Capítulo Quarenta e Cinco
Marlon Shipka:
Decidi não contar a Otto, ou a mais ninguém, sobre o que Lunerio havia me revelado. A informação era pesada demais, algo que, se mal interpretado, poderia espalhar pânico e desconfiança entre nossos aliados. Além disso, precisava de tempo para processar tudo e entender as implicações do que eu havia descoberto.
Enquanto caminhava pelos corredores do castelo, com seus arcos imponentes e tapeçarias que contavam histórias antigas, sentia o peso do segredo que agora carregava. Cada olhar, cada conversa, parecia tingido com uma camada extra de tensão, como se a própria atmosfera estivesse impregnada pelo conhecimento sombrio que eu mantinha oculto.
Otto, sempre atento, percebeu a mudança em meu comportamento. Ele não disse nada diretamente, mas seus olhares demorados e os momentos de silêncio entre nós deixavam claro que ele sabia que algo estava me incomodando. Mesmo assim, não fiz menção de dividir o fardo com ele. Não podia — ou melhor, não queria envolvê-lo em algo tão perigoso e insidioso. Eu precisava lidar com isso sozinho, pelo menos por enquanto.
Durante as reuniões com nossos aliados, a presença de Gurokishinia e Dorōru já causava certo desconforto entre os mais conservadores. Eu sabia que, se soubessem da ameaça que pairava sobre nós — uma entidade capaz de acorrentar almas e distorcer a própria realidade —, a situação sairia de controle rapidamente. Os nobres, já desconfiados, poderiam usar essa informação como pretexto para se afastar ou, pior, para tramar pelas costas.
No entanto, manter esse segredo era uma lâmina de dois gumes. Enquanto eu me preocupava em proteger aqueles ao meu redor, também sentia que estava me isolando. A cada passo que dava, o peso da responsabilidade aumentava, e a escuridão que rondava o castelo parecia se aproximar cada vez mais, como se estivesse esperando o momento certo para atacar.
Passei noites em claro na biblioteca, revisando textos antigos e consultando qualquer referência que pudesse me ajudar a entender mais sobre o deus dos laços e grilhões. Mas o silêncio das páginas empoeiradas apenas confirmava o que Lunerio dissera: essa divindade havia sido deliberadamente apagada da história. Era como se sua existência tivesse sido um segredo enterrado, destinado a nunca ser redescoberto.
Eu sabia que, eventualmente, teria que enfrentar essa ameaça diretamente. Não havia como evitar o confronto, não quando minha própria alma parecia estar no centro dos planos dessa entidade. Mas até lá, precisaria me fortalecer e encontrar uma maneira de proteger não apenas a mim, mas todos aqueles que dependiam de mim.
As palavras de Lunerio ecoavam constantemente em minha mente: "Nem toda escuridão precisa ser banida. Às vezes, ela pode ser usada a seu favor."
Havia uma parte de mim que compreendia essa lógica, que via o apelo em usar a escuridão como uma arma contra meus inimigos. Mas ao mesmo tempo, sabia que essa linha de pensamento era perigosa, uma armadilha cuidadosamente tecida para me levar exatamente onde o deus dos laços queria.
Por enquanto, o silêncio seria minha melhor defesa. Sabia que, se compartilhasse o que havia aprendido, as perguntas viriam, as suspeitas cresceriam, e o equilíbrio frágil que estávamos tentando manter poderia desmoronar. Mas eu também estava ciente de que esse segredo não poderia ser guardado para sempre. Eventualmente, a verdade teria que ser revelada — mas eu esperaria até o momento certo, quando estivesse pronto para lidar com as consequências.
Enquanto isso, a busca por Matteo e Theorban continuava, e as peças no tabuleiro se moviam com uma rapidez assustadora. Eu precisaria estar um passo à frente de todos, tanto dos aliados quanto dos inimigos, se quisesse garantir que, quando o verdadeiro confronto chegasse, estivesse preparado para enfrentar o que quer que estivesse esperando por mim nas sombras.
