Capítulo Quarenta e Um

Marlon Shipka:

Nos acomodamos em uma pousada imponente, construída com blocos maciços de mármore que exalavam uma aura de grandiosidade. Ao adentrar, o interior revelou-se uma obra de arte em si, com paredes adornadas por suportes de bronze onde tochas dançavam com chamas suaves, iluminando o ambiente com um brilho quente e acolhedor. Cada detalhe ali parecia ter sido cuidadosamente planejado para impressionar e envolver os visitantes em um ambiente mágico e aconchegante.

Subimos para o quarto, mas minha mente ainda estava inquieta. Não conseguia deixar de pensar em Gurokishinia e Dorōru. Havia algo neles que mexia comigo, algo que me fazia querer estender a mão para além da escuridão em que se encontravam. Eu sabia muito bem o que é ter as trevas infiltrando-se no coração e na mente, obscurecendo a clareza dos próprios pensamentos. E talvez, por isso, sentia que não podia simplesmente deixar a situação como estava.

Sem chamar a atenção dos outros, tracei um círculo mágico no chão. Assim que saltei dentro dele, senti a familiar onda de energia me envolver, transportando-me para fora da pousada em um instante. O crepúsculo já se anunciava, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura, enquanto uma leve brisa começava a carregar o cheiro da terra úmida. Não havia avisado ninguém da minha saída. Era algo que precisava fazer sozinho, antes que a noite envolvesse completamente a floresta e a cidade.

No entanto, ao erguer os olhos para o céu, percebi que as nuvens estavam se juntando rapidamente, escuras e pesadas, prometendo uma tempestade iminente. Senti uma gota fria tocar minha pele, um prenúncio do que estava por vir. Dei alguns passos à frente, ponderando se deveria retornar à pousada antes que a chuva caísse de vez. Minha ideia de sair à procura de Gurokishinia e Dorōru parecia cada vez mais incerta. Comecei a desenhar um novo círculo mágico no chão, disposto a voltar antes que o clima piorasse, mas então hesitei.

Algo dentro de mim me impediu de completar o círculo. Era como se uma voz silenciosa, nascida das profundezas do meu ser, me pedisse para esperar, para não desistir tão facilmente. O peso da incerteza misturado à minha determinação criou um conflito interno. Sabia que essa jornada poderia ser arriscada, que enfrentar as trevas novamente poderia despertar algo que eu havia lutado tanto para superar. Mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia ignorar o chamado de tentar salvar aquelas almas perdidas.

O vento aumentou, e as folhas começaram a rodopiar ao redor. As primeiras gotas de chuva caíram com mais intensidade, mas eu continuei ali, imóvel, olhando para a floresta à frente. Sentia que aquela era uma encruzilhada — uma decisão que, por mais simples que pudesse parecer, poderia mudar muito mais do que eu imaginava. Um relâmpago cortou o céu ao longe, e o trovão que se seguiu trouxe uma estranha sensação de urgência.

Fechei os olhos por um instante, respirando fundo, e deixei a energia ao meu redor fluir. Se fosse enfrentar essa escuridão novamente, não poderia permitir que o medo ou as dúvidas me controlassem. Então, abri os olhos com nova determinação. Talvez meu plano inicial não fosse o ideal, mas recuar agora não era uma opção. Eu iria até o fim, mesmo que significasse mergulhar novamente nas sombras para trazer um fio de luz àquelas vidas despedaçadas.

Dei um último olhar para a pousada à distância, onde sabia que meus companheiros confiavam em minha liderança, e me preparei para o que estava por vir. Seja o que fosse, eu estava pronto para encarar.

*******************

Quando me vi cercado por um grupo de dez figuras encapuzadas, soube imediatamente que não seria uma conversa comum. Suas silhuetas se destacavam na penumbra, e mesmo com os rostos cobertos, senti o peso de seus olhares fixos em mim.

— Prazer em conhecê-lo, bruxo imperial, senhor Marlon — uma das figuras falou, sua voz carregada de uma insinuação que me deixou desconfiado.

— Saiam do meu caminho. Estou cansado e não tenho intenção de me associar com ninguém neste momento — respondi com frieza, sem esconder meu desinteresse.

— Não diga isso. Por que não conversa um pouco conosco? — continuou o mesmo homem, a voz suave, quase sedutora. — Não será um mau negócio para você.

— Não estou nem um pouco interessado. Vocês estão desperdiçando o tempo de vocês. Vão embora — disse, cruzando os braços e mantendo meu tom impassível.

