Capítulo Trinta e Cinco

Marlon Shipka:

Ao sair pelo corredor, percebi como os servos que passavam por ali se encolheram e, apressadamente, cederam passagem. Era o mesmo de sempre: olhares nervosos, passos apressados e a distância que insistiam em manter desde que souberam que eu e Otto somos oficialmente um casal. O medo de dizer algo errado ou se comportar de maneira inadequada perto de mim era evidente, como se qualquer erro pudesse custar-lhes seus empregos. Caminhei pelo corredor com um semblante levemente sombrio, enquanto uma indecisão incômoda surgia em minha mente.

Eu sabia dos rumores que circulavam tanto dentro quanto fora deste palácio. Pessoas adoram espalhar histórias, e de alguma forma, acabei sendo retratado como um hipócrita cego pelo poder, o que me deixava inquieto. Isso trouxe à tona memórias do meu antigo eu – alguém que, em outra época, tinha um coração cheio de amor pelo mundo, mas que, se estivesse nessa mesma situação, teria visto seus sentimentos esmagados por pessoas movidas pelo ciúme e pela inveja.

Hoje, encaro isso com uma espécie de resignação. Não reajo mais aos boatos, pois aprendi que tentar explicar ou desmentir só alimenta ainda mais as especulações. Mas, no fundo, essa passividade só fez com que os rumores crescessem, tornando-se ainda mais difíceis de ignorar.

Estou cansado. Cansado das falsidades, das pessoas que se aproximam apenas por interesses ocultos. Todos ao meu redor parecem usar máscaras, e me tornei tão acostumado a isso que até mesmo gestos sinceros me fazem desconfiar. Afinal, não posso saber qual adaga está escondida por trás de sorrisos amistosos ou quem a está segurando. Esse é o mundo em que vivo desde o início.

Enquanto caminhava perdido em meus pensamentos, ouvi uma risada familiar. Olhei para o lado e vi Lancelot se aproximando com aquele sorriso travesso de sempre.

— Lancelot, o príncipe dos espíritos — disse, permitindo que um leve sorriso surgisse no meu rosto. — O que faz aqui?

— Meu pai pediu para que eu viesse até o castelo. Foi um pedido do Max, na verdade, para ver como você está. — Lancelot respondeu, caminhando ao meu lado com uma expressão descontraída. — Mesmo estando em outro império, os rumores sobre você chegaram ao Império de Summer.

Congelei por um momento ao ouvir isso. Max sempre foi um grande amigo, mesmo à distância.

— Ele disse que, se eu não viesse checar você, me daria uma boa surra — Lancelot continuou, rindo. — E olha que, com o nascimento iminente do bebê, o temperamento dele está mais agressivo do que nunca. Tanto eu quanto Ian temos sofrido com isso.

Olhei para ele com um ar cético. Conhecendo Lancelot como eu conheço, ele provavelmente fez algo para merecer essas ameaças. Ele sempre foi do tipo que adora pregar peças e agir de maneira irreverente, o que, em situações sérias, pode ser extremamente frustrante.

— Presumo que tenha feito alguma idiotice perto dele — comentei, e Lancelot tentou exibir uma expressão ofendida, mas acabou sorrindo no final, traído por seu próprio bom humor.

— Só disse que, quando o filho dele crescer, vou ensiná-lo a fazer um monte de travessuras — ele respondeu com aquele brilho travesso nos olhos. — Ele será o melhor nisso! Depois disso, Max começou a me ameaçar toda vez que se lembra das minhas palavras.

Não consegui evitar rir. A conversa leve e despretensiosa era um alívio em meio a toda a pressão e preocupações que vinham se acumulando. Continuamos andando pelo corredor, discutindo trivialidades e relembrando momentos do passado. Era revigorante ter alguém como Lancelot por perto, especialmente quando tudo ao redor parecia tão pesado e opressivo.

Ele sempre soube como aliviar a tensão, mesmo que fosse com suas palhaçadas. Conversamos sobre muitas coisas, desde histórias antigas até planos para o futuro. Por alguns momentos, pude esquecer os rumores, as responsabilidades e as incertezas, e simplesmente aproveitar a companhia de um amigo.

No fundo, eu sabia que essa pausa seria breve, pois havia questões urgentes que precisavam ser resolvidas. Mas, por ora, permiti-me relaxar e rir, encontrando conforto na simplicidade da amizade verdadeira em meio ao caos do mundo ao nosso redor.

Enquanto continuávamos andando pelo corredor, avistei Sofia se aproximando, vinda da ala dos Cavaleiros Imperiais. Chamei-a imediatamente, já que ela é a comandante da divisão do palácio e a pessoa ideal para ajudar com o plano que estava começando a formular.

— Imperador regente — ela disse ao me ver, fazendo uma reverência respeitosa. Seus olhos logo se voltaram para Lancelot. — É uma honra rever o príncipe dos espíritos.