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Naquela manhã, quando me levantei, percebi que estava sozinho no quarto. O espaço parecia mais frio sem a presença de Otto, e o silêncio pesado indicava que ele havia saído bem cedo. Sobre a mesa, encontrei um bilhete escrito com sua caligrafia apressada:
"Fui até os cavaleiros para discutir estratégias. Estão acontecendo inúmeras invasões em várias regiões do império. Precisamos reagir rápido. Volto assim que possível. Cuide-se. – Otto."
Suspirei, sentindo um peso crescente no peito. As invasões estavam se tornando cada vez mais frequentes, e a tensão que permeava o império era quase palpável. Cada nova notícia trazia mais preocupação e menos tempo para reagir. Sabia que Otto estava fazendo o possível para manter o controle da situação, mas era evidente que estávamos sendo pressionados de todas as direções.
Levantei-me, ainda tentando afastar o cansaço da noite anterior, e comecei a me arrumar. Havia muito a fazer, e a ausência de Otto significava que eu teria que lidar com certas questões por conta própria. Eu também precisava estar atento ao que Lunerio havia me contado, mesmo que ainda não tivesse decidido como agir em relação a essa nova ameaça.
Enquanto me preparava para sair, comecei a pensar nas invasões. Elas não eram simples ataques desorganizados. Havia um padrão nas regiões afetadas, como se alguém estivesse testando nossas defesas, sondando nossos pontos fracos. Matteo e Theorban, sem dúvida, estavam por trás disso, mas não consegui evitar a sensação de que havia mais alguém mexendo os fios, alguém que preferia operar nas sombras.
Decidi ir até a biblioteca primeiro, onde poderia revisar alguns mapas e talvez identificar o que estava realmente acontecendo. Precisava encontrar uma conexão, algo que pudesse me dar uma vantagem antes que as invasões saíssem completamente do controle.
Enquanto caminhava pelos corredores vazios do castelo, o eco de meus passos ressoava nas paredes de pedra. O ambiente estava mais silencioso do que o normal, quase opressivo. Todos os que restavam no castelo estavam focados em suas tarefas, preparando-se para o pior.
Ao chegar à biblioteca, fui direto aos mapas das regiões do império. Estendi-os sobre uma mesa longa e comecei a traçar as rotas dos ataques recentes, tentando visualizar qualquer padrão que pudesse estar escondido ali. Após alguns minutos de análise, percebi algo alarmante: as invasões pareciam estar seguindo um caminho em espiral, convergindo em direção ao coração do império.
Isso não era uma coincidência. Quem quer que estivesse orquestrando esses ataques estava tentando cercar e isolar nossa posição, sufocando-nos lentamente. Era uma estratégia paciente e meticulosa, algo que eu não associaria diretamente a Matteo ou Theorban. Isso cheirava a uma inteligência diferente — talvez até aquela figura sombria que Lunerio mencionara.
Enquanto analisava as possíveis rotas e pontos de ataque, comecei a planejar maneiras de contra-atacar e, ao mesmo tempo, fortalecer nossas defesas. Sabia que precisaria compartilhar essa descoberta com Otto assim que ele retornasse. Precisávamos agir rápido para impedir que nossos inimigos conseguissem cercar totalmente o império.
No entanto, por mais que o cenário militar fosse preocupante, não pude evitar que meus pensamentos voltassem ao encontro com a figura na biblioteca. Se ele realmente estava envolvido de alguma forma, essas invasões poderiam ser apenas o prelúdio para algo muito mais sombrio.
Teria que manter isso em mente enquanto traçava nossos próximos passos. O tempo estava contra nós, e cada movimento errado poderia nos custar muito mais do que apenas território.
Determinado, voltei minha atenção para os mapas, esperando que, quando Otto voltasse, pudéssemos coordenar uma resposta eficaz e começar a reverter essa maré de ataques. Sabia que o futuro do império estava em jogo — e que não podíamos falhar.
— Marlon, aí está você — ouvi a voz familiar de Steven enquanto ele entrava na biblioteca, interrompendo meus pensamentos.
Levantei o olhar dos mapas e o encontrei parado na entrada, com uma expressão de alívio e determinação misturadas. Steven era um dos poucos em quem eu sabia que podia confiar plenamente, mas até ele parecia carregar o peso das últimas semanas nos ombros.
— Estava me perguntando quando você apareceria — respondi com um leve sorriso, tentando aliviar a tensão que permeava o ambiente. — Algo aconteceu?
