubava todos os oponentes dos outros grupos sem hesitar, sem se importar com a falta de magia ou com a resistência limitada dos demais.
Babu, com sua habitual destreza, terminou seu confronto em questão de segundos, derrubando seus oponentes com tal maestria que me vi aplaudindo espontaneamente, assim como fiz para os outros cavaleiros que se destacaram.
Após um tempo, me levantei e, com um murmúrio discreto para Otto, avisei que iria ao banheiro. Conforme caminhei pelo corredor, os sons distantes de música e risos começaram a preencher o ambiente. Ouvi o som das carruagens chegando e o ritmo alegre das danças vindas das tendas provisórias que Otto havia ordenado construir nas regiões norte e sul da cidade, garantindo que todos pudessem aproveitar o evento. A vida pulsava ao redor, cheia de cor e celebração, enquanto a competição continuava feroz e implacável na arena.
Por mais que estivesse envolvido na atmosfera grandiosa do torneio, uma parte de mim ansiava por um momento de tranquilidade, longe dos olhares atentos e da pressão constante de representar algo maior do que eu mesmo. Ao longe, os aplausos e o clamor do público sinalizavam que o próximo embate estava para começar, mas, por ora, eu apenas me permiti respirar e absorver aquele momento.
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O Coliseu onde a arena estava sendo realizada era um espetáculo por si só, com três grandes salões, cada um com sua própria personalidade e propósito. O Flowery, o primeiro deles, era um salão de baile extravagante, com um pé-direito triplo que fazia ecoar qualquer som pela vastidão de sua estrutura de madeira polida e cristais esculpidos em formas refinadas. Caminhar por ali era como atravessar um sonho repleto de brilhos e reflexos.
O segundo salão, o Goulart, era uma obra-prima de recepção. Suas paredes eram feitas de pedras raras e adornadas com metais preciosos, criando uma aura de grandiosidade e força. Já o terceiro, o Magis, tinha um encanto único. Localizado na parte dianteira do Coliseu, era acessado por um corredor exclusivo e portas ornadas que abriam caminho para uma sala envolta em elegância solene. Era ali que cerimoniais importantes eram realizados para os membros da nobreza e alguns plebeus que atingiam a maioridade e se tornavam aptos a praticar magia ou manipular objetos encantados.
Não era surpresa ver guardas em cada entrada, atentos e preparados. O ambiente transpirava importância e história. Após voltar do banheiro, me deparei com uma visão quase cativante: Otto estava visivelmente animado com a competição, algo raro de se ver em sua expressão geralmente séria. Alice estava inclinada sobre a beirada, os olhos brilhando de entusiasmo enquanto tentava imitar com os dedos os movimentos que via na arena. Era adorável vê-la tão concentrada, como se pudesse replicar a magia com sua própria energia.
Dennis, por outro lado, ria abertamente ao assistir um dos cavaleiros sendo lançado para fora da arena e colidindo com a parede. O som das risadas dele era contagiante e ecoava pelo espaço.
— Isso é ótimo de se ver! — Dennis exclamou, aplaudindo com alegria genuína.
Foi nesse momento que senti a presença de Drake atrás de mim. Sua voz soou em um tom seco e ligeiramente crítico.
— Esse garoto é assustador — ele disse, estreitando os olhos para Dennis. — Deveria aprender boas maneiras e um pouco de educação nobre.
Virei-me para encará-lo, um sorriso brincando em meus lábios.
— Qual é o seu problema com o Dennis, Drake? Sempre que estamos perto, você não perde a chance de resmungar sobre como ele é indisciplinado. — Dei um leve tapa em seu ombro, mas ele manteve a expressão séria. — Guilherme me contou uma história interessante sobre você.
Drake arqueou uma sobrancelha, sua voz saindo quase como um rosnado.
— O que aquele garoto disse?
— Que você era exatamente como Dennis: sempre brigando, ameaçando os outros... e até mordendo alguém em uma dessas brigas! — Eu ri ao ver a expressão dele se tornar sombria. — Então é por isso que você age assim com Dennis? Porque vê muito do seu antigo "eu" nele?
Por um instante, o rosto de Drake se fechou em uma máscara de compostura gélida, quase assustadora. Seus dedos apertaram o livro que segurava com tanta força que os nós ficaram brancos. O ar entre nós ficou denso, como se qualquer palavra pudesse quebrar o frágil equilíbrio do momento. Contudo, ele soltou um suspiro pesado e finalmente murmurou:
— Não é educado bisbilhotar o passado dos outros... mas você está certo sobre como eu era. — Ele fechou os olhos, deixando-se levar por memórias que claramente ainda o afetavam. — Eu adorava brigar, ser selvagem... exatamente como ele.
Aproveitei a brecha para me aprofundar.
— O que fez você mudar?
Drake olhou para o teto, como se as respostas estivessem gravadas ali.