— Olá, senhora cavaleira — respondeu Lancelot com seu habitual charme, cumprimentando-a com um aceno elegante.

Fui direto ao ponto, entregando a ela alguns papéis com informações importantes. — Sofia, quero que reúna os membros da elite dos cavaleiros agora mesmo e organize um grupo de busca — disse, vendo seu olhar se fixar nos documentos.

— Uma equipe para explorar as outras regiões que fazem fronteira com o império? — Ela perguntou, analisando o conteúdo. Assenti com firmeza.

— Exatamente. Precisamos iniciar uma investigação completa a partir de amanhã. — Respondi, observando a expressão dela endurecer enquanto examinava os nomes das áreas indicadas.

— Isso é verdade? — ela perguntou com um tom grave, e eu confirmei com um leve aceno. — O imperador sabe disso?

— Ainda não. Esta busca está sendo conduzida por mim, em caráter reservado. Quero verificar se as antigas entradas mágicas, que foram seladas há tempos, ainda estão intactas ou se alguém as reativou para se esconder ou acessar a capital secretamente. — Minha resposta foi direta, sem deixar margem para dúvidas.

O continente de Myster, que antes era dividido entre o Império das Rosas e o Império das Estrelas, agora se uniu sob o reinado de Otto. A geografia do continente lembra uma borboleta de asas abertas, com a Montanha Laquis, uma estrutura sagrada, separando o Oriente do Ocidente. Mas o que poucos sabem é que em determinados pontos estratégicos, há passagens secretas que levam diretamente ao coração da capital – um detalhe perigoso se caído em mãos erradas.

— Mesmo que agora os dois impérios coexistam como um só, essas passagens ainda podem ser exploradas, especialmente por alguém com conhecimentos antigos. — Continuei, reforçando minha preocupação. — Só membros do alto escalão da nobreza conheciam essas rotas, e o inimigo pode estar utilizando essas entradas secretas, quebrando os selos que foram colocados nelas. Quero que essa busca seja discreta; só falaremos com Otto se minha suspeita se confirmar.

Lancelot, que até então estava ouvindo em silêncio, interrompeu com uma pergunta prática:

— E se sua suposição estiver errada?

Sorri ligeiramente antes de responder:

— Então usarei o dinheiro que Otto me deu para recompensar os cavaleiros que perderam tempo com essa missão. Mas não podemos ignorar essa possibilidade. O inimigo mostrou sua adaga, mas desapareceu logo em seguida, apenas para nos provocar e exibir sua força.

Os olhos de Sofia se estreitaram, refletindo determinação e ferocidade.

— Entendido. Recrutarei a equipe imediatamente e começaremos as buscas. Se descobrirmos algo, você será o primeiro a saber. — Ela fez uma reverência e se afastou, já planejando a ação com eficiência.

Lancelot, sempre com suas observações espirituosas, murmurou algo enquanto começávamos a caminhar em direção ao jardim.

— Você realmente sabe como motivar as pessoas, mesmo em meio a tanta incerteza — disse ele com um sorriso de lado.

— Às vezes, tudo o que precisamos é agir com decisão e dar o primeiro passo — respondi, tentando ignorar a sensação de peso que vinha crescendo em meu peito.

Seguimos juntos pelo jardim, onde o aroma suave das flores misturava-se ao ar fresco, oferecendo um breve alívio das responsabilidades que nos aguardavam. Mas, em meu íntimo, eu sabia que esse pequeno momento de tranquilidade era apenas uma pausa antes de enfrentarmos os desafios que certamente viriam.

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O jardim era o lugar perfeito para um momento de paz. Era um dos poucos lugares no palácio onde eu realmente podia respirar e organizar meus pensamentos. As flores estavam em pleno desabrochar, o ar fresco trazia consigo o aroma suave das pétalas, e a tranquilidade que reinava ali era o que eu mais precisava naquele instante.

Caminhei lentamente entre os canteiros até chegar ao banco de pedra, meu refúgio favorito. Sentei-me, deixando que o silêncio preenchesse os espaços vazios dentro de mim. Lancelot se recostou ao meu lado, olhando para o céu com uma expressão pensativa, mas sempre com um toque de descontração.

— Sabe, parece que você finalmente se acostumou com essa vida de nobreza, e ainda mais sendo o noivo de um membro da família imperial — disse ele, rindo com aquele tom brincalhão que lhe é típico. — Nunca pensei que você fosse alguém para se meter em intrigas palacianas ou para dar ordens como um líder.

Soltei um leve resmungo diante do comentário, o que só fez Lancelot rir mais.

— Não estou dizendo isso por maldade, mas era o que eu pensava — continuou ele, ainda rindo. — Pelo que vi na sua interação com aquela cavaleira, você é o completo oposto do que imaginei. Acho que subestimei você ao basear minhas opiniões em achismos e primeiras impressões.

