Capítulo Seis

Marlon Shipka:

Ao deixarmos o porto, minha mente começou a formar um mapa mental do continente de Myster. A terra, que outrora fora dividida em dois grandes impérios — o Império das Rosas e o Império das Estrelas —, tinha a forma delicada de uma borboleta com as asas abertas, representando as duas metades que agora coexistiam como uma só. Essa união fez com que todos passassem a ver Otto como o imperador de ambos os territórios, um símbolo de unidade e poder.

No centro de Myster, erguia-se a majestosa Montanha Laquis, a montanha sagrada que separava o Oriente do Ocidente, um marco imponente que definia as fronteiras e a cultura dos dois antigos impérios. Era dito que para se deslocar de um lado ao outro, era necessário cruzar o mar a partir do oeste do Império das Rosas até o leste do Império das Estrelas. Sofia havia me explicado isso, e agora, a vastidão desse mundo começava a se desenhar claramente em minha mente.

Seguíamos em uma carruagem luxuosa, percorrendo as ruas do império enquanto os moradores se reuniam para nos ver passar. Alguns olhavam com reverência, curvando-se em respeito. Otto havia insistido para que eu me sentasse ao seu lado, enquanto Arthur e Steven permaneciam calmos, observando tudo ao redor. Havia uma serenidade nos olhos deles, talvez relembrando os dias em que também faziam parte da realeza, quando eram eles os destinatários de tais gestos de respeito e admiração.

Agora, porém, todos os olhares estavam voltados para Otto, que acenava suavemente para seu povo. Sua presença irradiava autoridade e segurança, e era evidente que ele havia conquistado o respeito e o amor de todos. Enquanto observava essa cena, uma sensação de peso começou a se formar dentro de mim. A responsabilidade de estar ao lado de alguém como Otto, de compartilhar de seu destino e do futuro de todo um império, era imensa.

E ali, ao seu lado, no meio daquela multidão, percebi que o caminho à frente seria cheio de desafios e escolhas que moldariam não apenas o meu destino, mas também o de todos ao meu redor.

Enquanto a carruagem continuava seu trajeto pelas ruas do império, o som das rodas sobre o pavimento se misturava aos murmúrios da multidão que nos observava. Otto, sentado ao meu lado, mantinha sua expressão serena, mas eu podia sentir a tensão invisível que se acumulava entre nós.

Por um momento, observei o perfil dele, admirando a firmeza e a confiança que exalava. Havia algo em Otto que atraía e, ao mesmo tempo, intimidava, como se ele fosse uma força da natureza, impossível de controlar ou prever. Decidi quebrar o silêncio que se alongava, sentindo a necessidade de entender melhor o homem que agora era tanto meu aliado quanto algo mais complexo.

— Você parece muito à vontade com tudo isso — comentei, tentando esconder o nervosismo que se agitava em meu peito. — Ser o imperador de dois impérios, ter todo esse poder e responsabilidade... Não é algo que pesa sobre você?

Otto virou-se para mim, seus olhos brilhando com aquela mistura inebriante de astúcia e humor que eu já começava a conhecer bem.

— Pesa, sim — respondeu ele, com uma sinceridade surpreendente. — Mas não tanto quanto você imagina. Aprendi a carregar esse fardo com o tempo. Além disso, não estou sozinho. Tenho pessoas de confiança ao meu lado... E agora, tenho você.

A última frase foi dita com um toque de suavidade que fez meu coração dar um salto. Otto estava claramente jogando comigo, mas havia uma verdade subjacente em suas palavras que eu não podia ignorar.

— Eu? — perguntei, arqueando uma sobrancelha, tentando não demonstrar o quanto aquela simples palavra havia mexido comigo. — O que exatamente você espera de mim, Otto? Você fala como se já tivéssemos tudo decidido, mas eu ainda estou tentando entender o que tudo isso significa.

Otto sorriu, um sorriso que carregava algo além de simples alegria — havia um traço de vulnerabilidade, uma abertura que raramente se via em alguém com seu status.

— O que espero de você, Marlon, é simplesmente que seja você mesmo — disse ele, com uma leveza que contrastava com a intensidade de suas palavras. — Sei que isso soa como um clichê, mas a verdade é que não preciso de um seguidor cego ou de alguém que se molde aos meus desejos. Preciso de alguém que possa me desafiar, que veja o que outros não enxergam, e que esteja ao meu lado quando o mundo inteiro estiver contra nós.

Houve um silêncio pesado entre nós, carregado de significados não ditos. As palavras de Otto eram como uma corda sendo jogada em minha direção, esperando que eu a agarrasse. Mas o que me surpreendia mais era o tom íntimo com que ele falava, como se estivéssemos compartilhando um segredo.