— Muitas coisas. Quando meus pais morreram, tudo desabou sobre mim com um peso que quase me esmagou. Eu precisei mudar, me tornar alguém que os outros respeitariam, mesmo sem ter magia. Foi então que Otto me chamou para ser seu assistente e conselheiro. Eu tive que abandonar aquele lado selvagem por sobrevivência. Quando Dennis chegou ao palácio, vi nele um reflexo do que eu fui, e sabia o quanto seria doloroso para ele seguir por aquele mesmo caminho. Admito que, de certa forma, estou tentando moldá-lo para evitar que ele passe pelo que passei... mas talvez isso seja apenas um reflexo do meu próprio egoísmo.
Senti a vulnerabilidade em suas palavras, um lado que ele raramente deixava transparecer. Coloquei a mão em seu ombro, dessa vez com um toque mais gentil.
— Você ainda está cuidando dos outros, Drake. Mesmo que pareça um pouco duro, tem um coração, sentimentos... e uma grande capacidade de empatia. — Ele me encarou, mas dessa vez, seus olhos não tinham o mesmo brilho crítico de antes. — Você não precisa se transformar completamente. Acho que adoraria conhecer o outro lado de você, o verdadeiro Drake, além do conselheiro de Otto.
Para minha surpresa, ele soltou uma risada baixa, quase involuntária. Era como se, por um breve momento, a máscara de rigidez escorregasse, revelando um lado mais leve e humano.
— Talvez você tenha razão — ele disse, com um meio sorriso no rosto.
Nossa conversa foi bruscamente interrompida quando Alice, com os olhos arregalados de preocupação, me chamou, agitando a mão no ar.
— Marlon, o que é aquele brilho vindo na nossa direção? — A voz dela tinha um toque de urgência enquanto apontava para o céu.
Segui seu olhar e vi um enorme brilho se aproximando com uma velocidade aterradora. Uma onda de tensão percorreu o ambiente, e pude ouvir murmúrios nervosos se espalhando pela plateia. Não havia tempo a perder. Sem hesitar, saltei o parapeito do espaço reservado à família real. O vento passou por mim enquanto aterrissava suavemente no chão, canalizando minha magia em questão de segundos.
— Magia das Chamas: Inferno! — gritei, e uma torrente colossal de fogo explodiu de minhas mãos, colidindo com o brilho com toda a força que eu consegui reunir. As chamas rugiram, dançando violentamente enquanto tentavam consumir a ameaça que se aproximava.
Mas a situação rapidamente se tornou um caos. Cavaleiros emergiram das sombras, suas espadas e lanças prontas, enquanto o povo se dispersava em desespero. Gritos ecoavam pela arena, o pânico se espalhando como uma praga. Apesar do caos, meus olhos se fixaram no brilho que começava a se desfazer no ar, revelando uma figura à poucos metros de mim.
Meu coração disparou ao reconhecer a silhueta. Cabelos castanhos desgrenhados, olhos frios e de um tom castanho opaco, e aquele ar de arrogância que eu jamais esqueceria. A figura diante de mim estava parcialmente desfigurada, parte de seu rosto parecia apodrecido, a pele esticada e revelando o que restava de uma caveira em decomposição. Era um quadro grotesco e perturbador, mas eu não pude evitar sorrir ao ver o estado em que ele estava. Era como se o tempo tivesse cobrado um preço caro por sua maldade.
Então, ele sorriu. Um sorriso largo e distorcido que fez o frio se espalhar pela minha espinha.
— Olá, Marlon — ele disse com uma voz rouca e arranhada, como o som de pedras se chocando. — Sentiu saudades, priminho?
As palavras foram um golpe inesperado. Matteo. Meu primo Matteo, que eu tinha certeza de que estava morto, agora se erguia diante de mim como uma sombra do passado, trazendo consigo o rancor e a decadência de tempos sombrios.
Eu fechei os punhos, o calor da magia ainda pulsando em minhas veias. Tudo ao redor parecia se tornar um borrão enquanto meu foco se fixava nele. Como ele ainda estava vivo? Como ele retornou, e com esse semblante de pura podridão?
— Matteo... — murmurei, a surpresa e a raiva misturando-se em minha voz. — Eu pensei que você estivesse morto.
Ele riu, um som gélido que parecia ecoar pela arena, zombando de minha incredulidade. O sorriso deformado em seu rosto parecia se alargar ainda mais.
— A morte é relativa, Marlon — ele respondeu, seu olhar fixo em mim, como se analisasse cada detalhe de minha expressão. — E eu voltei para acertar algumas contas.
Enquanto ele falava, senti a tensão ao meu redor aumentar. Otto estava em pé, observando de cima, a postura alerta e imponente, e pude ver que os cavaleiros e guardas se preparavam para agir. Mas isso... isso era pessoal. Matteo não estava ali apenas para causar o caos. Ele veio atrás de mim, e o passado que pensei ter deixado para trás estava prestes a se desenrolar diante de todos.
— Então, vamos terminar o que começamos, priminho — Matteo sibilou, sua voz carregada de ódio e prazer perverso.
A arena, que há poucos minutos estava repleta de excitação e alegria, agora se transformava em um palco para algo muito mais sombrio e perigoso. Sabia que esse confronto não seria apenas físico, mas carregaria o peso de lembranças antigas e ressentimentos nunca superados.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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