Eu não pude deixar de sorrir com a sinceridade inesperada dele.

— Até que você é bom com as palavras, Lancelot — admiti, sentindo um peso sair dos meus ombros enquanto o desconforto dos últimos dias começava a se dissipar. — E já que está aqui, pode fazer um favor e mandar um recado para o Max? Diga a ele que estou fazendo o meu melhor para ignorar esses rumores, e que agradeço a preocupação dele. Ele sempre foi o meu melhor amigo, e fico feliz em saber que ele ainda se importa tanto.

Lancelot me olhou com fingida indignação.

— Então, agora virei o pombo-correio de vocês? — perguntou, tentando parecer sério, mas o brilho brincalhão em seus olhos não deixava dúvida de que ele estava se divertindo.

— Exatamente, pode ir entregar a minha mensagem! — respondi, rindo também. — E obrigado por me ouvir. Você pode ser um bobo, mas é um bom amigo.

Lancelot se levantou, fez uma reverência exagerada e, num piscar de olhos, desapareceu, deixando o jardim em silêncio novamente. Olhei para o céu, que estava límpido, sem nenhuma nuvem à vista, e deixei meus pensamentos vagarem.

A paz desse momento era rara, e eu sabia que não duraria muito. Mas, por agora, permiti-me desfrutar dessa serenidade. Sentei ali, sentindo a leve brisa tocar meu rosto, sabendo que, apesar de todos os desafios e pressões, ainda havia momentos como este que me lembravam de que, no final das contas, o importante era estar rodeado de pessoas que realmente se importam.

Com o céu claro e o jardim em plena harmonia, senti que, ao menos por alguns minutos, o peso do mundo ao meu redor tinha desaparecido.

Olhei para o livro em minhas mãos, perdido em pensamentos sobre o caminho que deveria seguir em relação aos meus inimigos. A situação estava se tornando cada vez mais complicada, e eu sentia uma sombra crescente ao meu redor, como se o mundo pudesse se tornar sombrio e desolado a qualquer momento, sem uma única luz para me guiar.

Foi então que a voz familiar de Otto cortou o silêncio. — Precisa da companhia do seu esposo? — perguntou ele, com um sorriso no rosto enquanto se aproximava. Levantei o olhar e sorri fracamente, sentindo o conforto de sua presença. Ele se sentou ao meu lado, os olhos fixos em mim com aquela mistura de carinho e preocupação que me era tão familiar.

— Sofia me procurou e disse que estava conversando com Lancelot — ele comentou, e não pude deixar de rir.

— Estava com ciúmes? — provoquei, tentando aliviar o peso em meu peito.

Otto corou levemente e riu, claramente envergonhado. — Talvez um pouco. Corri para cá e acabei ouvindo parte da conversa — confessou, com aquele ar levemente embaraçado que o tornava ainda mais encantador. — Mas o que realmente quero te dizer é que não precisa se preocupar com os rumores. O que importa é que você continue sendo forte. A inveja não tem poder sobre aqueles que te respeitam e te amam.

Ele envolveu seus braços ao meu redor, me puxando para perto em um abraço caloroso que dissipou qualquer resquício de dúvida ou insegurança. — Não deixe que as dúvidas e incertezas roubem sua alegria de viver. Passe por cima delas e aproveite cada momento. — Suas palavras foram seguidas por um beijo suave na minha testa, e senti meu coração acelerar com o carinho que ele sempre soube transmitir de forma tão natural.

Otto, então, inclinou-se mais uma vez, beijando minha têmpora com uma ternura que parecia abraçar minha alma. Seus lábios finalmente encontraram os meus, e naquele instante, todo o amor que sentíamos um pelo outro se manifestou em um único e profundo gesto. O toque era ao mesmo tempo suave e arrebatador, como se todo o calor e a segurança que eu precisava estivessem concentrados ali.

— Meu coração é totalmente seu — ele murmurou contra meus lábios, o tom carregado de emoção. — Às vezes, parece pequeno demais para conter todo o amor que sinto por você.

Fui incapaz de segurar o sorriso que brotou no meu rosto enquanto o puxava para um beijo ainda mais profundo. Otto era, sem dúvida, a pessoa que eu amava com todo o meu coração, e naquele momento, todos os medos e incertezas se dissiparam, deixando apenas a certeza de que, com ele ao meu lado, poderíamos enfrentar qualquer desafio.

Nosso beijo foi cheio de paixão e de uma cumplicidade que transcende qualquer palavra. Quando finalmente nos afastamos, nossos olhares se encontraram e, sem precisar dizer mais nada, sabíamos que estávamos juntos nessa jornada, prontos para superar qualquer escuridão que pudesse surgir.

No fim das contas, o que realmente importava era que, em meio a toda a incerteza do mundo, eu tinha Otto ao meu lado, e isso era o suficiente para me dar forças e continuar lutando.
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Gostaram?

Até a próxima 😘

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