Capítulo Quarenta e Nove

Marlon Shipka:

A porta, esculpida nas próprias paredes de mármore, parecia pulsar como uma criatura viva, emanando uma energia estranha e sussurrando segredos sombrios enquanto aguardava o momento certo para se abrir. Damian continuava a me observar com atenção, mas algo em seus olhos havia mudado. O cansaço que antes pesava sobre ele agora dividia espaço com uma determinação resoluta. Ele sabia que o tempo era curto, mas também compreendia a importância de eu estar preparado, não apenas fisicamente, mas mentalmente, para o que estava por vir.

— Primeiro, você precisa se fortalecer mentalmente — ele repetiu, sua voz grave, mas agora carregada de uma urgência que parecia cortar o ar ao nosso redor. — Marlun não vai apenas tentar te destruir com memórias; ele vai manipular suas emoções, usar suas dúvidas mais profundas contra você. A chave para resistir está em perceber que, por mais dolorosas que essas memórias sejam, elas não definem quem você é agora. Você precisa se ancorar no presente, na pessoa que você escolheu ser, e transformar isso na sua arma mais poderosa contra ele.

Respirei fundo, tentando absorver suas palavras. A linha entre o que eu sentia e o que era real parecia cada vez mais tênue. As vidas que emergiam em minha mente não eram apenas lembranças; eram tempestades de dor, perdas que me assombravam como se tivessem acontecido ontem. A ideia de que todas essas vidas estavam de algum modo conectadas a Marlun e à sua incessante busca por algo que ele acreditava ter me roubado era perturbadora. Eu não sabia se estava pronto para enfrentar aquilo, mas a presença sólida de Damian era como uma âncora em meio ao caos.

— Como posso fazer isso? — minha voz saiu trêmula, marcada pelo peso das eras, mas ainda assim havia uma faísca de esperança. — Como posso resistir a algo tão profundo, algo que me persegue por tanto tempo?

Damian ergueu uma de suas caudas, que brilhou com uma luz cálida e reconfortante, em contraste com a frieza opressiva das sombras de Marlun.

— Você não está sozinho nessa luta — ele disse, dando um passo à frente e tocando levemente minha testa com a ponta da cauda luminosa. No mesmo instante, uma onda de calor percorreu meu corpo, aliviando a dor que latejava na minha mente. — Vou te ajudar a fortalecer sua mente, a manter o foco no que realmente importa. Mas você precisa confiar em si mesmo e nas conexões que criou ao longo dessas vidas. Essas memórias são parte de você, mas elas não são tudo. A verdadeira força está em como você escolhe usá-las.

Fechei os olhos e deixei aquela luz suave me envolver como um abraço. As vozes e os rostos que antes eram apenas ecos de dor começaram a se dissipar, acalmando-se como o mar depois de uma tormenta. Damian estava certo — aquelas memórias, por mais agonizantes que fossem, carregavam também força, lições que poderiam se tornar minha defesa contra Marlun. Eu não precisava mais ser prisioneiro delas.

— Agora, preste atenção, humano — continuou Damian, sua voz firme como um comando. — Quando ele vier, não se deixe levar pela raiva ou pelo medo. Marlun vai usar esses sentimentos para te desestabilizar. Concentre-se no que você deseja proteger. A conexão, a humanidade que você carrega, é sua maior arma contra a escuridão que ele representa.

Quando abri os olhos, uma nova clareza tomou conta de mim. O medo e as incertezas ainda estavam lá, mas agora eram acompanhados por uma chama de determinação. Eu não estava lutando apenas por mim, mas por todas as vidas que se entrelaçaram à minha, e pela chance de, finalmente, romper esse ciclo de sofrimento.

Damian afastou a cauda, e a luz que irradiava dela se dispersou suavemente pelo ambiente, tornando o quarto menos opressor. Ele olhou novamente para a porta, e eu segui seu olhar. Sabíamos que o confronto estava próximo e que Marlun logo viria reclamar o que ele acreditava ser dele por direito.

— Está pronto? — Damian perguntou, virando-se para mim com uma seriedade que ecoava a gravidade do momento.

Assenti, sentindo o peso da responsabilidade sobre meus ombros, mas também uma sensação inédita de que, pela primeira vez, eu tinha uma chance real de lutar.

— Estou pronto.

Um leve sorriso surgiu nos lábios de Damian, um sorriso que carregava tanto orgulho quanto preocupação.

