Capítulo Dezesseis
Marlon Shipka:
Enquanto caminhávamos em busca de um restaurante, algo inusitado chamou minha atenção. Passando em frente a um beco, avistei, ao fundo, uma porta incomum de carvalho preto, com uma maçaneta vintage de latão. Gravado nela, havia o desenho de um gato acenando, com uma das patas dianteiras levantada, como se estivesse nos convidando. Era um sinal que não podia ignorar.
Curioso, aproximei-me da porta, sentindo a magia dela formigar suavemente em meus dedos quando a toquei. Ao abri-la, deparei-me com um ambiente que, à primeira vista, parecia um restaurante bastante comum, com dez mesas distribuídas pelo espaço. Apesar da atmosfera simples, havia algo naquilo tudo que exalava uma peculiaridade encantadora, como se o local escondesse segredos sob sua fachada modesta.
Uma menina apareceu diante de mim, com cabelos loiros e olhos castanhos brilhantes. Pequenos chifres despontavam de sua cabeça, um detalhe que imediatamente chamou minha atenção e sugeria que ela não era uma pessoa comum.
— Bem-vindos, senhores e senhorita — ela disse, sorrindo calorosamente em nossa direção. — Precisam de uma mesa para quatro pessoas?
Estava prestes a responder quando o sino da porta soou novamente, anunciando a entrada de mais algumas pessoas. Outra menina, de cabelos escuros, rapidamente se adiantou para atendê-los, deixando a loira livre para nos acompanhar.
— Sim, por favor — respondi, e a jovem nos conduziu até uma mesa, entregando-me um cardápio.
Sentado ali, comecei a folhear o cardápio, percebendo que, embora o local pudesse parecer comum à primeira vista, havia algo de mágico nas pequenas nuances, nas energias que dançavam no ar. Talvez fosse o fato de ter sido atraído para cá por aquela porta enigmática, ou talvez houvesse algo mais por trás dos sorrisos acolhedores e da simplicidade do lugar. De qualquer forma, eu estava intrigado e ansioso para descobrir o que mais esse restaurante poderia oferecer.
Olhando para o cardápio, percebi que, embora fosse de estilo ocidental, havia uma seleção esplêndida de pratos, muitos dos quais claramente não pertenciam a essa culinária. Isso despertou minha curiosidade e trouxe de volta memórias de minha antiga vida, dos pratos que costumava comer.
Entre as opções, algo chamou minha atenção: o prato do dia era barriga de porco refogada ao estilo japonês. Meu estômago roncou em resposta, e não hesitei em pedir esse prato. Os meninos, apesar de exibirem um pouco de desconfiança em seus rostos, seguiram meu exemplo e pediram o mesmo.
O que me surpreendeu foi o preço dos pratos; o item mais caro no menu custava, no máximo, 30 moedas. Quando a comida chegou, fiquei encantado. O sabor era exatamente o que eu precisava, uma combinação perfeita para saciar meu apetite e meu faminto estômago. A refeição veio acompanhada de arroz, pão e sopa, formando um rodízio que me agradou profundamente.
Lila também adorou a comida, embora não deixasse de brincar, dizendo que preferia algo mais simples. Guilherme e Lopes fizeram o mesmo, suas piadas e palhaçadas me arrancando risadas espontâneas.
Depois de terminar a refeição, levantei-me para ir ao banheiro enquanto eles continuavam a discutir. Conforme caminhava pelo espaço, senti a presença da magia impregnada no lugar. Reconheci que era uma mistura peculiar da magia deste mundo e de um outro, mais antigo e misterioso.
Foi então que me dei conta: este restaurante não era apenas um lugar comum, mas uma entrada para outro mundo, um ponto de conexão entre dimensões.
Quando voltei do banheiro, o pessoal ainda estava imerso em sua discussão animada. Antes de me sentar novamente, meu olhar se voltou para uma janela que dava para a cozinha. Lá, o chefe de cozinha me observava, um homem de meia-idade com uma barbicha bem aparada, vestido com o traje típico de um verdadeiro chef. Ele sorriu para mim, um gesto que parecia carregar um significado mais profundo, como se ele soubesse mais sobre mim e minhas viagens do que estava disposto a revelar.
