Capítulo Quarenta e Dois
Marlon Shipka:
Ainda abraçados, ficamos ali por um tempo que parecia suspenso, ignorando a passagem dos minutos enquanto a chuva lá fora se intensificava. Cada gota que batia contra as janelas da pousada parecia ressoar dentro de nós, misturando-se ao ritmo constante de nossas respirações. Otto finalmente se afastou um pouco, mas manteve as mãos em meus ombros, os olhos fixos nos meus, como se quisesse se certificar de que eu realmente estava ali, seguro e intacto.
— Eu sei que você pode lidar com qualquer coisa, mas isso não impede que eu me preocupe. — Sua voz estava mais suave agora, mas ainda havia um resquício de tensão. — Quando não te vi por tanto tempo, minha mente imaginou o pior.
Acariciei sua bochecha com o polegar, sentindo a pele quente sob meu toque.
— Eu entendo. Não vou mais sair sem avisar, principalmente quando sei que isso te deixa assim. — Meu tom era firme, mas havia um calor na maneira como falei, um sinal de que eu estava consciente do que ele sentia.
Otto soltou um suspiro, finalmente permitindo-se relaxar por completo.
— Eu confio em você, sempre confiei. Só... não quero te perder. — Ele fechou os olhos por um instante, como se estivesse lidando com pensamentos difíceis de expressar. Quando os abriu novamente, o brilho em seus olhos estava mais calmo, como o mar após uma tempestade.
— Eu sei, e estou aqui — reiterei, minha voz quase um sussurro. — Agora vamos subir e deixar essa chuva lá fora. Você precisa descansar.
Ele assentiu, e, com um último olhar de cumplicidade, começamos a subir as escadas. A pousada era aconchegante, o som da madeira rangendo sob nossos pés e o calor das tochas nas paredes criavam uma sensação de segurança. Sabia que Otto estava esgotado, tanto física quanto emocionalmente, e eu queria garantir que ele tivesse um momento de paz.
Ao chegarmos ao quarto, Otto foi direto para a janela, observando a chuva torrencial que caía. Eu o segui e coloquei minha mão em sua cintura, puxando-o levemente para mais perto. A cena lá fora era caótica, mas ali dentro, o ambiente era tranquilo, envolto em uma aura de quietude. Era um contraste que parecia refletir nossas próprias emoções — a turbulência externa e a serenidade que tentávamos manter dentro de nós.
— Sabe, às vezes me pergunto como seria simplesmente fugir para um lugar onde nada disso importasse — Otto comentou, o olhar distante. — Sem responsabilidades, sem guerras ou conspirações. Apenas nós dois, vivendo uma vida simples.
— Pode parecer tentador, mas você sabe que, no fundo, nós não conseguiríamos ficar longe de tudo por muito tempo. Faz parte de quem somos — respondi com um sorriso leve.
Ele riu suavemente, assentindo. — Você tem razão. Mas sonhar com isso de vez em quando não faz mal.
Ficamos ali, lado a lado, observando a chuva, sem a necessidade de dizer mais nada. As palavras haviam cumprido seu papel, e o silêncio confortável que se instalou era tudo de que precisávamos. Com o tempo, o cansaço começou a pesar, e logo estávamos acomodados na cama, o som rítmico da chuva agora uma melodia distante, embalada pelo calor que compartilhávamos.
Otto repousou a cabeça no meu peito, e seus braços me envolveram de forma protetora, como se quisesse garantir que eu não desapareceria novamente. Eu passei a mão pelos seus cabelos, um gesto que sabia que o acalmava. Aos poucos, senti sua respiração se tornar mais lenta e ritmada, sinal de que o sono estava começando a tomar conta.
Mas antes que ele adormecesse por completo, murmurou algo quase inaudível:
— Obrigado por estar aqui.
Meu peito se apertou com aquela confissão simples e sincera.
— Sempre estarei — respondi, com igual sinceridade.
E então o deixei se perder no sono, sabendo que, pelo menos por essa noite, ele poderia descansar com a certeza de que estávamos juntos, enfrentando o que quer que o futuro trouxesse, lado a lado.