— Lembre-se, Marlun pode ser poderoso, mas o controle dele sobre as sombras e sobre suas fraquezas só será absoluto se você permitir. Se você se mantiver firme, se lembrar das conexões que te definem, ele jamais terá domínio total sobre você.

O ambiente ao nosso redor começou a vibrar, como se a própria realidade estivesse se preparando para o que estava por vir. A porta de mármore, antes apenas uma presença silenciosa, agora pulsava com uma energia frenética. Sabíamos o que isso significava: Marlun estava próximo.

Damian se posicionou ao meu lado, uma figura imponente e determinada. Juntos, nos preparamos para o confronto que, de alguma forma, já havia sido escrito muito antes de chegarmos até aqui.

********************

As paredes ao nosso redor começaram a vibrar violentamente, como se a própria estrutura estivesse despertando para um novo propósito maligno. Antes que qualquer um de nós pudesse reagir, o chão se desintegrou sob nossos pés, e fomos tragados em uma queda vertiginosa. A escuridão nos engoliu por completo, o abismo sem fundo roubando meu fôlego e espalhando uma sensação de desespero gelado em meu peito. Eu não conseguia sequer gritar; a velocidade da queda era tamanha que o ar parecia fugir dos meus pulmões.

O impacto no solo foi um choque cruel. Senti cada osso do meu corpo protestar enquanto colidia com a pedra fria e implacável. Um gemido escapou dos meus lábios, misturado ao gosto amargo do sangue. O mundo ao meu redor girava, e por um momento, tudo que existia era a dor intensa irradiando por cada fibra do meu ser. Mas antes que pudesse recuperar o fôlego, correntes saíram das sombras como serpentes famintas, enrolando-se ao redor dos meus pulsos e tornozelos com uma precisão impiedosa. Elas se prenderam com um estalo metálico, o som ecoando como um veredicto sombrio em meio à escuridão.

Virei a cabeça com esforço e vi Damian, igualmente capturado. As correntes aprisionavam suas patas e envolviam suas caudas douradas, forçando-as a se curvarem, como se tentassem arrancar cada resquício de sua luz. Ele lutava ferozmente, dentes à mostra em um rosnado de pura fúria, mas quanto mais se debatia, mais as correntes se apertavam, sugando a energia que restava. A luminosidade dourada que emanava dele estava enfraquecendo, suas faíscas se tornando pequenas cintilações desesperadas.

— Maldição! — rugiu Damian, tentando em vão romper as amarras. — Essas correntes... são forjadas na essência das trevas.

Minhas próprias mãos começaram a dormentes, o metal cortando a circulação e me deixando cada vez mais à mercê das sombras. Lutei, puxando com toda a força que tinha, mas era como tentar escapar de um pesadelo do qual não se pode acordar. As correntes respondiam ao meu desespero apertando ainda mais, até que senti o metal cravar na pele como garras afiadas.

O salão ao nosso redor era vasto e envolto em sombras. As paredes de mármore, antes majestosas, agora estavam cobertas por inscrições sinistras e símbolos que pulsavam com uma energia antiga e malévola. O ar era denso, carregado com uma opressão sufocante, como se cada respiração fosse um desafio imposto pela própria presença de Marlun.

— Bem-vindos ao verdadeiro centro do meu poder. — A voz de Marlun ressoou de todas as direções, fria e cheia de uma satisfação maligna. Ele se materializou das sombras como uma aparição vitoriosa, cada passo refletindo uma confiança assustadora. — Daminas, eu esperava que fosse mais cuidadoso com o que restava deste lugar.

Marlun emergiu totalmente da escuridão, caminhando em nossa direção com uma calma perturbadora. Seus olhos brilhavam com um prazer sinistro enquanto observava as correntes que nos mantinham presos, como um artista admirando sua obra-prima. Seu sorriso era gélido, o tipo de sorriso que só pertence a alguém que já conhece o desfecho da batalha.

Ele parou diante de mim, inclinando-se ligeiramente enquanto seus olhos se cravavam nos meus, como se quisesse despir minha alma.

— Marlon... — murmurou ele, com desprezo calculado. — Você se acha diferente, especial, crente de que essas memórias podem lhe dar poder. Mas tudo que elas fazem é te amarrar ainda mais ao ciclo que eu criei. E agora, você vai ver o que acontece quando um fragmento tenta resistir ao destino que foi escrito para ele.