— Eu ainda não sei se sou a pessoa certa para isso — confessei, olhando para o horizonte que se abria à nossa frente, o vasto território que um dia poderia ser meu lar. — Mas acho que estou disposto a descobrir.

Otto se aproximou um pouco mais, e o calor de seu corpo ao meu lado me fez sentir uma estranha sensação de segurança. Ele colocou uma mão sobre a minha, um gesto pequeno, mas carregado de significado.

— Você é mais do que capaz, Marlon. Eu vejo isso em você — disse ele, a voz baixa e quase sussurrante. — E, para ser honesto, essa é uma das coisas que mais me atraiu em você desde o início.

Senti meu rosto esquentar levemente, não apenas pelo toque, mas pela intensidade com que Otto falava. Havia uma sinceridade desarmante em suas palavras, algo que eu não esperava de alguém com sua posição.

— Você sabe que não é fácil para mim... aceitar isso — respondi, a voz mais suave, quase um murmúrio. — Mas estou disposto a tentar, Otto. Talvez você esteja certo sobre nós.

Ele sorriu novamente, dessa vez um sorriso mais genuíno, livre da diversão que ele costumava exibir.

— É tudo o que eu poderia pedir, Marlon. Acredite, esse é o começo de algo que nem eu consigo prever completamente. Mas estou ansioso para ver onde isso nos levará.

Olhamos um para o outro por um momento que parecia se estender além do tempo, até que a carruagem deu uma guinada suave, quebrando o momento. Ainda assim, a conexão entre nós havia se aprofundado, e eu sabia que, de alguma forma, o que quer que viesse a seguir, enfrentaríamos juntos.

********

Quinze minutos depois, chegamos ao palácio. Otto saltou para fora da carruagem e, com um sorriso, me ajudou a descer.

Assim que toquei o chão, uma criatura imponente apareceu à nossa frente. Reparei que era um urso, mas não um urso comum — ele tinha o dobro do tamanho de um urso adulto, e seus pelos eram da cor de um céu estrelado, com olhos amarelos que brilhavam como relâmpagos. Ele se aproximou de Otto e, de forma carinhosa, deu-lhe uma lambida afetuosa.

— Marty, como está o meu garotão? — Otto falou rindo, enquanto acariciava o imenso urso, que, em resposta, balançava a pata lateral e o rabo de alegria.

Marty então se afastou de Otto e veio em minha direção. Ele cheirou o ar ao meu redor e, em seguida, abriu sua enorme boca e me deu uma lambida que me pegou de surpresa, como se tivesse levado um grande golpe, deixando-me atordoado.

Depois de me lamber, Marty fez o mesmo com Arthur e Steven, mas com uma diferença: ele rosnou e bateu a pata lateral em Steven, derrubando-o no chão. Steven ficou sentado, com um olhar confuso, enquanto Marty lambeu a bochecha de Arthur.

— Que fofura! — Arthur disse, rindo, enquanto fazia carinho na cabeça de Marty.

— Parece que ele não gostou do Steven, por isso o empurrou para longe... ou para o chão, no caso — explicou Otto com um sorriso. — Deve ser porque o Steven ainda está meio fedido.

— Fedido em que sentido? — perguntou Steven, enquanto se levantava.

— Você vomitou muito e ainda tem um pouco nas suas roupas — respondeu Arthur, o que fez Steven cheirar sua própria camisa e torcer o rosto ao sentir o cheiro.

Ri no mesmo momento em que algumas pessoas apareceram, fazendo uma enorme reverência. Uma delas era uma garota ruiva que, para minha surpresa, emanava uma quantidade impressionante de magia. Ao seu lado, havia um rapaz que parecia ter o potencial para se tornar um cavaleiro imperial.

Um homem deu um passo à frente, vestindo um manto simples e segurando um livro grosso.

— Drake Milkovich — disse Otto. — Meu conselheiro mais fiel, e vejo que já trouxe todos. Até o seu irmão está ali atrás, olhando intrigado para nós.

Olhei na direção indicada e vi o rapaz atrás da garota ruiva, observando tudo ao redor com curiosidade. Um pouco afastada do nosso grupo, Sofia estava sendo abraçada por um homem musculoso.

— Sofia já foi recebida pelo chefe real... ou melhor, pelo marido dela — disse Otto alegremente. — Eu disse que traria sua mulher de volta sã e salva.

— Eu também senti sua falta, meu amor. Dimitri, não precisa se preocupar tanto; afinal, sei muito bem me defender — respondeu Sofia, um pouco emburrada.

Quando Dimitri se dirigiu ao imperador, ele ergueu as mãos com precisão e fluidez, seus dedos se movendo com confiança enquanto formava os sinais. Seus olhos estavam fixos em Otto, e cada gesto era firme e deliberado, transmitindo uma sensação de respeito e gratidão.