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Eu me sentei na beirada da janela, o ar frio e úmido tocando minha pele enquanto a chuva caía em um ritmo constante. Foi então que vi, no meio da escuridão, algo inesperado: enormes asas de fadas brilhando suavemente sob as gotas de chuva. Elas se moviam com uma leveza quase sobrenatural, cortando o ar com uma graça etérea. Olhei para Otto, que dormia tranquilamente, sua respiração calma e regular, completamente alheio ao que estava acontecendo lá fora. Um conflito interno se desenrolou em mim por um momento, mas então mordi o lábio e tomei minha decisão. Não podia ignorar aquilo.
Sem fazer barulho, pulei pela janela e senti o vento gelado me envolver enquanto descia em direção ao solo. Aterrissei suavemente, como uma folha caindo, e imediatamente corri em direção à floresta, o som das gotas de chuva sendo esmagadas sob meus passos rápidos.
Ao chegar à clareira, eles estavam lá. Gurokishinia e Dorōru surgiram das sombras, suas presenças tão imponentes quanto antes. As asas de Gurokishinia cintilavam suavemente, refletindo a luz das poucas estrelas visíveis através das nuvens escuras. Dorōru, com sua figura massiva e expressão severa, parecia mais uma estátua antiga esculpida por mãos hábeis.
— Vocês não foram embora — falei, meu tom um misto de surpresa e questionamento.
Gurokishinia cruzou os braços, as asas se recolhendo lentamente, quase como se tivessem sido desligadas. — Não conseguimos. Algo nos impediu. Talvez, uma parte de nós ainda queira ouvir o que você tem a dizer.
— Ou talvez — Dorōru interrompeu, sua voz grave como trovão distante — sejamos apenas tolos demais para abandonar este lugar. Traidores ou não, é difícil simplesmente desaparecer sem resolver certas questões.
Senti a chuva escorrer pelo meu rosto, misturando-se ao calor da adrenalina que pulsava em minhas veias. Eu havia esperado uma decisão deles, mas não contava com essa hesitação. Dei um passo à frente, tentando entender o que realmente os segurava ali.
— Ainda existe algo dentro de vocês que busca redenção, por mais que tentem negar — disse, observando a reação deles. — Vocês podem achar que a escuridão tomou conta de tudo, mas é óbvio que algo os trouxe de volta para mim, e não foi só a chuva ou a chance de fuga. Vocês ainda querem lutar por algo maior, mesmo que isso signifique enfrentar os próprios demônios.
Os olhos de Gurokishinia brilharam com um toque de tristeza misturada à esperança. — Palavras bonitas, mas o que realmente espera de nós? Não somos heróis. Não somos mártires. Somos criaturas quebradas, condenadas por nossos próprios erros.
— Talvez vocês não sejam heróis, mas o fato de estarem aqui significa que ainda há uma escolha a ser feita. Vocês podem continuar fugindo ou podem se redimir, não por glória ou reconhecimento, mas pelo desejo de algo mais. Uma nova chance de fazer diferente — repliquei, com convicção.
Dorōru fechou os olhos por um momento, como se estivesse ponderando minhas palavras. — Se aceitarmos lutar ao seu lado, o que exatamente você espera de nós?
— Que vocês deem o primeiro passo para deixar o passado para trás. Que lutem ao nosso lado não apenas para derrotar Theorban e Matteo, mas para provar que não são mais as criaturas que permitiram que as trevas os dominassem. Se ainda há algo de bom dentro de vocês, é hora de mostrá-lo.
Um silêncio carregado pairou no ar enquanto ambos trocavam olhares, considerando a oferta. O vento soprou, agitando as árvores ao redor, e as gotas de chuva caíram com mais intensidade.
Gurokishinia deu um longo suspiro e baixou a cabeça, como se estivesse aceitando o peso da decisão.
— Vamos lutar, mas com uma condição: não nos trate como seus subordinados. Queremos lutar como iguais. Se vamos buscar redenção, que seja por mérito próprio.
Assenti. — Vocês terão essa chance. Mas lembrem-se: redenção é uma estrada longa e árdua. E não há garantias.
Dorōru soltou um grunhido que poderia ter sido uma risada.
— Não esperamos nada menos do que isso.
Eu me virei, sentindo um alívio silencioso dentro de mim.
— Vamos. A noite ainda guarda muitos perigos, e eu preciso estar de volta antes que Otto perceba que saí novamente.