Com um simples estalar de dedos, as correntes se apertaram com uma violência devastadora. A dor explodiu pelo meu corpo, um tormento que parecia rasgar não só a carne, mas a própria essência da minha alma. Um grito incontrolável escapou dos meus lábios, ecoando pelo salão enquanto cada pensamento e cada memória se fragmentavam sob o peso esmagador das correntes.

Damian, mesmo preso, mesmo drenado de sua energia, não se rendeu. Seus olhos ainda ardiam com uma determinação feroz. Ele forçou um sorriso desafiador, um brilho que desafiava a escuridão.

— Você pode tentar me prender, pode tentar apagar minha luz... mas nunca conseguirá destruir o que Marlon realmente é! — bradou ele, sua voz ecoando com uma força que parecia sacudir até as sombras.

Marlun apenas inclinou a cabeça para o lado e riu, um som baixo e gelado que reverberou pelas paredes como um presságio sombrio.

— Isso é o que você acredita... mas a esperança é o maior dos enganos.

As palavras de Marlun, impregnadas de veneno, pareciam infiltrar-se em cada recanto daquele salão, enquanto a escuridão se adensava ao nosso redor. Eu podia sentir o peso da derrota tentando me esmagar, mas em algum lugar profundo dentro de mim, uma centelha resistia. Eu sabia que, por mais aterrorizante que fosse aquele momento, havia algo dentro de mim — algo além das memórias, além das dores — que ainda não havia sido quebrado.

E essa pequena faísca de luz era tudo o que eu precisava para continuar lutando.

— Eu não vou deixar você pegar minha alma! — rosnei, minha voz saindo rouca e carregada de dor. Marlun apenas riu, um som baixo e gélido que reverberou pelo salão. Com um movimento calculado e cruel, ele segurou meu queixo, forçando-me a erguer a cabeça e encará-lo. Seus dedos eram frios como gelo, e o toque parecia corroer a última fagulha de resistência dentro de mim.

— Há tantas maneiras de capturar sua alma, meu caro, sem que você precise me permitir entrar — sussurrou ele com uma voz lenta e cortante, como uma lâmina perfurando carne. As sombras ao nosso redor estremeceram, agitadas, como predadores à espreita de uma presa. — Seus amigos já cruzaram meu caminho, mas... não se preocupe. Vou deixar alguns presentinhos para eles lá fora. Apenas para garantir que eles entendam a futilidade de resistir.

Com um estalar de dedos, as sombras começaram a se mover de forma agitada, contorcendo-se e dançando como entidades vivas. Seus movimentos eram erráticos e ameaçadores, formando figuras indistintas e sussurros macabros que preenchiam o ar. Eu sabia que aquilo não era apenas para me amedrontar — era uma promessa do que estava por vir.

Eu tentei me libertar, mas as correntes apenas se apertaram ainda mais. Marlun observava cada tentativa com um sorriso cruel, saboreando minha luta em vão. O salão parecia se fechar ao nosso redor, a escuridão se adensando, até mesmo o brilho remanescente de Damian estava quase extinto.

— Você acha que pode escapar deste destino? — Marlun continuou, a voz cheia de uma confiança maligna. — Cada tentativa de resistir só alimenta mais as correntes. Você pode sentir, não pode? O desespero crescendo, a escuridão se alimentando dos seus medos e das suas fraquezas.

Suas palavras eram como veneno, mas eu me recusei a ceder. Havia algo dentro de mim, uma pequena chama que ainda queimava, se recusando a ser apagada. Olhei nos olhos de Marlun, encontrando apenas o abismo frio de sua alma, mas, mesmo assim, murmurei com a voz rouca:

— Eu não sou uma marionete... e eu vou lutar até o fim, mesmo que você pense ter vencido.

Marlun inclinou a cabeça, avaliando minha resposta com uma curiosidade perversa. Ele não precisava dizer mais nada; sua risada baixa e sinistra já dizia o suficiente. As sombras ao redor continuaram a se mover, preparando o cenário para a batalha final, enquanto o peso do destino se aproximava de nós como uma tempestade inevitável.

— Nem para rever seus pais novamente? — A voz de Marlun saiu como um sussurro venenoso, se arrastando pelo ar como uma serpente. — Eu sei que, no fundo, você deseja desesperadamente rever os pais que perdeu nesta vida.

Suas palavras foram como um golpe direto no peito, atingindo o que restava das minhas defesas. Senti meu coração vacilar, as lembranças surgindo como fantasmas — imagens de sorrisos que nunca mais veria, de abraços que haviam sido arrancados de mim por essa maldita guerra. A dor que pensei ter enterrado profundo demais para ser alcançada voltou à tona com uma intensidade esmagadora. Ele sabia. Ele sempre soube.