Sem hesitar, sentei-me em uma das cadeiras do balcão, próximo à cozinha, ainda sentindo a magia pulsar ao meu redor. Algo me dizia que esse restaurante, com seu chef enigmático e suas portas para outros mundos, era muito mais do que aparentava, e eu estava determinado a descobrir o que mais ele escondia.
— Vou ser direto e quero que seja honesto: este restaurante leva para o outro mundo, não é? — Perguntei, fixando meus olhos no chef, esperando sua reação. Após alguns segundos de silêncio, ele assentiu.
— Posso pedir que me leve até lá quando partir? Tenho alguns assuntos a resolver por lá.
Ele me olhou com a sobrancelha arqueada, o ceticismo evidente em seu olhar.
— O que você, uma pessoa deste lado, poderia querer no outro? — perguntou, a curiosidade evidente em sua voz.
— São assuntos pessoais que preciso resolver. Só quero ver se pessoas importantes para mim estão bem do outro lado — expliquei, tentando transmitir a seriedade de minha intenção. Ele ainda parecia desconfiado, então acrescentei: — Eu sou alguém que reencarnou daquele mundo para este.
Seu olhar mudou, agora com uma compreensão silenciosa. Magia capaz de atravessar mundos era algo raro e misterioso, e ele parecia entender o que isso significava.
— Então, planeja ficar uma semana do outro lado? — Ele ponderou, parecendo refletir sobre algo. — Todos os sábados, o restaurante tem uma liquidação especial. Tecnicamente, o restaurante deveria estar fechado aos sábados, mas é por isso que essa promoção é especial. Não podemos ter clientes "deste lado" durante essa venda especial. Superficialmente, o restaurante parece fechado, mas na verdade... se não fosse assim, muitas coisas preocupantes poderiam acontecer. Isso foi decidido há cerca de trinta anos, na época em que eu estava entrando na escola primária. Meu avô foi quem começou essa liquidação especial. Ele provavelmente sabia muito mais do que eu. Infelizmente, antes que ele pudesse me contar os detalhes, ele faleceu.
O chef fez uma pausa, avaliando minha expressão antes de continuar:
— Então, depois de amanhã, já vou embora para o outro mundo.
— Posso ajudar a comprar os ingredientes que você precisa para suas receitas. Eu sei como me comportar — falei, a súplica evidente na minha voz, tentando convencê-lo. Ele considerou minha proposta por um momento antes de concordar, meio a contragosto.
— Então, temos um acordo? — Estendi a mão para ele, esperando selar o trato.
Ele olhou para minha mão, ponderando por um momento, antes de finalmente apertá-la.
— Apareça aqui amanhã à noite, antes das nove, e você poderá vir. Mas, se não aparecer, entenderei que desistiu dessa ideia — disse ele, e eu acenei em agradecimento.
— Obrigado, mestre — respondi, um sorriso largo se formando em meu rosto. — Vai ser muito bom essa parceria de uma semana.
Enquanto apertava sua mão, senti uma mistura de excitação e ansiedade. Sabia que essa jornada não seria fácil, mas a oportunidade de voltar, mesmo que por um breve período, para o outro mundo e cuidar do que deixei para trás, era algo que eu não podia deixar passar.
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Quando voltamos ao palácio, sabia que precisava ter uma conversa séria com Otto para informá-lo que ficaria fora por uma semana e que minhas aulas teriam que ser adiadas. Despedi-me dos outros e fui direto para o escritório dele. Ao chegar, bati na porta e esperei por sua resposta, que veio em questão de segundos. Assim que abri a porta, vi que Otto já parecia ansioso para encontrar uma forma de escapar.
— Imperador Otto, preciso conversar com você — falei calmamente, direcionando meu olhar para Drake, que estava ao lado de Otto, concentrado em um livro aberto. — Só nós dois.