Enquanto voltávamos à pousada, senti uma estranha mistura de esperança e apreensão. A jornada deles estava apenas começando, assim como a nossa. Mas, pelo menos por enquanto, eu sabia que o destino nos unira por uma razão maior do que qualquer um de nós poderia prever.
Ao longe, as luzes da pousada brilhavam como um farol, e dentro dela, alguém que sempre foi meu porto seguro aguardava. Talvez, afinal, o caminho para a redenção não fosse tão solitário quanto parecia.
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Retornamos à pousada sob o manto da noite, a chuva agora uma torrente contínua que encharcava o solo e nos envolvia como um véu de escuridão e água. Gurokishinia e Dorōru seguiram em silêncio, suas presenças imponentes contrastando com a sensação de quietude que se instalava em nós. A decisão que haviam tomado era um marco para eles, e mesmo que o caminho à frente fosse incerto, algo havia mudado — uma pequena faísca de esperança acesa em meio às trevas.
Ao nos aproximarmos, as luzes da pousada cintilavam suavemente, oferecendo um contraste acolhedor contra o clima tempestuoso. Fiz sinal para que eles permanecessem nas sombras, enquanto eu me dirigia para a entrada. Sabia que o momento deles aparecerem diante dos outros ainda não havia chegado. Era preciso dar tempo para ajustar as peças desse novo e delicado cenário.
Ao atravessar a porta da pousada, o calor me envolveu instantaneamente, e o som da chuva foi abafado pelas paredes grossas. Otto ainda estava no quarto, e a visão de sua figura adormecida me trouxe um alívio profundo. Seu rosto sereno, relaxado no sono, era o oposto da tensão que eu carregava lá fora.
Me aproximei com cuidado, tentando não fazer barulho enquanto me movia. Mas, ao me deitar ao seu lado, ele se mexeu, despertando levemente. Seus olhos se abriram, ainda enevoados pelo sono, mas logo se fixaram em mim com uma mistura de preocupação e alívio.
— Você saiu de novo... — murmurou, a voz ainda carregada pelo cansaço. — Pensei que não fosse mais me deixar preocupado assim.
Sorri suavemente, deslizando minha mão até a dele. — Eu voltei, não voltei? Precisava resolver uma última coisa, mas agora estou aqui, ao seu lado.
Ele se aproximou, colocando a cabeça em meu peito, e seu braço se apertou ao meu redor, como se temesse que eu desaparecesse de novo. — Você é teimoso — murmurou, com um toque de carinho.
— E você se preocupa demais — repliquei com uma leve risada, mas o abracei com mais firmeza, sentindo a tranquilidade que sua presença me trazia.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo a chuva lá fora. O mundo parecia distante, e naquele momento, nada mais importava além do calor que compartilhávamos. Sentia que, não importa o que o futuro reservasse, enquanto estivéssemos juntos, seria possível enfrentar qualquer coisa.
— Amanhã será um novo dia — murmurei, mais para mim mesmo do que para ele.
— Um dia cheio de desafios, como sempre — ele respondeu, já quase adormecendo novamente.
Assenti, fechando os olhos e me deixando levar pelo ritmo suave da respiração de Otto. Gurokishinia e Dorōru agora tinham um papel a desempenhar, e o caminho que estávamos trilhando estava prestes a se tornar ainda mais complexo e perigoso. Mas naquela noite, sob o abrigo da pousada e no calor dos braços de quem significava tanto para mim, me permiti um breve momento de paz.
O futuro traria suas batalhas, suas decisões difíceis e as sombras que teríamos que enfrentar juntos. Mas, por agora, o simples ato de estarmos ali, lado a lado, era suficiente para recarregar as forças e renovar a determinação.
A tempestade lá fora poderia rugir o quanto quisesse. Dentro daquele quarto, havia uma luz — frágil, mas verdadeira. E enquanto essa luz persistisse, eu sabia que ainda havia esperança, tanto para mim quanto para aqueles que, como Gurokishinia e Dorōru, buscavam uma segunda chance.
Com esses pensamentos, finalmente deixei o cansaço me levar, fechando os olhos e me entregando ao sono. O amanhã nos aguardava, mas por agora, estávamos seguros, juntos, e prontos para o que viesse a seguir.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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