Marlun sorriu, seus olhos sombrios refletindo uma satisfação perversa enquanto observava a dúvida e o conflito crescerem dentro de mim. Ele se aproximou, suas palavras como garras que cravavam na minha mente.

— Tudo o que você precisa fazer é ceder. Deixar de lado essa resistência inútil. Pense nisso, Marlon... Ver o rosto deles mais uma vez. Sentir o calor do amor que perdeu. Eu posso dar isso a você. Só precisa me deixar entrar.

As sombras ao redor de nós se agitavam, como se estivessem à espera da minha rendição. Marlun se deliciava com o momento, sabendo exatamente onde atacar, onde explorar minha fraqueza mais profunda. E, por um segundo — um segundo que pareceu se estender por uma eternidade —, a tentação quase me quebrou. O desejo de ver aqueles rostos queridos mais uma vez, de sentir o abraço dos meus pais, era uma dor antiga e sempre presente.

Mas então, algo dentro de mim se rebelou. Uma centelha de raiva, de indignação. **Ele** estava tentando usar o que havia de mais sagrado para me dobrar. As memórias de meus pais, por mais dolorosas que fossem, não eram para serem profanadas por alguém como Marlun. Eles não eram uma moeda de troca; eram a força que me mantinha de pé, mesmo em meio ao desespero.

Ergui os olhos, encontrando os de Marlun com uma determinação renovada. A dor ainda estava lá, mas agora havia algo mais forte. Algo que ele não poderia roubar.

— Meus pais... — sussurrei, cada palavra carregada de amargura e dor, mas também de resistência. — Eles não iriam querer que eu trocasse quem sou, ou o que defendo, por uma ilusão criada por você.

O sorriso de Marlun vacilou por um breve instante, mas logo ele o recompôs, a malícia ainda dançando em seus olhos.

— Oh, como você é ingênuo — zombou ele. — Acredita mesmo que sua força é suficiente para resistir a mim? Cada pedaço de dor que você sente só me torna mais forte.

Mas dessa vez, não cedi ao medo. A memória dos meus pais não era uma fraqueza; era uma lembrança da razão pela qual eu estava lutando, do que realmente importava.

— Pode tentar quanto quiser, Marlun — declarei com firmeza. — Mas não vou deixar que use as lembranças daqueles que amo como uma arma contra mim.

As sombras ao redor tremeram, como se sentissem a mudança na atmosfera. Marlun estreitou os olhos, percebendo que sua estratégia não havia sido suficiente para me quebrar. Eu ainda estava ali, ferido, cansado, mas com a chama da resistência acesa.

E essa chama, por menor que fosse, seria suficiente para continuar lutando.

— Mas já permitiu. — A voz de Marlun gotejava triunfo e crueldade, cada palavra carregada de um prazer sombrio enquanto ele se aproximava. Antes que eu pudesse reagir, sua mão atravessou meu peito como se meu corpo fosse feito de névoa. Uma dor lancinante me atingiu, não apenas física, mas como se ele estivesse arrancando a essência da minha alma. — Venha a mim, minha doce parte. — Suas palavras eram um chamado, uma ordem que reverberava dentro de mim, como uma voz antiga e familiar sussurrando nas profundezas do meu ser.

Tentei resistir, mas era como lutar contra uma maré implacável. Meu corpo paralisou, cada músculo rígido enquanto uma escuridão insidiosa começava a se espalhar a partir do ponto onde sua mão me atravessava. Senti a luz dentro de mim vacilar, se debater como uma chama prestes a ser sufocada.

— Não... — A palavra escapou dos meus lábios em um sussurro fraco, quase imperceptível. Minha visão começou a escurecer, e o mundo ao redor se dissolveu em sombras profundas e turvas. A luz negra que emanava de Marlun cresceu, consumindo o ambiente com uma fome voraz, como se estivesse absorvendo não apenas o espaço físico, mas também a esperança, a resistência, e qualquer traço de vida.

O salão antes opressor foi devorado pela escuridão absoluta, uma vastidão onde o tempo e o espaço não faziam mais sentido. A última coisa que vi foram os olhos de Marlun, brilhando com uma satisfação doentia, antes de ser engolido pelo vazio. Não havia mais som, nem dor, apenas o eco distante de um vazio avassalador, um abismo sem fim.
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Gostaram?

Até a próxima 😘

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