Primeiro, ele levantou a mão direita, com a palma voltada para fora, e fez um leve movimento para frente, indicando "muito obrigado". Em seguida, ele uniu os dedos em um movimento que lembrava o gesto de segurar algo precioso, sinalizando "por manter a sua palavra". Ao final, Dimitri trouxe a mão direita ao peito e a moveu suavemente para fora, expressando "honrar" com uma reverência implícita em seus gestos.

Quando se voltou para Sofia, seu olhar suavizou, e seus movimentos tornaram-se mais delicados e carinhosos. Ele apontou para ela com uma leve inclinação de cabeça, antes de mover as mãos em direção ao coração, sinalizando "minha querida". Com um movimento circular, ele expressou "nunca vou deixar", seguido de um gesto que envolvia as mãos em volta do corpo, representando "me preocupar com você". A frase foi completada com um toque leve na testa e uma extensão da mão para frente, mostrando que ele sempre pensava nela, independentemente da distância ou das circunstâncias.

Cada movimento de Dimitri era carregado de emoção, tornando claro o profundo afeto e o cuidado que sentia por Sofia, enquanto suas mãos contavam uma história de amor e lealdade em silêncio.

Arthur observou os gestos suaves de Dimitri, um sorriso caloroso surgindo em seu rosto enquanto acompanhava a expressão silenciosa de afeto entre ele e Sofia. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, como se apreciasse a profundidade do momento, e disse com uma voz baixa e sincera:

— Que adorável.

As palavras de Arthur carregavam um tom de genuína admiração, refletindo o impacto da demonstração silenciosa de amor que acabara de testemunhar.

Eu observei enquanto Arthur, com um sorriso gentil, começou a mover as mãos, falando em linguagem dos sinais com Dimitri. Seus gestos eram seguros e fluídos, como se já estivesse acostumado a se comunicar dessa forma. Era evidente o respeito e a consideração em cada movimento.

Enquanto Arthur se apresentava, eu pude ver o brilho de reconhecimento nos olhos de Dimitri. Então, Arthur indicou para mim e para Steven, nos introduzindo na conversa silenciosa. Ele usou gestos simples e claros, sinalizando nossos nomes e acrescentando que estávamos felizes em conhecer Dimitri.

Eu, ainda um pouco inseguro, tentei acompanhar, imitando os gestos de Arthur com o melhor de minhas habilidades. Steven fez o mesmo, suas mãos hesitando apenas por um instante antes de se moverem com mais confiança.

Dimitri observava pacientemente, um sorriso suave se formando em seu rosto enquanto ele nos cumprimentava de volta, seus movimentos cheios de graça e acolhimento. A interação foi breve, mas carregada de significado, mostrando que, mesmo sem palavras, a conexão entre todos nós estava se fortalecendo.

Senti os olhares dos outros em cima da gente, mas estava quase mais colados em mim.

— O quê? Eu aprendi a linguagem dos sinais desde a infância — falei, surpreso com a reação de Drake.

— Claro que percebemos isso — respondeu ele, com um tom que misturava surpresa e uma análise cuidadosa. — Mas o que nos impressiona é a maneira como você sincroniza perfeitamente os movimentos das mãos com as palavras que diz. É algo que realmente se destaca. — Ele abriu o livro que segurava e me analisou com um olhar calculado, quase desdenhoso. — Devo dizer, no entanto, que você não parece ser tão impressionante quanto o imperador descreveu em suas anotações.

Fiquei momentaneamente em silêncio, encarando o conselheiro que parecia completamente cético em relação à minha presença. O que me chamou ainda mais a atenção foi o fato de que ele não possuía nenhum traço de magia em seu corpo, algo raro para alguém em uma posição tão próxima ao imperador.

Minha curiosidade foi despertada. Como alguém sem qualquer sinal de magia podia ser o conselheiro do imperador? Estar no controle de tantos assuntos importantes era algo que normalmente exigiria, pelo menos, um mínimo de poder mágico. Mas ali estava Drake, um enigma que eu não conseguia decifrar de imediato.

— Já que todos já se conhecem, por que não oferecemos algo para nossos convidados comerem? — interveio Otto, batendo palmas com entusiasmo. — E, por favor, levem as malas deles para seus respectivos quartos. — Ele então se virou para mim, seu tom ligeiramente mais sério. — Marlon, tenho alguns assuntos para resolver, mas logo mais irei chamá-lo para discutirmos o que você poderá fazer.

Assenti, sentindo uma mistura de alívio e expectativa. Ao mesmo tempo, alguns empregados que estavam à espera se aproximaram e começaram a recolher minhas malas.