O homem que parecia liderar o grupo tirou o capuz, revelando um rosto marcado por cicatrizes, olhos astutos e um sorriso calculista. Um por um, os outros também revelaram suas faces. Cinco tinham as características das fadas: orelhas pontudas, olhos brilhantes e uma aura etérea. Os outros eram humanos, mas havia algo de sombrio neles, algo que revelava que não eram comuns.

— Queremos ajudá-lo contra Matteo e o senhor Theorban — disse o líder, como se estivesse oferecendo a solução para todos os meus problemas.

— E o que vocês querem em troca dessa ajuda? — perguntei, mantendo meu olhar afiado. — Ninguém faz nada de graça.

— É simples — ele respondeu com um sorriso sinistro. — Queremos que você seja nosso líder. Sabemos que você possui o atributo das trevas. Queremos estar do lado vencedor. Queremos que nos faça seus cavaleiros e nos guie para derrotar nossos inimigos.

— Agora entendo — falei, deixando um suspiro escapar. — Suas palavras não me parecem confiáveis. Posso ver através das suas intenções. Sei que criaturas como vocês têm a capacidade de enxergar a magia dos outros e é isso que estão fazendo comigo agora, tentando me medir.

Ao ouvir minhas palavras, o grupo começou a murmurar entre si. Alguns sussurros ecoaram: "Ele está louco por nos recusar" e "Isso é impossível". O ambiente ficou tenso, e o zumbido de vozes tomou conta do local, se transformando em gritos de incredulidade.

Eu sabia por que estavam tão agitados. Como alguém com o atributo das trevas, eu poderia, com um simples gesto, eliminar todos ali. Isso os assustava, mas também os fascinava.

— Parece que você e seus conhecimentos se aproximaram bastante da sobrinha do senhor Theorban recentemente — o líder comentou, com um sorriso malicioso. Seus olhos brilhavam com a ameaça velada em suas palavras.

Fixei meu olhar nele, um sorriso frio surgindo nos meus lábios. — Está tentando me chantagear? Me acusando de tolice por proteger uma criança indefesa? Isso não diz respeito a você. E se já terminou de jogar suas cartas, eu vou embora.

Quando me virei para partir, senti uma mão se fechando atrás de mim. Instintivamente, invoquei minha magia, e espinhos de energia negra emergiram ao meu redor, fendendo o ar em direção aos meus agressores. Eram fracos, incapazes de condensar mana suficiente para me fazer qualquer mal. Se essa era a força deles, estavam fadados ao fracasso.

Mas, rapidamente, outros membros do grupo se moveram, bloqueando meu caminho de saída. Fecharam um círculo ao meu redor, cortando todas as minhas rotas de escape.

— Acha mesmo que pode fugir de tantas pessoas? — uma mulher perguntou, sua voz carregada de desafio.

— Vocês são tolos se pensam que podem me conter — rosnei, liberando uma onda massiva de mana sombria com um rugido que fez o chão vibrar. A pressão foi tão intensa que mais da metade deles caiu de joelhos, gemendo e xingando em desespero. Mas eu mal prestei atenção. Para mim, eram apenas obstáculos insignificantes.

— Eu não preciso de vocês ao meu lado, já sei como me defender — declarei, meu olhar perfurando o líder, que ainda se mantinha em pé, tentando se recompor.

— Só queremos ser livres e viver como bem entendermos — ele disse, com uma sinceridade inesperada em seu tom. — Você sabe o quão difícil é quando se nasce com magia das trevas ou quando se tem esse poder misturado com outra magia? Os feéricos do nosso lado foram exilados, e os humanos foram abandonados. Somos párias. Você sabe disso. A maioria das pessoas com o atributo sombrio é morta ao nascer ou quando demonstra sua magia.

— Não posso negar isso — respondi, agora mais calmo. — Elas são mortas ou abusadas até a morte. Algumas são protegidas por suas famílias, mas, cedo ou tarde, são caçadas e destruídas pelos outros. Vocês estão tentando salvar essas vidas, e isso é admirável.

— Se você entende isso, então por que não quer mudar o que as pessoas pensam? — o líder retrucou com urgência. — Queremos um mundo onde possamos viver em paz, assim como os Homens-feras conseguiram após tanto tempo.