Esperei por uma reação, mas nenhum dos dois se moveu. Sem perder a paciência, estalei os dedos e, em um instante, Drake apareceu do lado de fora da sala, claramente surpreso. Fechei a porta na cara dele e, devo admitir, senti uma satisfação inesperada com esse pequeno ato.
— Já que você está pensando em fugir de novo, vou direto ao ponto. Preciso me ausentar das aulas por cinco dias, a partir desta segunda-feira — informei, mantendo minha voz calma. Vi que Otto estava prestes a dizer algo, mas ele se conteve, como tem feito ultimamente.
— Por que precisa se ausentar? — Ele perguntou, claramente se esforçando para manter a compostura e não fugir, como tem feito nos últimos dias. — Se você me permite perguntar.
— Isso envolve algo do meu passado que preciso resolver o quanto antes. No sábado que vem, já estarei de volta — expliquei, vendo-o assentir lentamente, processando a informação. — Mas acho que, como um de seus funcionários, devo informá-lo do que vou fazer e pedir sua permissão para partir.
Otto ficou em silêncio por alguns instantes, parecendo ponderar minhas palavras. Finalmente, ele suspirou e olhou para mim, seus olhos ainda carregando aquela tensão que eu havia notado desde nossa última conversa.
— Eu entendo. É importante que resolva o que precisa. Você tem minha permissão para partir — ele disse, sua voz séria, mas com uma leve hesitação. — Só... tenha cuidado, Marlon. E volte em segurança.
Assenti, agradecendo com um leve sorriso, e me preparei para sair. Embora nossa relação estivesse tensa ultimamente, era claro que Otto ainda se preocupava comigo, mesmo que ele próprio não quisesse admitir. E, por mais que nossos caminhos estivessem um tanto distantes no momento, havia algo em suas palavras que me deu uma leve sensação de esperança de que, no futuro, poderíamos superar essa fase.
— Agradeço por me dar essa oportunidade — falei, tentando manter a leveza na voz. — Voltarei em segurança, essa é uma promessa que faço de mindinho.
Levantei meu dedo mindinho até os lábios, um gesto infantil, mas cheio de significado.
— Uma promessa de mindinho? — Ele repetiu lentamente, como se estivesse se lembrando de algo distante. Encarei-o com um sorriso doce, tentando transmitir a sinceridade por trás de minhas palavras.
— Acredito em você — ele disse, a tensão em seus olhos suavizando por um momento.
Fiz uma reverência significativa, um gesto que parecia encerrar a conversa com um toque de respeito mútuo, e então deixei seu escritório. Ao sair, esbarrei em Drake, que me lançou um olhar de puro desgosto. Ignorei-o, sentindo que não havia tempo ou energia para lidar com sua hostilidade naquele momento.
Segui em direção ao meu quarto, minha mente já planejando o que precisaria para a viagem ao outro mundo. Sabia que teria que escolher minhas roupas cuidadosamente para me misturar com os habitantes de lá, sem chamar muita atenção. Mas, mais do que isso, meu coração estava pesado com a expectativa de rever minha antiga família.
Eu me perguntava o que teria acontecido com eles após minha morte. Será que souberam? Como reagiram à perda? A dor que poderiam ter sentido era algo que eu temia confrontar.
Meus pais do outro mundo eram amorosos, sempre presentes, e eu podia contar com eles para tudo. Lembro-me claramente de quando me mudei da casa onde vivíamos — ambos choraram muito, o que me mostrou o quanto significava para eles. Grande parte das escolhas que fiz, como os estudos e o caminho que segui na construção de meu futuro, foi influenciada por eles, por seu exemplo, por seu amor incondicional.
Enquanto caminhava pelo corredor, apertei o tecido da roupa que usava, sentindo um nó se formar em meu peito. Independentemente do mundo em que eu estivesse, parecia que o destino sempre me colocava no caminho de pais amorosos, e essa constatação me trouxe tanto conforto quanto tristeza.
— Eu sinto tanta saudade deles — murmurei, a voz quase se quebrando sob o peso das lembranças. O aperto no peito era intenso, como se as memórias se recusassem a me deixar esquecer o que perdi e o que estou prestes a reencontrar, mesmo que apenas por um breve período.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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