Dei uma última olhada para Otto antes de seguir meu caminho, tentando decifrar os muitos mistérios que este novo ambiente e suas pessoas reservavam. Sabia que estava apenas começando a entender o que significava estar ao lado de alguém como ele, e que, em breve, minha presença ali seria posta à prova.

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Ao entrar no palácio, fui imediatamente recebido por um deslumbrante chão de mármore em preto e branco, que refletia a luz com um brilho quase hipnotizante. O piso elegante se estendia por inúmeros corredores, ladeados por portas ornamentadas e uma escadaria em curva que convidava a explorar os níveis superiores.

À minha frente, um longo corredor se estendia até imensas portas de vidro do outro lado, revelando um jardim exuberante que parecia se expandir infinitamente. O jardim era vasto, certamente maior do que a minha antiga casa, ou mesmo maior que o Jardim do Palácio Imperial de Summer. Vasos cheios de flores multicoloridas adornavam mesas dispostas ao longo do corredor, perfumando o ar com seu aroma doce e acolhedor.

Subimos a escadaria, e o segundo corredor era uma réplica quase perfeita do primeiro, exceto pelo silêncio que o preenchia, quebrado apenas pelos nossos passos suaves sobre o mármore. Os servos pararam em frente a um par de portas de madeira robustas e as abriram com uma reverência silenciosa.

O espaço que se revelou era uma sala de banquete impressionante. Uma longa mesa ocupava a maior parte do ambiente, coberta por uma variedade de pratos que pareciam saídos de um sonho gastronômico. Havia frango suculento, pão recém-assado, ervilhas tenras, peixe fresco, aspargos verdes e cordeiro assado — uma verdadeira cornucópia de delícias que fez minha boca se encher d'água instantaneamente.

— Podem se servir enquanto esperam pela presença de Sua Alteza — disse uma mulher que eu presumi ser a empregada-chefe, enquanto entrava na sala e indicava a mesa.

Sentei-me calmamente, tentando ignorar o ronco de meu estômago, e comecei a me servir com entusiasmo. Enquanto isso, notei que Steven e Arthur também estavam comendo, mas não pude deixar de perceber as cenas adoráveis que faziam como casal, o que, de algum modo, me deixou um pouco irritado.

Um a um, todos ficamos satisfeitos, e os empregados vieram buscar Steven e Arthur para que pudessem trocar de roupa e tomar um banho. Fiquei sozinho na sala, apreciando o silêncio, até que as portas se abriram novamente, revelando Otto, que entrou com um sorriso amplo estampado no rosto.

— Vejo que gostaram da comida — disse ele, sentando-se à minha frente. — Dimitri vai gostar de saber disso. Mas vamos deixar isso de lado por agora. Tenho algo importante para discutir com você. Vou designá-lo como o professor de magia dos Cavaleiros Mágicos do império. Eles têm enfrentado algumas dificuldades ultimamente, especialmente depois que a magia das nossas terras e a deles mesma começou a desaparecer.

Otto fez uma pausa, observando minha reação antes de continuar.

— A Ordem dos Cavaleiros Mágicos é uma organização essencial para a proteção do império. Esses cavaleiros são magos selecionados por meio de testes rigorosos e fazem parte dos militares do império, com a nobre responsabilidade de defender o reino contra ameaças de invasões estrangeiras e crimes locais. Eles recebem missões variadas, que podem ser realizadas individualmente ou em grupo, dependendo da urgência e da natureza da ameaça.

Enquanto Otto falava, visualizei em minha mente a estrutura e a organização dos Cavaleiros Mágicos. Ele explicou que, devido à natureza combativa dessas missões, os cavaleiros precisavam possuir grande poder mágico e serem altamente qualificados em combate. A adesão e a liderança, portanto, eram frequentemente dominadas pelos nobres, que geralmente eram os mais talentosos em magia. Contudo, o império permitia que qualquer plebeu participasse de um exame de entrada, oferecendo a chance de integrar um dos esquadrões de Cavaleiros Mágicos.

— E por que eu deveria fazer isso? — perguntei calmamente, não totalmente convencido.

— Pelo seu enorme talento com a magia — respondeu Otto, com serenidade. — Sua habilidade será inestimável para os cavaleiros, especialmente para os novatos de cada esquadrão. Já avisei os capitães sobre sua chegada ao império, e a partir de amanhã, você começará a treinar os novos recrutas.

Otto sorriu amplamente ao terminar de falar, e uma sensação gelada tomou conta do meu estômago. Havia algo na confiança e na certeza de suas palavras que me fez perceber que minha vida estava prestes a tomar um rumo inesperado e, possivelmente, bastante desafiador.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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