Ele tinha razão em parte. Se eu pudesse mudar o pensamento das pessoas com um estalar de dedos, o faria. Mas sabia que a mudança verdadeira levaria tempo, esforço e sacrifícios. — Mesmo que vocês marchassem em meu nome, não mudariam as coisas de imediato. Ainda há muito ódio e medo a ser dissipado.

Me agachei, ficando ao nível do líder, e encarei-o com seriedade. — Posso ajudar, mas a verdadeira mudança depende de vocês e da vontade de lutar por um futuro melhor de maneira justa. Vocês precisam mostrar que são dignos desse mundo que desejam criar.

Ele ficou em silêncio, claramente absorvendo minhas palavras. Sabia que, no fundo, ele entendia que eu estava falando a verdade. Proteger os seus não justificava o uso de métodos errados.

Estendi a mão para ele, que me olhou com surpresa. — Vou dizer de novo: se querem a mudança da maneira correta, eu os ajudarei, mas terão que me obedecer. E faremos isso com um contrato sagrado. Se me traírem, sofrerão as consequências. — A luz brilhou entre nós quando ele finalmente pegou minha mão.

— Pelos deuses e pelos ancestrais, fazemos esse pacto — declarei, sentindo a magia selar o acordo.

O líder sorriu de leve, aliviado. — Parece que conseguimos chegar a um acordo... Então, vamos nos retirar por agora, aguardando suas ordens, meu senhor. — Ele se virou para o grupo, que o seguiu com murmúrios de respeito e reverência. — Nunca imaginei que você pudesse nos subjugar apenas com sua aura.

Eu nada respondi. Não havia mais o que dizer. Virei as costas para eles e caminhei para longe, finalmente deixando aquela clareira para trás.

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Voltei para a pousada enquanto as primeiras gotas de chuva começavam a cair, pesadas e constantes. O céu, agora completamente encoberto, anunciava uma tempestade iminente. Se eu tivesse demorado um pouco mais, estaria encharcado. Atravessando o pátio, notei a agitação dentro da recepção. Otto estava lá, claramente aflito, andando de um lado para o outro como uma tempestade em si. Assim que nossos olhares se cruzaram, ele correu em minha direção.

Sem dizer nada, ele me puxou para um abraço apertado, os braços envolvendo meu corpo como se quisesse garantir que eu realmente estava ali. Seu coração batia rápido contra o meu peito, revelando o medo e a preocupação que ele havia tentado esconder.

— Estava tão preocupado — murmurou, sua voz carregada de alívio e um toque de fragilidade. Senti os dedos dele se apertarem contra as minhas costas, como se estivesse se agarrando à certeza de que eu estava seguro.

Com um sorriso suave, comecei a fazer carinho em seus cabelos, deslizando meus dedos com gentileza. — Eu só queria tentar encontrar aqueles dois e conversar com eles — expliquei, mantendo o tom calmo para tranquilizá-lo. — Mas estou de volta, então pode se acalmar agora.

Otto não soltou o abraço. Pelo contrário, apertou ainda mais seu corpo contra o meu, como se estivesse drenando todo o medo que sentiu enquanto eu estava fora. Ele encostou o rosto em meu pescoço, inalando profundamente o meu cheiro, buscando conforto na proximidade. A sensação do toque quente de sua respiração contra minha pele era familiar, uma mistura de carinho e necessidade.

Ficamos assim por alguns momentos, sem pressa, deixando o som suave da chuva lá fora criar uma melodia tranquila ao nosso redor. Eu sabia que Otto carregava o peso de muitas responsabilidades, e era raro vê-lo tão vulnerável. Mas naquele instante, ele se permitiu ser apenas uma pessoa que precisava do calor e da segurança de um abraço, de um momento de paz no meio de tudo.

— Não quero que você desapareça assim de novo — ele sussurrou, a voz quase falhando. Havia um toque de súplica, de medo genuíno em suas palavras.

— Eu prometo que não vou te deixar preocupado desse jeito novamente — respondi, segurando-o com a mesma intensidade, deixando que ele sentisse a verdade nas minhas palavras. Ele precisava dessa garantia, e eu estava determinado a não deixá-lo carregando essa ansiedade sozinho.

Ainda abraçado a mim, Otto finalmente relaxou, seu aperto se suavizando aos poucos, mas sem se afastar completamente. Para ele, naquele momento, o simples fato de estarmos juntos, com a chuva lá fora e a segurança do meu retorno, era o suficiente para acalmar seu coração. E para mim, também era.

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Até a próxima 😘

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