— Otto me mandou procurar você. As coisas estão ficando complicadas lá fora — ele disse, aproximando-se e olhando para os mapas espalhados pela mesa. — Estamos sendo atacados em várias frentes ao mesmo tempo. Ele queria que você soubesse que os cavaleiros já estão se movendo, mas precisamos de um plano para coordenar nossas forças antes que as defesas comecem a ruir.
Assenti, já ciente da gravidade da situação. — Estava justamente analisando as rotas das invasões. Elas não estão acontecendo de forma aleatória. Veja isso — apontei para o padrão em espiral que começava a se formar nos mapas. — Eles estão tentando cercar o coração do império, sufocando-nos pouco a pouco. Se continuarem com essa estratégia, logo estaremos completamente isolados.
Steven se inclinou sobre a mesa, examinando os mapas com atenção. — Isso faz sentido. Otto desconfiava que houvesse uma tática maior por trás desses ataques, mas ele ainda não tinha uma visão clara. Isso... isso é diferente do que costumávamos ver de Matteo e Theorban. Quem quer que esteja por trás disso, está operando com um nível de precisão assustador.
— Exatamente — concordei, cruzando os braços enquanto refletia. — Eu suspeito que haja outra força por trás disso, alguém com um tipo diferente de poder e influência. Não posso dar todos os detalhes agora, mas precisamos considerar que estamos lidando com uma ameaça que vai além do convencional.
Steven me olhou com uma expressão cautelosa, claramente intrigado.
— Há algo mais acontecendo que você não está contando, não é?
Eu hesitei por um momento, ponderando se deveria revelar o que Lunerio havia me contado. Steven era de confiança, mas ainda havia muitas peças soltas que eu precisava entender melhor antes de compartilhar tudo. No final, decidi manter o foco na situação imediata.
— Sim, mas por enquanto, nosso foco precisa ser deter essas invasões e impedir que o cerco se complete. Podemos discutir o resto quando tivermos mais informações concretas.
Steven assentiu, compreendendo que havia uma linha tênue entre o que eu estava disposto a compartilhar agora e o que poderia vir à tona depois. — Certo. E qual é o plano?
— Precisamos redistribuir nossas forças de maneira mais estratégica. Otto já está com os cavaleiros, mas quero que você o ajude a montar patrulhas móveis que possam reagir rapidamente a novos focos de invasão. Além disso, temos que enviar batedores para identificar os pontos de convergência dessas rotas. Se conseguirmos descobrir onde nossos inimigos estão se concentrando, poderemos antecipar seus movimentos e quebrar essa espiral antes que seja tarde demais.
Steven acenou com determinação, já se preparando para seguir as instruções.
— Vou falar com Otto e coordenar os cavaleiros. Confio que você continuará montando a estratégia daqui?
— Sim. Vou continuar mapeando os padrões e tentar identificar o próximo movimento deles. Assim que tiver algo mais concreto, chamarei você e Otto para discutirmos as próximas ações.
Ele me lançou um último olhar, dessa vez com uma leve preocupação.
— Só... não se sobrecarregue, Marlon. Sei que você está lidando com muito mais do que está dizendo.
Sorri de leve, apreciando a preocupação genuína de Steven.
— Vou tomar cuidado, não se preocupe. Vá agora e cuide dos cavaleiros.
Com um aceno rápido, Steven saiu da biblioteca, deixando-me novamente sozinho com os mapas e as preocupações que se amontoavam em minha mente. Eu sabia que o tempo estava contra nós, mas a presença de aliados como Steven e Otto dava-me a força necessária para continuar. Mesmo com as sombras crescendo ao nosso redor, estávamos prontos para lutar. E eu estava determinado a não deixar nossos inimigos vencerem, não importava o que tivessem à espreita.
Suspirei, sentindo o peso das responsabilidades se acumulando, quando, de repente, o som ensurdecedor de uma explosão ecoou pelo castelo. O chão tremeu sob meus pés, e as paredes ao redor vibraram com a força do impacto. Por um breve momento, o tempo pareceu parar enquanto eu processava o que acabara de acontecer.
A primeira explosão.
Os ecos se espalharam pelos corredores, seguidos pelo som distante de gritos e passos apressados. O caos começou a se desenrolar como uma cortina se rasgando, trazendo consigo uma onda de pânico e confusão. Corri até a janela mais próxima e, ao olhar para fora, vi fumaça negra subindo de uma das alas do castelo. Isso não era um simples ataque. Eles tinham conseguido nos atingir onde menos esperávamos: dentro das muralhas do próprio palácio.
Minha mente disparou em várias direções ao mesmo tempo. Isso não era coincidência; era claramente parte da estratégia para nos desestabilizar por completo. Os inimigos tinham conseguido romper nossas defesas externas e agora estavam dentro, atacando o coração do império.
Sem perder tempo, me virei e corri em direção à saída da biblioteca. Precisava encontrar Otto e os outros imediatamente. Enquanto corria pelos corredores, o som de mais explosões ressoou ao longe, e a tensão no ar se tornou quase sufocante. Havia guardas e soldados se movendo em todas as direções, tentando organizar uma resposta, mas o ataque havia sido rápido e cirúrgico demais para uma reação imediata.
Virei uma esquina e quase colidi com Lila e Lopes, que vinham correndo na direção oposta, suas expressões tensas.
— Marlon, o que está acontecendo? — Lila perguntou, com a respiração ofegante.
— Invasores dentro do castelo — respondi rapidamente, enquanto continuávamos em direção à sala de guerra. — Isso faz parte da estratégia deles para nos cercar. Precisamos nos reagrupar e proteger as áreas críticas do palácio.
Lopes assentiu, já assumindo uma postura de combate.
— Já recebemos relatórios de intrusos avançando pelos corredores do leste. Estamos indo para lá agora. Tem certeza de que está seguro aqui?
— Tenho que encontrar Otto e coordenar a resposta. Cuidem da ala leste e mantenham a comunicação aberta. Precisamos conter isso antes que se espalhe ainda mais. Vão ver os feridos e as crianças também.
Eles saíram rapidamente, e continuei em direção à sala de guerra. Quando finalmente cheguei, a atmosfera dentro era caótica. Otto estava no centro, coordenando ordens enquanto os cavaleiros se preparavam para agir. Sua expressão era uma mistura de foco intenso e preocupação.
— Marlon! — Ele me chamou assim que me viu entrar. — O palácio está sob ataque direto. Precisamos garantir que isso não seja um golpe decisivo.
— Sei disso — respondi, aproximando-me rapidamente. — Eles estão tentando nos cercar por dentro, criando caos suficiente para desestabilizar nossas defesas. Mas ainda não é o golpe final. Isso é uma distração, uma maneira de nos forçar a dividir nossas forças.
Otto assentiu, entendendo imediatamente a gravidade da situação.
— Então, o que você sugere?
— Precisamos proteger os pontos de acesso críticos ao salão do trono e às áreas de comando. Eles provavelmente vão tentar cortar nossas linhas de comunicação e infiltrar espiões. Designe guardas experientes para esses locais e prepare os cavaleiros para conter invasões em massa. Não podemos nos dar ao luxo de subestimar a magnitude disso.
Antes que ele pudesse responder, mais uma explosão abalou o palácio, desta vez mais perto, e o som de metal contra metal indicava que os combates já haviam começado. O tempo estava se esgotando.
— Otto, temos que agir agora — disse com urgência. — Vou cobrir a ala oeste e ver se consigo interromper o avanço por lá. Envie reforços para onde precisar. Vamos mostrar a eles que este palácio não cairá facilmente.
Otto apertou minha mão com firmeza, os olhos cheios de determinação. — Cuidado, Marlon. Precisamos de você.
Com um aceno de cabeça, saí da sala de guerra, o coração acelerado e a mente focada. Sabia que esse ataque era apenas o começo, uma prova de que nossos inimigos estavam dispostos a tudo para nos derrubar. Mas se queriam guerra, era guerra que teriam. Eu estava preparado para lutar com tudo o que tinha — e não deixaria que eles nos destruíssem sem antes dar tudo de mim.
Corri em direção à ala oeste, onde o som de espadas e gritos já começava a dominar o ambiente. A batalha havia começado, e eu estava determinado a não permitir que nossos inimigos tomassem o controle.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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